Só a tecla SAP não adianta | JUDAO.com.br

Matéria da Veja publicada essa semana ironiza campanhas por igualdade salarial e perguntas mais inteligentes em entrevistas no tapete vermelho que dominaram o Oscar 2015. Uma matéria escrita por duas mulheres…

É. Não vai adiantar porra nenhuma apertar o SAP quando Rubens Ewald Filho estiver recheando a transmissão do Oscar 2016 de merda. Precisamos de mais. Precisamos mudar, repensar, reciclar. Não é mais PLAUSÍVEL que essas opiniões e ideias tenham espaço pra serem difundidas, especialmente SOBRE outras ideias e opiniões e que, a cada dia que passa, precisam mais e mais ser discutidas.

Na edição dessa semana da revista Veja, uma matéria intitulada “Vamos Perguntar a Elas?”, escrita por duas mulheres e editada por uma terceira, até que começa bem, com esse título, lembrando da campanha #AskHerMore, que pede, simplesmente, que se pergunte mais para as mulheres no tapete vermelho do que coisas relacionadas ao seu vestido e a como conseguiu encaixar seu corpo ali.

Mas a matéria da Veja não passa do título. “Elas usam roupas deslumbrantes com decotes equinociais, posam para capas de revistas, ganham centenas de milhares de dólares em comerciais de produtos de beleza e, muitas, vários milhões para fazer filmes ancorados em seu talento — e beleza –, mas sobem nos Louboutins quando ouvem a pergunta clássica do tapete vermelho: ‘De onde é o seu vestido?'”, diz a matéria, só no seu primeiro parágrafo. Se bobear, o que se lê depois disso consegue ser mais inacreditável do que o fato de o Rubens Ewald Filho e suas ideias antigas terem uma voz na “grande noite do cinema”.

E, por isso mesmo, resolvi compartilhar com vocês essa “nota de repúdio”, que foi “elaborada por algumas pessoas, mas representa milhares, milhões de outras”. Só conheço uma das meninas que ajudou a elaborar, mas mesmo se não conhecesse nenhuma, quanto mais fizermos pra que esse tipo de coisa ACABE, melhor. Ainda que não seja o suficiente. :)

Segue, na íntegra.

      Viemos a público manifestar absoluta discordância da matéria da última edição da revista Veja. Sob o título “Vamos Perguntar a Elas?”, a publicação desqualifica e ironiza o discurso da ganhadora da categoria Atriz Coadjuvante, no Oscar 2015, Patrícia Arquette, cujo teor criticava a disparidade salarial entre homens e mulheres nos EUA, especialmente na indústria do entretenimento, e alertava para a necessidade da correção dessa injustiça.

Sem critério algum, o veículo ridicularizou toda a mobilização a favor dos direitos da mulher feita neste último Oscar, a comecar pelo título da reportagem, que faz referência à campanha AskHerMore (PergunteMaisaEla, em tradução livre, iniciada pela também indicada ao Oscar Reese Whiterspoon), esnobando o clamor das redes sociais e das próprias atrizes para que as coberturas no red carpet dessem um tratamento igual para atores e atrizes, ou seja: não oferecendo a elas a oportunidade de falarem sobre o trabalho e seus desafios, mantendo todas as entrevistas com o apelo unicamente estético, com perguntas como “Quem é o estilista responsável pelo seu visual?”.

A fala de Patricia Arquette arrancou aplausos entusiasmados de celebridades presentes na cerimônia e ecoou imediamentemente por todo o mundo, assim como nos dias que se seguiram. A revista Veja ignorou totalmente a identificação do público com as palavras proferidas por Arquette. A repercussão do vídeo do discurso aconteceu por um motivo simples e inquestionável: a existência, sem nenhuma dúvida, da situação de desigualdade salarial apontada pela atriz, que encontra paralelo em todo o mundo e em todos os setores produtivos da sociedade.

Em duas páginas recheadas de clichês e ironias humilhantes, a revista Veja tentou desmerecer décadas de luta das mulheres e a visibilidade do tema gerado por Arquette – que, em todo o planeta, segue numa crescente de apoio, iniciativas, ações e movimentos oriúndos das mais diferentes classes sociais e culturais. Assim sendo, nos sentimos na obrigação de usar esse vergonhoso equívoco para esclarecer que a luta pela equiparidade salarial independe da classe social da mulher, e diz respeito ao fato de que homens executando exatamente a mesma função – muitas vezes com menos experiência e menor formação – ganham mais simplesmente por serem homens.

Os 10 homens com os melhores contracheques de Hollywood ganharam um total de US$ 419 milhões em 2013, enquanto as dez mulheres mais bem pagas ficaram com pouco mais da metade, cerca de US$ 226 milhões. A revista afirma que Arquette não sabe a diferença entre salário e remuneração. Primeiramente, ela não se referia apenas à situação das atrizes, mas à situação das mulheres em todas as profissões. Em segundo lugar, a remuneração não é igual para ambos os gêneros mesmo quando se trata do mesmo filme.

Quando a empresa Sony foi alvo de ataques de hackers, em novembro de 2014, o vazamento de e-mails confidenciais de executivos revelou que Jennifer Lawrence receberia quase 10% a menos que os colegas de equipe Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner no filme “Trapaça”, mesmo sendo a única a já ter ganhado um Oscar. Na ocasião, ficou acordado que Lawrence receberia 7% dos lucros, e os colegas homens, 9%. Tanto salário quanto remuneração são díspares entre homens e mulheres. O que a revista Veja tenta ignorar ou faz parecer um problema menor é que todas as mulheres do globo, sejam elas atrizes deslumbrantes de Hollywood ou mantenedoras de famílias com 6 filhos em surbúrbios do mundo, estão cientes desse problema e exigem que essa incorreção, para dizer o mínino, aconteça imediamentamente.

É hipócrita notar que, só agora temos vozes que se fazem ouvir e endereçam problemas da desigualdade de gênero – esse, em específico. Não só a revista esnobou tais iniciativas, tão custosas para umas e tão necessárias para outras, como ainda colocou no mesmo balaio a campanha ‪#AskHerMore‬.

A reportagem foi extremamente infeliz ao usar os altos salários da indústria do cinema norte-americano para desqualificar o discurso da atriz vencedora e os aplausos das artistas presentes na plateia, sendo que o estava em questão nunca foi a vulnerabilidade social das profissionais, e sim o fato de que não importa o lucro que retornem aos estúdios, ou o sucesso que atinjam seus filmes, nenhuma atriz tem seu rendimento igual ao de um homem na mesma posição.

O machismo mata pelo menos 5,5 mil mulheres todos os anos no Brasil segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Somente isto deveria colocar como um dos princípios de uma publicação do peso da revista Veja – carro chefe da Editora Abril, que investe firmemente em produtos de educação – agir sempre para dar fim ao feminicídio e a todos os os tentáculos que o mantém, principalmente em uma época de obscurantismo político, quando um representante eleito e sustentado pelo povo, em um país onde 51,3% dos habitantes são mulheres, declara ser justificável “uma mulher ganhar menos que um homem porque ela engravida”.

A luta da qual a Veja fez tão pouco e à qual prestou tão grande desserviço não diz respeito a contas de bancos infladas, e sim a sermos tratadas intelectualmente inferiores ao gênero masculino ou como uma mão de obra menos qualificada somente por sermos mulheres.

Alguns números que embasam a situação desigual que vivemos hoje:
• Segundo um relatório publicado pelo The Hollywood Reporter, entre junho de 2013 e junho de 2014, o ator mais bem pago foi Robert Downey Jr., que ganhou US$ 75 milhões de dólares enquanto a representante feminina na mesma posição, Jennifer Lawrence, embolsou US$ 35 milhões no mesmo período. Ou seja, menos da metade.

• Em uma lista mista com os dez nomes mais bem pagos do cinema americano, segundo a revista Forbes, Sandra Bullock ocuparia a terceira posição (US$ 51 milhões), mas só haveria apenas mais uma mulher, Jennifer Lawrence, com um rendimento de US$ 34 milhões.

• Segundo o estudo Gender Inequality in 500 Popular Films, apenas 15% dos 500 filmes mais populares já realizados conta com uma protagonista mulher.

• No Oscar de 2015, nenhum dos indicados a Melhor Filme trazia uma mulher como protagonista

• Segundo as Nações Unidas, independente de nacionalidade, cultura, religião ou condição social, 70% de todas as mulheres do mundo já sofreram ou sofrerão algum tipo de violência em, pelo menos, um momento de suas vidas

• De acordo com um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2013, a cada noventa minutos, uma brasileira é vítima de violência.

• Entre 2001 e 2011, ocorreram mais de 50 mil mortes de mulheres por causas violentas. Em média, 5.664 feminicídios a cada ano, ou uma morte a cada 1h30, segundo o instituto.