Parte 01: A Comic Con Experience cumpriu com a promessa, mesmo que em menor escala – tanto pelo lado bom, quanto pelo lado ruim
Raramente, quando queremos dizer alguma coisa bem específica, escolhemos palavras aleatórias. Elas, também, são bem específicas, pra que não se exista dúvida sobre o que estamos falando — inclusive quando não quereremos ser absolutamente claros. Dubiedade também faz parte dessa brincadeira.
No caso de “A Experiência de uma Comic Con” no Brasil, quando dizemos “de uma” é porque o que a Comic Con Experience conseguiu, entre os dias 04 e 07 de Dezembro de 2014, foi de fato realizar uma Comic Con no Brasil. Não pela primeira vez — a Santos Comic Expo também conseguiu, reunindo quem cria e quem consome cultura pop sob um mesmo teto, promovendo a troca de experiências e ideias. No caso da CCXP, porém, havia o objetivo amplamente divulgado de realizar um evento “nos moldes dos que acontecem nos EUA”, o que inclusive gerou enormes dúvidas sobre ser ou não a versão Brasileira da San Diego Comic-Con, dando início a uma Batalha de Comic Cons.
E esse, talvez o principal dos objetivos, também foi atingido. Tivemos no Brasil a experiência de uma San Diego Comic-Con, de uma New York Comic Con. Mas será que isso basta?
Sim, a CCXP conseguiu, se não ser abraçada pelo mercado, ganhar uma piscadinha, uma olhadela, uma cruzada de olhares. Olhando o mapa do evento, já tínhamos essa noção. Grandes editores e estúdios presentes, convidados famosos, alguns dos grandes quadrinistas do Brasil (e do mundo) mostrando e exibindo o próprio trabalho, famosos caminhando entre pessoas comuns, como deveria ser sempre em uma convenção assim.
A questão, porém, é que enquanto a parte de quadrinhos funcionou como deveria funcionar — com grandes lançamentos e edições exclusivas em relação a editoras, e a troca de ideias e palavras entre os quadrinistas e o público — outras vertentes da cultura pop e de uma experiência de Comic Con deram uma engasgada.
Por exemplo: famosos caminharam entre os mortais. Jason Momoa passeou pelo Artists’ Alley, Mauricio de Sousa passeou pelo evento e visitou o próprio estande, o pessoal do Jovem Nerd jogou videogame. Mas, Momoa estava cercado de seguranças, Mauricio usava uma máscara do Coringa (o que, vamos combinar, FOI SENSACIONAL! :D) e o estande da Marvel foi fechado pro Alottoni e o Azaghal jogarem seus joguinhos.
Isso é mais um problema da cultura Brasileira do que do evento em si, mas considero que seja nosso papel — da imprensa e da própria organização — tentar explicar como isso deveria acontecer, o fato de que essas pessoas são, no fim do dia, como todos nós. Apenas pra você entender: nós do JUDÃO já fizemos xixi ao lado de Andy Serkis e encontramos Joss Whedon comprando quadrinhos, como se fosse a coisa mais normal do mundo — simplesmente porque É a coisa mais normal do mundo.
Quem é de cinema e televisão teve uma experiência um pouco menor de uma Comic Con. Os estandes estavam lá, com seus trailers em looping, props e oportunidades de fotos, além de algumas atrações interativas, mas era essencialmente uma coisa de ver... e ver. Tirando a Netflix, que levou o elenco de Marco Polo pro seu estande, ninguém mais aproveitou o espaço pra uma sessão de autógrafos ou distribuição de brindes — bottons e pôsteres, por exemplo. Ocupando, aliás, a maior parte do espaço do show floor, esses estandes faziam com que o seu tempo ocioso aumentasse consideravelmente lá dentro (o que é um outro problema, que falaremos mais pra frente).
Mas talvez o grande CATCH esteja nos paineis de cinema e televisão, realizados em sua maioria por convite (ou insistência, se assim preferir). Tirando a Paramount, que levou Andrew Form e Brad Fuller, produtores e sócios de Michael Bay, e exibiu quase 20 minutos de Project Almanac e o trailer de O Exterminador do Futuro: Gênesis (que deveria ter sido em primeira mão, junto com o resto do mundo, o que a internet não permitiu), e a Warner que levou Richard Armitage pra falar sobre O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, nenhum outro estúdio ou distribuidora fez algo de muito mágico por lá. A Fox até mostrou Benedict Cumberbatch e John Malkovich dando um oi pro Brasil e comentando sobre seus personagens em Os Pinguins de Madagascar, mas os cinco minutos exclusivos mostrados eram dublados em português; o painel de Vingadores: Era de Ultron não teve absolutamente nada do que já não tínhamos visto na Internet — além de ter sido uma espécie de Omeleteve ao vivo, o que se repetiu com o “crossover” entre Omelete e Jovem Nerd na discussão sobre Star Wars.
Nas Comic Cons lá fora, quem decide seus conteúdos e se vai ou não ter um painel, são os estúdios. Se a DC Entertainment levou Gal Gadot, Ben Affleck, Henry Cavill pra San Diego Comic-Con e exibiu o primeiro teaser de Batman v. Superman, foi porque ELES quiseram. Em momento ALGUM a presença da Warner, ou dos convidados, servia pra venda de ingressos — o que, normalmente, acontece meses antes do anúncio de qualquer tipo de atração, mostrando mais uma vez a diferença de culturas entre o público Brasileiro, que só resolve ir ao evento baseado em quem vai ver lá, e o gringo, que simplesmente vai e aí resolve o que vai ver por lá.
Por outro lado, a Comic Con trouxe a parte negativa da experiência de um evento como esse: grandes filas, desencontros, improvisos... “Foram duas horas de fila só pra entrar”, nos contou a estudante Maria Rossi. Também tivemos problemas tipicamente brasileiros, como erros nas traduções, estrutura pequena nos grandes painéis, poucos conteúdos exclusivos, falta de painéis paralelos, aumentos abusivos nos preços da alimentação, caixas eletrônicos de apenas um banco, a impossibilidade de sair e voltar... São detalhes que precisam ser melhorados para o próximo ano. “Ou você paga uma nota, ou mal vê as atrações”, nos reclamou o biólogo Felipe Ishaiy.
Há muito, muito o que ser corrigido, pensado, repensado. Durante essa semana, aqui no JUDÃO, publicaremos uma série de análises sobre não só o evento, especificamente, como também o lugar que ele assume nesse mercado de cultura pop Brasileiro.
Apesar das falhas, o que foi entregue está a anos luz de tudo o que já foi feito por aqui — a discussão deixou de ser se tinha ou não tinha carpete. “Esperava algo menor. Esse evento é enorme, mas isso é ótimo”, relatou Ishaiy. “Achei sensacional, por ser no Brasil, conseguirem realizar algo neste tamanho, pro nosso público”, disse o visitante Wesley Modro.
Neste primeiro momento, o que fica de registro é que a CCXP elevou o nível dos eventos no Brasil — algo que é bom, mas também um perigo. O nível também subiu para o próprio evento. Em 2015, pra continuar deixando o público feliz como ficou nestes últimos dias, vão precisar entregar mais. A Comic Con Experience se tornou um monstro que, agora, os organizadores vão precisar alimentar, pra crescer de forma saudável. É necessário deixar de ser uma simples experiência.
E esse, amigo, é o maior desafio.
• Colaborou Eduardo Pereira