Número de títulos estrelados por mulheres está crescendo – assim como as vendas, provando que as editoras dos EUA estavam erradas ao pensar apenas no público masculino
Histórias em Quadrinhos independem do gênero de quem lê. Pode parecer uma afirmação meio óbvia, mas é algo que o mercado dos EUA – o principal desse lado da bola azul que chamamos de Terra – demorou pra entender. É uma mudança que ainda está acontecendo, que tem muitos passos pela frente, mas os primeiros resultados começam a surgir. Pouco a pouco, gibis estrelados (ou co-estrelados) por meninas estão alcançando os postos dos mais vendidos.
Ok, não dá pra dizer não tínhamos mulheres nos gibis no passado. Elas marcam presença desde a criação da Mulher-Maravilha, nos anos 40 – mas, tirando raras exceções, incluindo aí eventualmente a própria Maravilhosa, elas estavam subordinadas a uma visão masculina, com o corpo vindo antes de qualquer coisa e com enredos mais sexistas. É algo que já falamos aqui no JUDÃO, inclusive.
O que aconteceu recentemente, principalmente entre Marvel e DC, é a necessidade de enxergar as mulheres não apenas como forma de atingir o público masculino, mas também o feminino. Afinal, é necessário aumentar as vendas e, bom, não é uma boa ignorar MAIS DA METADE da população mundial.
Foi preciso uma pesquisa, feita pela DC pra entender os leitores logo depois do reboot da cronologia, pra identificar que 93% dos leitores eram homens – enquanto apenas 7% eram mulheres. Resultado claro de como elas se sentiam pouco valorizadas / representadas / identificadas pela editora.
Fora o que já era feito na época, hoje temos publicações como a da Arlequina na editora, além a reformulação da Batgirl e um segundo gibi da Mulher-Maravilha, dividido com o Superman. Uma publicação da Canário Negro está vindo por aí. Por outro lado, Batwoman será cancelada. A evolução ainda é tímida.
MAS dá pra dizer que a Marvel entendeu melhor o recado e, hoje, possui toda uma linha de títulos mensais estreladas por garotas e com enredos e personagens que possam atingir qualquer público, independente do sexo. Pra você ter uma ideia, neste mês de março a editora publicou 11 revistas estreladas por heroínas – fora outros títulos que estão introduzindo mulheres importantes (como Darth Vader #3) ou de equipes com forte presença feminina.
Apesar de ainda representar pouco no mundo de quadrinhos que são lançados semanalmente nos EUA, as poucas iniciativas têm trazido resultado onde importa: nas vendas. Em janeiro, por exemplo, Harley Quinn foi o 12º gibi mais vendido, com quase 65 mil exemplares, de acordo com o Comichron. Entre os títulos da DC, o resultado foi ainda mais expressivo: foi a TERCEIRA publicação mais vendida, perdendo só pra Batman e Justice League. É muita coisa.
A Marvel também pode sorrir. Thor, estrelado pela nova versão feminina do personagem, foi o 8º mais vendido, com quase 70 mil exemplares. Mas é provável que o maior sucesso recente da editora não seja esse, mas sim a Spider-Gwen, aquela versão da Gwen Stacy que recebe a picada da aranha radioativa no lugar do Peter Parker em um universo alternativo. Só no primeiro mês, Edge of Spider-Verse #2, com o surgimento da heroína, vendeu quase 60 mil exemplares – que esgotaram. Estamos chegando nada menos que na QUINTA reimpressão do gibi, naqueles casos de que o sucesso foi maior do que o esperado inicialmente pela editora e pelos donos de comic shops.
Não à toa, cosplays da Spider-Gwen se espalharam pelas comic cons e pelos DeviantArts da vida, enquanto a personagem ganhou uma revista mensal pra chamar de sua. Foi um tiro certeiro, com uma identificação quase que instantânea com as leitoras – cativando também os leitores. Afinal, é pra isso que servem as boas histórias.
Essa aceitação das personagens femininas nos gibis está sendo maior que o previsto em diversos casos – talvez porque os donos de comic shops estejam inicialmente apostando menos, e, depois, estão sendo surpreendidos por uma maior procura e/ou encomendas. Pra você ter uma ideia, os “reorders” das comic shops (ou seja, de quando as lojas ampliam os pedidos mais próximo do lançamento ou de um título já lançado que está tendo uma nova impressão) tem sido dominada pelas mulheres protagonistas.
Nessa semana, o TOP 5 das reorders divulgado pela distribuidora Diamond foi todo feminino: Darth Vader #3 (que traz a estreia da Aphra), Edge of Spider-Verse #2 (o da Spider-Gwen), Silk #1, Secret Origins #20 (com a origem da Batgirl) e Spider-Gwen #1. Na semana anterior foi a mesma coisa: Silk #2, Princess Leia #2, Silk #1, Jem & the Holograms #1 e Edge of Spider-Verse #2.
Como fica bem claro, o crescimento das heroínas é um caminho sem volta. Ainda bem.
Esse papo de mulheres nos quadrinhos pode parecer estranho pra quem acompanha os mangás. É que, lá no Japão, isso já faz parte do cotidiano. Existem títulos mais acompanhados por garotos, mais por garotas, com público misto, enfim... Tem coisa pra todo mundo.
Entre o pessoal dos olhos puxados, esse movimento começou em 1969 (pois é!), quando um grupo de artistas mulheres chamado Year 24 Group fez sua estreia no meio. A partir dali tivemos uma revolução dos mangás que, hoje, incorpora gêneros como romance, super-heroínas e “Ladies Comics”.
Resultado disso? Uma pesquisa que mostra que 73% das meninas no final da adolescência afirmam ler ao menos um mangá por mês lá no Japão – entre os meninos da mesma idade, o número é de 83%. Pra quem está na casa dos 20 anos, essa proporção fica em 53% contra 62%. Já na casa dos 30, fica em 33% contra 43%. É uma penetração entre as leitoras que, lá nos EUA, as editoras matariam pra ter, além de uma demonstração CLARA que criar um mercado com 93% de leitores homens foi resultado de uma miopia sem tamanho.
Finalmente DC e, principalmente, a Marvel começaram a usar óculos. Vamos ver se agora elas param de tropeçar pelo caminho...