A salada de gêneros é uma característica marcante da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Mas quem diria que um dia veremos Kstew colocar Juliette Binoche e Chloë Moretz no bolso? :D
Quarto dia de Mostra, e mais um dia de corrida e problemas. Salas com programação cancelada de última hora por problemas com as cópias, lotação máxima em várias sessões e um pouco de desorganização se fazem presentes. Aliás, as salas de cinema alternativo em SP precisam urgentemente arrumar funcionários mais sorridentes, hein?
Indie também é gente, precisa ser tratado como tal. :-D
Um gênero geralmente subestimado pelo público em geral é o documentário. É difícil até mesmo encontrar docs em exibição no circuito (salvo, claro, nas grandes metrópoles). Por este motivo, uma parcela do público que frequenta a Mostra lota as sessões do gênero. Uma das mais disputadas (que por sinal quase apanhei para conseguir ingresso) foi a do longa O Jardim e o Amor dos Meus Pais (Vaters Garten), doc suíço que narra o reencontro do cineasta Peter Liechti com seus pais já idosos que, mesmo praticamente se detestando e tendo opiniões divergentes sobre tudo, estão juntos há mais de 60 anos. Uma fita bem bonitinha e bastante criativa – algumas das passagens mais traumáticas do convívio familiar não são mostradas da forma real, mas reencenadas por fantoches de coelhos (?) – e que carrega um gosto melancólico quando sabemos que Peter Liechti morreu logo após a conclusão do filme. Indicadíssimo... se chegar ao circuito, o que sinceramente duvido muito.
Depois desta sessão, deixei um pouco de lado os lançamentos e as novidades para conferir uma velharia na Retrospectiva Pedro Almódovar. O cineasta espanhol, grande homenageado desta edição da Mostra, ganhou um repeteco de vários de seus principais filmes em cópias restauradas e em 35mm. O que é sensacional, já que muitos dos seus primeiros e mais bizarros trabalhos foram mesmo esquecidos com o tempo. Suas fitas respondem pelo maior caos neste evento, já que TODO MUNDO que está lá quer ver estes trabalhos. Praticamente um MMA hipster, com óculos de aro grosso e iPhones voando para todo lado. ;D
O único trabalho de Almódovar que consegui conferir por enquanto é também o meu segundo filme preferido dele, o divertidíssimo Ata-Me!, de 1990 (o primeiro ainda é o insuperável Tudo Sobre Minha Mãe, também em exibição na Mostra). Em Ata-Me!, uma famosa atriz pornô vivida por Victoria Abril é sequestrada e mantida em cárcere por um pivete apaixonado por ela, interpretado por um sujeito que ninguém conhece chamado Antonio Banderas. Vale ressaltar a qualidade da cópia projetada – é como se o filme tivesse sido feito recentemente, de tão cristalina que a imagem está. Se você não conhece os trabalhos de Pedro Almódovar, VÁ CORRENDO! Mas evite Os Amantes Passageiros, seu último filme, porque esse é bem furreco. ;-)
Outros filmes importantes do dia 04: Infância (Brasil), de Domingos Oliveira, que é praticamente o Woody Allen brasileiro; Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (Espanha), o segundo trabalho de Almódovar e o único inédito em nossas salas de cinema até hoje (se você conseguir ingresso para esse filme, você é guerreiro); e Amor à Primeira Briga (França), divertida comédia sobre o relacionamento entre um garoto pacifista e uma menina maluca que ingressou no exército.
E a lição que fica deste quarto dia: brasileiro realmente não sabe o significado da palavra FILA. Nos próximos dias, acho que irei vestido com uma armadura ou algo do gênero, porque olha...
Este quinto dia começou cedo... bem cedo. Logo de manhã, eu já estava lá para conferir em primeira mão, em sessão especial, o esperado Livre, drama dirigido por Jean-Marc Vallée (o mesmo de Clube de Compras Dallas) e estrelado por Reese Witherspoon. E preciso confessar que durante a sessão, vários ciscos caíram no meu olho em momentos diversos (rs). Porque a fita, que conta um período na vida da gente-como-a-gente Cheryl Strayed, precisa mesmo de muito pouco para emocionar. Na trama, esta garota comum entra em uma espiral de destruição pessoal após a morte da mãe (Laura Dern). Percebendo que está no fundo do poço, decide largar as drogas e a vida promíscua para enfrentar uma trilha de mais de 1.700 km pela Pacific Crest Trail em busca de um recomeço, mesmo sem qualquer experiência em trilhas. A fita, bem fragmentada e sem uma ordem cronológica coerente, já me pegou logo no começo quando descobri que o roteiro é de ninguém menos que o gênio Nick Hornby (de Alta Fidelidade) e a trilha sonora é recheada de canções do Simon & Garfunkel (fazendo bom uso, por sinal, da excelente El Condor Pasa). Recomendadíssimo, mas claro que Livre logo chegará ao circuito comercial, até mesmo porque é um dos cotados para fazer bonito no próximo Oscar. Dá pra esperar estrear no circuito sem sair estapeando o povo na fila da Mostra. ;)
O segundo longa-metragem do dia é também um milagre da natureza. Não que Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria), co-produção franco/suíça/alemã dirigida por Olivier Assayas e indicado à Palma de Ouro em Cannes, seja assim um marco. Na verdade, eu achei a fita correta e só. Mas realmente é de se acreditar em uma intervenção divina quando excelentes atrizes como Juliette Binoche e Chlöe Grace Moretz são engolidas em cena por... Kristen Stewart. É SÉRIO, NÃO DESISTA DE MIM NESSE MOMENTO! O fato é que Stewart, a vampirazinha-de-uma-expressão-só da saga Crepúsculo, está perfeitamente à vontade em um papel que não só reflete um pouco de sua carreira como também lhe dá a oportunidade de tirar um sarro tremendo da sua imagem pública. E não é que ela se sai bem? No filme, Juliette Binoche é uma lendária atriz convidada para atuar em uma remontagem da peça de teatro que a consagrou vinte anos antes. Só que ela agora fará o papel da antagonista; o papel da mocinha, que ela viveu no passado, cairá agora nas mãos de uma popstar dada a polêmicas (Moretz), o que a faz entrar em crise de identidade. Stewart, no papel da inventiva assistente de Maria Enders (Binoche), dá um show. Mesmo. Não, não estou maluco nem cansado. Bem, talvez cansado. Um pouco só. :)
Na sequência, uma comediazinha para desopilar: O Último Trago (En El Ultimo Trago) nem estreou ainda em seu país natal, o México, mas já fez bonito nesta edição da Mostra, lotando todas as sessões até o momento. E vale a pena conferir mesmo esta história, curtinha mas funcional, de três velhinhos no alto de seus oitenta anos que caem na estrada em direção à cidade de Dolores Hidalgo, para cumprir uma promessa feita ao quarto integrante do grupo no leito de morte. O diretor Jack Zagha Kababie, bem conhecido no México por conta de duas comédias de bastante sucesso por lá, não faz feio mas também não se arrisca: O Último Trago é apenas uma reciclagem de todas as boas e velhas piadas de “velhinhos com espírito adolescente”. Então, pode esperar os vovôs entrando em um bordel, etc. Não é o melhor filme do mundo mas também renderá boas risadas nos seus 90 minutos de projeção.
E para finalizar o dia (ufa!), Ausência, um drama nacional que retrata o dia-a-dia de um menino de 15 anos, Serginho, que precisa assumir o posto de homem da casa quando seu pai desaparece e sua mãe mergulha no álcool. O filme, apresentado pessoalmente pelo diretor Chico Teixeira (o mesmo de um elogiado drama chamado Casa de Alice), não me pegou como percebi que pegou alguns presentes na sessão. Talvez pela atuação meio “Super-Vicky” do elenco em geral – exceto o sempre excelente Irandhir Santos na pele de um professor com sérias inclinações à pedofilia –, talvez pela narrativa subjetiva e com poucos diálogos, talvez pela vagarosidade na condução da trama. Em uma visão macro, achei Ausência bem rudimentar. Quase chegou lá, mas precisava ser um pouco mais pensado, um pouco mais trabalhado, para se transformar em um ótimo filme. Pra constar, o longa ganhou o prêmio do júri no último Festival do Rio.
Outros filmes importantes do dia 05: Tudo Que Amamos Profundamente, chocante drama neozelandês que tem causado burburinho nos corredores da Mostra; Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (Espanha), primeiríssimo (e talvez o mais abusadinho) filme de Pedro Almódovar que retorna aos cinemas em cópia restaurada; A Pequena Casa (Japão), drama vencedor do Urso de Prata de Melhor Atriz no último Festival de Berlim; e Deixa Ela Entrar, o fodáximo terror sueco de Tomas Alfredson que ganha uma reexibição a pedidos do público.
E a lição que fica deste quinto dia: misturar água em temperatura ambiente com um pacote inteiro de bolacha recheada de morango definitivamente não dá certo. :(