O retorno dos intrépidos e destemidos Onigomanjhas | JUDAO.com.br

Promissor projeto de animação surgido ainda em 1999 reaparece depois de 15 anos querendo aproveitar os recursos de uma nova geração para, enfim, engatar a segunda marcha e deslanchar

O ano era 1999. Eu, jovem aluno do terceiro ano de Publicidade e Propaganda de uma universidade lá em Santos/SP, resolvi assistir às apresentações abertas dos trabalhos de conclusão de curso da galera do quarto ano, para me inspirar na escolha que teria que fazer no ano seguinte. Eis que dou de cara com um projeto chamado Onigomanjhas. Tratava-se do piloto de uma série animada, produzida de maneira independente, totalmente na unha (na mesma época em que ajudei o Fábio Yabu com a criação dos Combo Rangers, mas isso é outra história). Fui dar uma olhada. E preciso admitir que chorei de rir. Aquilo tinha futuro.

Onigomanjhas é um desenho animado focado no público adulto cuja trama gira em torno de sete bizarras criaturas e seu heroico cotidiano combatendo vilões, monstros espaciais, estranhas criaturas e as ameaças mais estapafúrdias e insólitas possíveis. Misturando referências de super-heróis Marvel/DC com as antigas formações de combatentes do mal nipônicos e multicoloridos como os Changeman, eles estão sempre às voltas com problemas como enchentes, engarrafamentos, um QG caindo aos pedaços e o aumento abusivo do preço dos churros (elemento recorrente em suas tramas). A formação traz personagens surreais, sempre misturando um animal com algum outro elemento insólito: Canguru-Pia, Pato-Xoquito, Tubarão-Pizz, Pombo-Urso, Sapo-Garrafa, Avestruz-Mangueira e o quase invisível Protozoário-Mamão.

Nitidamente inspirados por South Park, em especial no que diz respeito à opção por uma animação simples e bem próxima do tosco (“ei, nós conseguimos fazer algo assim!”), com custo quase zero, eles optaram por algo mais irreverente para marcar o seu final de curso, fugindo das tradicionais campanhas publicitárias ou monografias. “Nosso grupo tinha muito em comum essa paixão por cultura pop, quadrinhos, televisão e, lógico, desenhos animados. No decorrer do curso entramos em contato com a área de audiovisual e de repente um mundo novo de possibilidades estava aberto para nós”, conta Mauro de Abreu, um dos integrantes da trupe, em entrevista exclusiva para o JUDÃO. O piloto pode ser visto na íntegra aí embaixo. :)

“O grande responsável pelo nascimento dos Onigomanjhas foi o amaldiçoado que inventou aulas de sábado de manhã”, diz, brincando. “Nós cursávamos a faculdade à noite mas tínhamos aula de sábado de manhã, e durante o 3º ano, juntávamos um grupo no fundo da sala que se dividia entre aqueles ainda bêbados da noite anterior, os de ressaca e aqueles com muito sono – de qualquer maneira, nenhum de nós estava disposto a assistir qualquer aula que fosse”.

Ele não recorda em que momento começou, mas o fato é que apareceu uma brincadeira de misturar bichos com bichos, como a Disney fez com a animação The Wuzzles – aquela que, por volta de 1985, tinha fofas criaturas como a Ursoleta, o Abeleão e o Rinocaco. Logo, a coleção de bobagens pós-adolescentes evoluiu para misturas de bichos com coisas. “Alguém falava e aqueles que sabiam desenhar faziam a criatura, mas o bicho era desenhado como animal mesmo, era aquele tipo de coisa boba que só quem estava na hora entenderia a graça”. Quando, no quarto ano, o grupo decidiu fazer uma animação de super-heróis, logo aqueles conceitos foram recuperados para se encaixar nos arquétipos clássicos de todo bom grupo: o líder, o misterioso, o selvagem, o forte, o gênio, o engraçadinho...

O piloto apresentado naquela sala em 1999 estava longe de cativar apenas a este que vos escreve. Depois de um prêmio no congresso da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) realizado em Manaus, a produção ganhou não apenas notoriedade local, mas nacional – gerando matérias nos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, na revista VIP e até no programa Metrópolis, da TV Cultura. “Isso nos nos deu confiança para dar o próximo passo que foi continuar com a produção: criamos mais um episódio e um curta, que juntamos com o piloto e inscrevemos no Anima Mundi 2001; alcançamos a 3ª colocação no júri popular, o que foi algo muito importante porque competimos com desenhos muito superiores tecnicamente. Mas sempre que apresentávamos o desenho ao público víamos como ele funcionava bem, era comum ouvir um auditório cheio cair na gargalhada”, revela o publicitário.

O grande desafio, no entanto, era fazer a coisa dar algum dinheiro para aqueles recém-formados – no caso, tentando transformar os Onigomanjhas em uma série. “Depois do Anima Mundi, tentamos mais um ano e meio pelo menos, levamos em todas as emissoras existentes na época, usamos todos os contatos possíveis mas nada acontecia, simplesmente não sabiam o que fazer com o material na maioria das vezes, nossa inexperiência também não ajudou muito, entramos em algumas roubadas, não sabíamos direito pra onde correr no sentido de financiar um projeto”. Mauro faz questão de lembrar que não existia nem YouTube ainda, ninguém conhecia Facebook ou redes sociais por aqui. “Mas não gostamos de ficar criando desculpas, nos consideramos os responsáveis por não ter rolado. Aí já sabe né, os trampos que começamos a pegar por fora pra pagar as contas começaram a virar nossos trabalhos de verdade e os Onigomanjhas foram ficando de lado”.

Ao longo da última década, mesmo enquanto a equipe mergulhava em bem-sucedidas carreiras no mercado de vídeo, eles tentaram algumas vezes retomar o projeto. “Mas quando um podia, o outro estava atolado de trabalho... (…) Algumas vezes entramos numas de achar que o projeto precisava de alterações, mas nunca gostávamos do resultado”. A coisa toda mudou apenas há cerca de três anos, quando traçaram um plano muito simples – cuja primeira definição foi que o projeto não precisava de alterações conceituais. “Ele sempre foi engraçado”, confessa Mauro, sem modéstia. “Mas teríamos que refazer o piloto de qualquer jeito por questões técnicas, não tínhamos mais a matriz digital e o projeto todo precisava ser atualizado para alta definição. Além disso, achamos que precisávamos voltar a nos divertir fazendo os Onigomanjhas, nada de prazos pra começar, só fazer pra ver no que vai dar, cada um respeitando o tempo vago do outro, e foi aí que as coisas começaram a ficar interessantes de novo”.

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Depois do primeiro ano de produção ser meio lento (“porque tivemos que reconstruir tudo do zero”), os publicitários santistas passaram a se sentir novamente estimulados. Surgiram canais no Facebook, no Vimeo e no YouTube, além de um site oficial. “Nossos planos imediatos são de produzir uma mini-temporada de 6 episódios de forma independente e a partir daí ver como prosseguir, não estamos correndo atrás de nada no momento, já fizemos bastante isso no ano passado, obtivemos algumas boas respostas mas por incrível que pareça, 15 anos depois, as emissoras ainda não sabem o que fazer com o material”, revela. “Não estou brincando: um executivo de uma grande emissora nos falou exatamente isso”.

Além da série animada, eles pensam em também em trabalhar uma espécie de “universo expandido”, produzindo curtas, tiras e quem sabe até HQs completas, com o objetivo de manter o público interessado nos intervalos – ainda indefinidos – entre os episódios principais. “Você consegue imaginar quanto material nós temos guardado em 15 anos de Onigomanjhas?”, conta Mauro, empolgadíssimo. “Nós precisamos dar vazão à essas idéias e personagens, temos dezenas de vilões, personagens secundários, idéias absurdas, e conceitos acumulados, e muitas vezes são idéias que podem ser apresentadas em um curta ou em uma tirinha antes de aparecer em um episódio”.

Uma coisa, pelo menos, parece contar pontos a favor deste retorno dos Onigomanjhas. Da primeira vez em que assisti este episódio-piloto, eu era um universitário de 19 anos, solteiro, começando a me preocupar com as contas pra pagar. Hoje tenho 35 anos, casado, pai de dois filhos, mais de 15 anos de profissionalização no mercado de comunicação. Revi o piloto. E rolei de rir mais uma vez. Sinal de que esta turminha ainda tem lenha para queimar. Tomara que a equipe mantenha a persistência, o principal superpoder necessário para unir este grupo de heróis novamente.