Sr. Spock nos deixou nessa sexta, 27, aos 83 anos :(
Eu odeio escrever esses textos. Fazem parte da profissão e da nossa obrigação com você, leitor do JUDÃO, só que representam também que uma parte nossa se foi. Dessa vez, Leonard Nimoy, que morreu nesta sexta-feira (27) aos 83 anos. Nos últimos meses, o ator lutou contra uma doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) causada pelo cigarro.
Meu primeiro contato com Nimoy, na pele do Sr. Spock, foi mais ou menos com 10 anos, ao ver uma das eternas reprises de Jornada nas Estrelas na Record. Aquele universo inteiro me fascinou, mas uma das coisas mais interessantes era claramente aquele cara meio terráqueo, meio vulcano, cheio de lógica e de uma visão peculiar da vida. Sem dúvida alguma o relacionamento dele com o Capitão James T. Kirk era o ponto alto da série – afinal, vimos a cada episódio eles superando aquela natural diferença de culturas, que ia muito além da cor (pintada) da pele. Era, de alguma forma, a exemplificação de que a amizade poderia superar qualquer diferença. Ou até mais do que isso: que qualquer amizade PRECISA ser feita por diferenças e pelo entendimento delas.
Jornada nas Estrelas foi o trabalho da vida do ator. Não que ele não tenha feito nada antes, ao contrário: o ator já tinha feito muita coisa, incluindo aparições em Bonanza, Além da Imaginação, Os Intocáveis...
Por pouco, Jornada nas Estrelas não passou batido, também. A série só foi aprovada pelo canal CBS no segundo piloto, que incluiu algumas mudanças no próprio Sr. Spock. Depois, a série nunca foi campeã de audiência ou algo assim. Alguns grupos religiosos chegaram a, inclusive, fazer pressão pra tirar Star Trek no ar. O motivo? Viram o personagem do Nimoy como uma representação do demo.
Quer saber? A realidade é que o mundo ainda não estava preparado para Jornada nas Estrelas. Por exemplo, Nimoy fez com que a emissora pagasse a Nichelle Nichols, a Uhura, o mesmo que Walter Koenig e George Takei. É aquilo que a Patricia Arquette falou... Em 2015.
Leonard Nimoy e o Sr. Spock passaram a ser um só. Por mais que muita gente diga, o ator nunca odiou o personagem. Em 1975 ele lançou o livro I Am Not Spock, aparentemente negando todo aquele legado – mas foi só um erro de intenção. “Certo dia, estava de passagem pelo aeroporto de São Francisco quando uma senhora, acompanhada do filho de 8/9 anos, me reconheceu e veio falar comigo. ‘Olha quem está aqui’, dizia ela para o garoto. E ele não me reconheceu”, contou o próprio ator em uma entrevista ao nosso Thiago Cardim em 2003. “‘Como assim, este é o seu personagem favorito, você assiste ele na TV toda semana. É o Sr. Spock’. Mas o garoto não me reconheceu mesmo”. A experiência influenciou o ator de tal forma que acabou se transformando num capítulo do livro a respeito das diferenças entre ele mesmo e Spock. “Quando o livro estava pra sair, o editor me perguntou que título eu gostaria de usar e sugeri justamente o nome deste capítulo: Eu Não Sou Spock. Foi um erro que cometi e que me persegue mesmo 25 anos depois. Tive até que escrever um livro chamado ‘Eu Sou Spock’ para esclarecer a história toda”.
Ele fez outras coisas da vida, incluindo fotografias, livros, cinco álbuns musicais, um projeto fotográfico de afirmação do próprio corpo... Mas o fato é que Nimoy amava o Spock. Amava tanto que, durante as gravações de Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, pediu para que encaixassem uma forma de fazer com que o personagem voltasse à vida – o que foi acontecer no filme seguinte, Jornada nas Estrelas III: A Busca de Spock. Aliás, o cara ficou tão empolgado que se colocou para dirigir esse filme, o que foi aceito pela Paramount depois de uma boa negociação.
Outro exemplo de amor foi em Jornada nas Estrelas: A Nova Geração. O filme era pra servir como uma homenagem final para a tripulação clássica, com uma cena de abertura com a presença dos antigos tripulantes da Enterprise e a direção do Leonard Nimoy, mas ele se negou. “Eu disse pra todos os interessados que se você pegasse a meia dúzia de diálogos do Spock e simplesmente mudasse o nome do personagem, ninguém notaria”, disse, na época.
Não posso falar por você, mas eu também sempre amei o Spock. Por isso foi ótimo poder reencontrá-lo em Star Trek, de 2009, e em Além da Escuridão – Star Trek.
“A vida é como um jardim. Você pode ter momentos perfeitos, mas não preservados, a não ser na memória. Vida longa e próspera”. Esse foi o último tweet de Leonard Nimoy. Não se preocupe, velho amigo. Todos aqueles momentos incríveis que passei vendo seu trabalho não só apenas ficarão na memória de todos nós, como também serão preservados para as futuras gerações.
Até porque a vida pode ter se extinguido, mas o seu legado será longo e próspero.