Em 2003, Thiago Cardim se encontrou cara a cara com Leonard Nimoy — e ainda almoçou do lado dele :)
A-Arca JUDÔNICA tem como INTUITO resgatar algumas das melhores publicações dos quase 15 de existência do Judão... e d’A-Arca. Republicaremos por aqui algum artigo, entrevista, podcast ou qualquer coisa que tenhamos feito na nossa vida que faça algum sentido nos dias de hoje. Gotta get back in time!
Em 2003, Leonard Nimoy veio ao Brasil. Era uma época em que praticamente não se falava em Comic Con, em Meet and Greet, Hall H, pessoas dormindo na fila... Mas uma única pessoa indo onde alguns poucos já estiveram antes fez um enorme barulho, não só entre os trekkers, mas com toda a mídia Brasileira. Esse site resume tudo — desde as negociações às suas aparições no Programa do Jô, Casseta & Planeta...
Estive pessoalmente na coletiva de imprensa com o ator, em São Paulo, e pude conhecer o vulcano pessoalmente. Simpático, bem-humorado, divertido e acessível, respondeu todas às nossas perguntas como se estivesse na sala de casa, olho no olho, sem frescuras. Parecia bastante à vontade, mesmo com toda a reverência dos fãs ao seu redor, fossem eles jornalistas ou mesmo os integrantes do staff da própria Paramount. E ainda sentou pra almoçar junto com a galera, tranquilão, como se tivesse descido diretamente da Enterprise pro quilão mais próximo.
O legal é que, além das boas lembranças, esta edição especial d’A-Arca JUDÔNICA ajuda a contar a história da cultura pop. Por exemplo, sabia que, em 2003, a Paramount chamá-lo pra reviver o Spock era “ilógico”? :)
Trinta e sete anos depois da primeira exibição da série clássica de Jornada nas Estrelas, finalmente o Sr. Spock aterrissou no Brasil. E depois de cruzar quase toda a galáxia indo onde nenhum homem jamais esteve, o oficial de ciências vulcano da Enterprise envelheceu. Mas os cabelos brancos fizeram muito bem a ele: a frieza e racionalidade de outrora foram substituídas por sorrisos espontâneos e um humor bem sutil e inteligente. Teria a convivência com o Capitão Kirk feito bem ao seu grande amigo? Nada disso: o que acontece é que, tanto para este repórter quanto para todos os outros que lotaram a sala de imprensa do Hotel Emiliano, em São Paulo, era impossível dissociar o personagem do ator Leonard Nimoy, que está no país para a convenção anual da Frota Estelar, fã-clube oficial de Jornada nas Estrelas.
Aos 72 anos, Nimoy ainda carrega os traços inconfundíveis de Spock. E exatamente por isso era a nítida a expressão de assombro e admiração nos rostos de cada um assim que ele adentrou a sala. Muito simpático, ficou notadamente surpreso com a maciça presença da imprensa tupiniquim. “O Brasil é maravilhoso, estou honrado e me divertindo bastante, tendo contato com pessoas maravilhosas”, afirmou. “Falei com Walter Koenig (Chekov) e George Takei (Sulu) e os dois me disseram que os fãs brasileiros são os mais inteligentes do mundo”. Ele e a mulher, fãs de filmes estrangeiros, assistiram Central do Brasil e adoraram. “Ver estes filmes nos permite conhecer a condição humana fora dos EUA”.
Afastado da TV e do cinema desde a metade da década de 90, o ator afirma que, pelo menos por enquanto, pretende ficar afastado destas atividades, dedicando-se ao seu novo hobby: a fotografia. “Preciso manter minha reputação junto a minha mulher”, brincou. “Com a fotografia, não preciso me ausentar de casa por semanas ou mesmo meses a fio”. Quando alguém citou o próprio Spock ao dizer que “sempre há possibilidades” para que ele volte a assumir o papel que o celebrizou, Nimoy sorriu. “Com relação ao futuro, tudo é uma questão hipotética. Há 12 anos eu não tenho contato com a Paramount. Acho improvável que, num futuro próximo, meu telefone toque com uma proposta deles. É algo ilógico”, brincou o ator com outra expressão típica do vulcano.
A desenvoltura e tranquilidade com a qual Nimoy se refere ao seu alter-ego afasta de vez qualquer dúvida sobre uma possível indisposição com a tremenda identificação que ele ainda tem com Spock. “Fico feliz que vocês tenham dificuldades em dissociar a minha imagem à de Spock, porque ele é um ótimo personagem, uma excelente contribuição para o mundo da ficção científica”. O ator americano também comentou o polêmico livro Eu Não Sou Spock, cujo título levou os fãs a entenderem que ele estava rejeitando a figura do braço-direito de Kirk.
Segundo Nimoy, na década de 70 uma editora pediu que ele escrevesse um livro a respeito de sua experiência nos sets de filmagens de Jornada nas Estrelas. “Certo dia, estava de passagem pelo aeroporto de São Francisco quando uma senhora, acompanhada do filho de 8/9 anos, me reconheceu e veio falar comigo. ‘Olha quem está aqui’, dizia ela para o garoto. E ele não me reconheceu. ‘Como assim, este é o seu personagem favorito, você assiste ele na TV toda semana. É o Sr.Spock’. Mas o garoto não me reconheceu mesmo”. A experiência influenciou o ator de tal forma que acabou se transformando num capítulo do livro a respeito das diferenças entre ele mesmo e Spock. “Quando o livro estava pra sair, o editor me perguntou que título eu gostaria de usar e sugeri justamente o nome deste capítulo: Eu Não Sou Spock. Foi um erro que cometi e que me persegue mesmo 25 anos depois. Tive até que escrever um livro chamado ‘Eu Sou Spock’ para esclarecer a história toda”.
E afinal de contas, no que Spock e Nimoy se parecem? “Hummmm… No intelecto brilhante, talvez?”, brincou. “E também é incrivelmente sexy”, elogiou sua mulher, Susan Nimoy, escondida no fundo da sala.
Pra matar a curiosidade dos fãs, Leonard Nimoy também comentou sua relação com o ator William Shatner, o intérprete do Capitão Kirk. As lendas do mundo da televisão afirmam que sempre existiu uma rivalidade entre os dois nos bastidores da série – que Nimoy não negou completamente. “Hoje em dia, somos grandes amigos. Mas na época, ambos éramos muito jovens e muito ambiciosos. É claro que havia um clima de competitividade no ar”.
Criada por Gene Roddenberry, a série original de Jornada nas Estrelas tinha um mensagem pacifista, de união entre as raças. Nos dias de hoje, no entanto, os produtos da franquia acabaram assumindo uma faceta mais belicista – vide o seriado Enterprise. “Sinceramente, não sou exatamente um especialista nas produções atuais de ‘Star Trek’. E também não vejo muita TV – fico mais ligado em notícias e documentários. Mas eu gostaria de lembrar o contexto histórico da série original. Nos anos 60, estávamos no meio de uma série de levantes e problemas políticos nos EUA”, relembrou Nimoy. O ator relembrou as marchas pelos direitos humanos de Martin Luther King, as mortes de John e Robert Kennedy e ainda o fiasco ianque no Vietnã. “Os produtores da série estavam preocupados com a condição humana na época. Creio que o sucesso e a intensidade que o programa conseguiu devem-se justamente à relação com a realidade da época, mesmo que as histórias fossem ambientadas no futuro”, resumiu ele.
Nimoy aproveitou para relembrar também a sua experiência como diretor em Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa, de 1986. “Quando os produtores me procuraram para dirigir o filme, não queria fazer algo simplista como uma batalha entre o bem e o mal. Não tinha personagens pesados ou vilões. O conflito acontece justamente na série de eventos que afetarão as gerações futuras”, explica o ator. É fato: com um filme sem lutas, sem mortes, sem explosões pirotécnicas, Nimoy conseguiu a maior bilheteria entre as películas de Jornada nas Estrelas até hoje. “É bastante recompensador perceber que o drama não está ligado a mortes e matança”.
Embora os trekkers mais fanáticos já conheçam esta história de trás pra frente, o intérprete de Spock também explicou como criou a tradicional saudação vulcana. Tudo começou no episódio “Mock Time”, cujo tema era o ciclo sexual de Spock, que acontece a cada sete anos. Seria a primeira vez que outro vulcano seria retratado na série, já que ele seria levado de volta ao seu planeta natal. “Achei intereressante acrescentar algum aspecto cultural da raça vulcana. Pensei nos cumprimentos. Os humanos apertam as mãos, os orientais se curvam e os militares têm a sua saudação típica”, revelou Nimoy.
A idéia do gesto veio direto de um episódio da infância de Nimoy: criado numa família judaica ortodoxa em Boston, ele estava indo para um dos cultos religiosos da passagem de ano. Segundo o ator, havia um momento em que os senhores da casta dos sacerdotes se levantavam para abençoar todos os outros falando em hebraico. “Meu pai disse: ‘Não olhe, não olhe’. Estavam todos com as cabeças baixas e os olhos cobertos com as mãos ou com mantas especiais. Mas eu era um garoto muito curioso”, brincou, com um sorriso maroto. “Eles estavam fazendo uma oração que queria dizer ‘o Senhor os abençoe e os mantenha’. Era passional, teatral, extasiante. E, gritando, eles fizeram o sinal. Eu não sabia o que significava, mas fiquei transfigurado até aprender o gesto”.
Anos mais tarde, Nimoy descobriria que se trata de uma letra hebraica que significa o nome do Todo-Poderoso. “O símbolo é o nome de Deus. Toda vez que faço isso, os flashes começam!”. E assim, a saudação de “Vida longa e próspera” entrou para a história da mitologia vulcana.
Além de sua carreira nos palcos, na TV e no cinema, Nimoy quase emplacou uma bem-sucedida carreira musical. “Na década de 60, cheguei a gravar um total de seis discos. O trabalho foi bom o suficiente para que eles (gravadora) me pedissem para gravar mais. Mas então eu recebi um telefonema de Frank Sinatra me pedindo para parar”, brincou aos risos.
A música mais famosa de Leonard Nimoy já circula pela internet há bons anos. Trata-se de “The Ballad of Bilbo Baggins”, que conta as aventuras do personagem de J.R.R. Tolkien no prólogo de O Senhor dos Anéis, no livro O Hobbit. Ouça a canção apertando o play aí embaixo e tire suas próprias conclusões sobre as aptidões musicais do Sr.Spock...