A série inspirada na HQ de Brian Michael Bendis e Michael Avon Oeming atira pra outro lado e desperdiça aquela que era a maior força do material original
Assim que fiquei sabendo que Powers, a HQ sobre um departamento policial especializado em casos envolvendo super-heróis e supervilões numa cidade repleta de sujeitos e sujeitas vestindo roupas multicoloridas, ia virar uma série de TV (ou quase isso...), confesso que vibrei. A produção original do PlayStation, da Sony, iria aproveitar um gibi escrito com talento por Brian Michael Bendis (um dos grandes nomes da Marvel, aqui em projeto autoral) e ilustrado com maestria pelo minimalista pop Michael Avon Oeming para um formato que já é a cara da HQ.
Sim, sim. Lembra quando alguém teve a ideia de transformar Sin City em filme e todo mundo pensou “putz, mas é óbvio que isso vai dar certo, os quadrinhos são praticamente um storyboard de um policial noir“? Meio por aí. Originalmente, Powers já tem o maior jeitão de série de TV, pela divisão dos episódios, pelo jeito que os crimes vão sendo desenvolvidos. Mais especificamente, uma ótima série policial, com investigações nos becos sujos da periferia enquanto os super-humanos passam voando lá por cima de suas cabeças, na altura dos arranha-céus.
Aí, fui lá empolgadão assistir ao primeiro episódio, que tá liberado, de graça, em tudo quanto é canto (YouTube, Crackle... Além da própria PSN). Porra, gente. Não, aí não. Decepção plena e absoluta. Porque, ao invés de uma série policial que tem super-heróis como pano de fundo, o que eu vi foi uma série de super-heróis que tem policiais como pano de fundo, com farta distribuição de codinomes, uma subtrama adolescente que acabou adaptada para o que lembra mais uma história ruim dos Novos Mutantes e extensivas demonstrações de superpoderes pra lá e pra cá. CUÉN.
Não que o episódio seja de todo ruim, na verdade. E não que a ideia tivesse que ser, diabos, do jeito que eu queria/imaginava (mentira, tinha sim, o texto é meu, eu que mando, RISOS). Eu até entendo que Powers, a série, tenha a intenção de colocar os super-heróis mais em destaque, mais à frente, justamente por todo o interesse do público dos cinemas no tema, Marvel bombando, DC querendo ser a Marvel (viram o que eu fiz aqui?). Mas a sensação que ficou é que a grande força do gibi original acabou sendo deixada de lado, aquele potencial que tinha chance de transformar Powers em algo único, diferente, acabou desperdiçado.
O resultado final ficou parecendo, digamos, uma evolução de Heroes. Como se Heroes tivesse, de fato, tido uma continuação natural e Peter Petrelli houvesse se tornado um policial que perdeu os poderes, coisa e tal. Bacaninha, ôpa. Mas genérico até o minuto final.
Em nada me incomoda que Sharlto Copley tenha sido escolhido para o papel do detetive Christian Walker, antigo integrante da comunidade dos superpoderosos que perdeu as habilidades especiais e se tornou policial para ajudar a solucionar incidentes relacionados. Não me importa que ele não seja grandão e não tenha ombros largos como o Walker da versão de papel. Principalmente porque, diabos, Copley é um ótimo ator. Me incomoda, isso sim, a falta de timing da coisa toda. Como a trama corre loucamente, como o fato da recém-chegada Deena Pilgrim (Susan Heyward) assumir o lugar do parceiro de Walker não o irrita em quase nada e a adaptação entre os dois acontece sem grandes incidentes e sem mesmo uma DR básica... Será que esta gente não viu filmes do Bruce Willis o bastante? Não dá tempo pra se importar e criar qualquer empatia com nenhum dos dois.
Em nada me incomoda que, diferente da HQ, a história não comece com o assassinato da Garota Retrô – que, na verdade, está bem vivinha e tem uma aparição de destaque no episódio. E nem que tenham optado por retratar a menina Calista como uma adolescente que quer ganhar poderes de qualquer jeito ou que Zora seja retratada como uma inconsequente teenager que usa os poderes para se achar superior. Ali, naquele momento, faz sentido. Mas me incomoda que o fato de Walker ter sido um super-herói seja entregue assim, tão de bandeja, de imediato, sem uma construção mínima de suspense – e que o capítulo inicial rode basicamente em torno disso o tempo todo, já que todos sabem quem ele é e o sujeito é praticamente um rock star. Ao invés de guardar isso como um segredo que, sei lá, poderia ser revelado ao final do episódio ou, quem sabe, lá pro meio da temporada, não. Mais um desperdício. E ao invés de um policial bad ass, Walker se torna um chorão que fica o tempo todo lamentando a falta que os poderes lhe fazem...
Outro erro, este crucial: Johnny Royalle. Noah Taylor, cara, está praticamente perfeito na pele do vilão teleportador – apenas “praticamente” porque, caralho, o camarada é apresentado de imediato como o bandido da parada, e não como alguém do passado de Walker e dos outros heróis da velha guarda que precisa ser investigado. Ele não é um babaca processando a polícia, ele já é alguém perigoso, sombrio, que era dado como morto. E que você já sabe, pá-pum, que tem um plano maléfico em andamento envolvendo Walker e sua patota, que você só vai descobrir ao longo da temporada. Mais óbvio impossível, que preguiça. E as investigações, os casos que a polícia deveria desvendar, se resumem a poucos 10, 15 minutos, logo depois da morte do fortão Olympia em circunstâncias...sexuais. Uma vez que eles passam por isso (e passam em velocidade máxima), acabou. É só gente voando pra tudo que é lado mais uma vez que é muito mais legal e atrai esta molecada que joga videogame.
São muitas, mas muitas tramas paralelas, todas jogadas na sua cara, sem o tipo de montagem de clima e personagem que Bendis já mostrou dominar tão bem não apenas em Powers, mas no Homem-Aranha Ultimate (versões Peter Parker e Miles Morales), nos Vingadores e recentemente nos X-Men. Aqui, gente, tudo é tão bagunçado e acontece ao mesmo tempo que chega a dar uma canseira.
O mais triste? A julgar por este primeiro episódio de Powers, o que outrora foi definido como uma mistura de Martin Scorsese e Quentin Tarantino na versão gibi, tornou-se no máximo um refugo de produção do Tim Kring. Mas talvez faça sentido dizer ainda algo como “o que era puro Bendis se tornou uma reinterpretação do Bendis pelas mãos do Rob Liefeld”.
Deprimente, não?