Better Call Saul, o spin-off de Breaking Bad, começa com uma surpresa, mostrando o que parece ser um triste futuro em P&B antes de entrar num passado divertido e cheio de malandragens
O produtor Vince Gilligan fez o seu papel, é claro, ao dizer por aí que Better Caul Saul não é Breaking Bad, apesar de ser uma série derivada. Desta forma, sacumé, ele evita aquelas desnecessárias comparações, os fanáticos esmiuçando detalhe a detalhe. Mas olha aí, seu Gilligan, impossível não comparar, vai. Tá no sangue do fã, não tem como.
Só que deixa eu te contar um segredo? A comparação, neste caso, até que é boa. Porque Better Call Saul tem seu jeitão próprio, não é dependente das histórias de Walter White mas, surpresa, carrega sim uma assinatura nitidamente Breaking Bad. Como se Gilligan tivesse deixado a sua marca ali, no cantinho, pra todo bom entendedor perceber.
Resultado, querido leitor? Pelo menos levando este primeiro episódio em consideração, Better Call Saul é atraente o suficiente para fazer o espectador eventual, aquele que não faz ideia do que diabos é meta-anfetamina, voltar na semana seguinte. Ao mesmo tempo, é cheio de pequenos recursos e detalhes que vão fazer os saudosos de Breaking Bad saírem com os olhinhos brilhando.
A trama traz Bob Odenkirk (simplesmente brilhante, aliás, e cada vez mais falastrão) de volta ao papel do trambiqueiro advogado Saul Goodman – que, na real, não é o seu verdadeiro nome. Aqui, descobrimos que antes de Saul e antes dos clientes ligados ao mundo das drogas existia James McGill, um sujeito fracassado que atende em um escritório minúsculo nos fundos de um salão de manicure e passa os dias pegando casos bizarros na defensoria pública em busca de uns trocados. Já somos apresentados também de cara ao sujeito que promete ser o antagonista da coisa toda, Howard Hamlin (Patrick Fabian), dono de uma das maiores firmas de advocacia da cidade. Empresa, aliás, da qual seu irmão Chuck (Michael McKean) é sócio – mas anda afastado graças a uma bizarra doença que o faz ter problemas com coisas elétricas (não pergunte).
Um dos grandes acertos deste episódio inaugural, aliás, foi evitar a overdose de informação. Como é tudo novo, o roteiro poderia incorrer no pecado de querer nos apresentar todo mundo de uma só vez, nos fazendo engolir inúmeros detalhes e minúcias sobre o elenco de coadjuvantes. Não precisa. Aqui, tudo é revelado com calma e tranquilidade, sem pressa. James McGill é nosso guia por este mundo de ótimos e certeiros diálogos. É o tipo de timing que fez Gilligan transformar Walter White em Heisenberg ao longo de cinco temporadas de maneira natural, sem excessos (na medida do possível, claro).
O clima é bem menos duro e dramático do que o de Breaking Bad, com uma dose mais calibrada de humor e ancorado em boa parte no carisma de Odenkirk, que dá um verdadeiro baile quando está em cena. Mas as cores, a fotografia e o movimento de câmera parecem ter o DNA da série original em toda a parte. Mesmo a cena inicial do episódio, com Saul...perdão, com James defendendo um trio de adolescentes imbecis que invadiram um necrotério para fazer coisas, er, impróprias com um cadáver, faz um uso brilhante do silêncio durante bons minutos, sem precisar usar uma única palavra para revelar uma faceta do dia a dia pouco glamouroso de nosso “herói”. Lembra demais as cenas de BB no deserto, por exemplo.
Dois momentos são especialmente marcantes – a abertura, em preto e branco, mostra uma lojinha de doces num shopping em Nebraska. E eis que o gerente, de bigodão e um óculos insuspeito, é ninguém menos do que James/Saul. Só que o crachá diz claramente outro nome: Gene. Meio tenso, ele parece se sentir perseguido, observado. Em casa, sozinho, vê programas de vendas de joias na TV até que resgata, de um esconderijo, uma fita VHS na qual assiste repetidamente comerciais de sua época como Saul, aquela coisa que nos acostumamos a ver em sua encarnação anterior. Talvez escondido de alguém pós eventos finais de Breaking Bad, parte de um programa de proteção de testemunhas, algo assim? Pois é, isso parece mesmo o futuro. Um trecho ao qual fomos apresentados antes da história voltar para o passado. Mas acho que, além de entender como James se tornou Saul, também vamos entender como diabos Saul se tornou Gene.
E a sequência final do episódio é deliciosa. O advogado bola um plano mirabolante para cair nas graças de uma potencial cliente e coloca na jogada dois picaretas juvenis, um par de irmãos ruivos skatistas que gostam de aplicar pequenos golpes, fingindo que foram atropelados. Mas as coisas não saem exatamente do jeito que James planejou. E ao invés da tal senhora, esposa de um sujeitinho acusado de desviar mais de 1 milhão, ele cai na casa de uma velhota latina. E ao bater na porta, é recepcionado por uma arma – e um olá truculento de um camarada que qualquer fã de Breaking Bad reconheceria como o violento e explosivo traficante Tuco Salamanca (Raymond Cruz).
Viu só como a coisa começa? :D
O mais legal de Better Call Saul é que Gilligan está contando uma história que todo mundo achou que sabia como terminava. E além de um começo que pouca gente imaginava, ele nos mostrou que tem um finalzinho inesperado lá na outra ponta. O meio? Este ainda deve ser recheado de boas surpresas.
Pode mandar, Gilligan. Porque a gente tá aqui, curioso pra saber para quem o Saul vai ligar quando tiver problemas.