Uma das mais inventivas bandas do heavy metal brasileiro, o sexteto retoma as atividades e já engata o lançamento de seu primeiro disco de inéditas em mais de 10 anos
Ah, Minas Gerais. O berço musical do Clube da Esquina, movimento iniciado por Milton Nascimento e os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô) que deu um salto de criatividade e modernidade na MPB ao misturar neste caldinho um tanto de jazz, bossa nova e rock. O mesmo rock que, quase duas décadas depois, seria sacudido também em Minas Gerais com o surgimento de toda uma cena poderosa de metal extremo – dando ao mundo bandas como o cultuado Sarcófago e, claro, o Sepultura, que dispensa apresentações.
Mas Minas também é a casa de uma banda que jogou a música pesada num caldeirão com a música folk/étnica que servia de flerte para o Clube da Esquina, salpicou de rock progressivo e letras que falavam sobre a mitologia celta. Uma banda tocando um tal de folk metal e chamada apropriadamente de Tuatha de Danann, em referência aos seres místicos que são filhos da deusa Dana, de acordo com as histórias contadas pelos celtas que habitavam a região onde hoje fica a Irlanda.
Tocando heavy metal de maneira menos sisuda e carrancuda que a maior parte dos grupos do gênero, o Tuatha misturava guitarra com instrumentos pouco tradicionais como gaita de fole, banjo, bandolim e flauta transversal.
Suas apresentações divertidas e festivas rapidamente lhes valeram o apelido de “duendes mineiros” – e também uma trupe de seguidores fiéis em todo o país, mesmo sem o apoio de qualquer grande selo fonográfico.
Depois do excelente Trova di Danú, seu último disco lançado em 2004, ponto alto de sua discografia até então, muito se apostou que eles estariam prontos para conquistar o mundo. Rolou uma enorme turnê pela França e Alemanha – culminando com uma elogiada apresentação no palco do Wacken Open Air, o maior festival de heavy metal do planeta.
Mas então... o Tuatha acabou. Assim mesmo. Ou, vá lá, “entrou num hiato”. Quando ninguém esperava. A lamentação foi geral. “Pois é, o Tuatha de Danann existe desde 1994, éramos adolescentes de 13 e 14 anos quando começamos a tocar juntos”, conta Bruno Maia, vocalista, guitarrista, flautista e principal compositor do grupo, em entrevista ao JUDÃO, relembrando os momentos em que o grupo ainda se chamava Pendragon.
“Desde então, foram muitos anos juntos, fazendo tudo junto e tudo mais. Mas como acontece em qualquer estrutura e relação, chega-se num ponto onde pequenas diferenças acumuladas ao longo dos anos vão crescendo e te assombrando, né?”. Bruno revela ainda que, quando saiu, teve a necessidade de se libertar de algumas amarras. “Coisas de banda ou relacionamentos que incomodavam há muito tempo e mesmo a necessidade de provar pra mim mesmo que eu existia fora da banda. Havia também muita desordem à época, não conseguíamos fazer nada de verdade, com prazo e tudo mais...”, confessa.
O músico faz questão de ressaltar que a sua saída não resultou, no entanto, em nenhuma briga ou coisa do gênero. “Havia essas diferenças acumuladas e uns pontos de tensão, mas nossa história e nossa amizade eram muito maiores que isso tudo...”. O engraçado é que a separação acabou resultando em duas bandas, mesmo sem planejar. Bruno, Rodrigo Abreu (bateria), Alex Navar (uilleann pipes) e Edgard Brito (teclados) montaram o Kernunna, ao lado de Khadhu, cantor da banda Cartoon. Enquanto isso, Rodrigo Berne (guitarra) e Giovani Gomes (baixo) se reuniram com outros músicos e deram origem ao Tray of Gift.
“Essas duas bandas têm o folk metal como proposta, porém com suas diferenças: o Tray of Gift é mais pesado e épico enquanto o Kernunna é mais progressivo”, pondera Bruno. No entanto, o hiato não impediu que os integrantes se reunissem, uma vez por ano, para tocar como uma das atrações recorrentes do festival Roça´n´Roll – evento idealizado pelo próprio Bruno e que reúne centenas de camisas pretas na Fazenda Estrela, zona rural da cidade de Varginha/MG (não por acaso, cidade natal do Tuatha), durante três dias para bater cabeça com bandas nacionais e internacionais – este ano, por exemplo, pisam por lá os progressivos suecos do Pain of Salvation.
“A cada show desses [no Roça], a gente percebia o tanto que a galera gostava, sentia falta e isso sempre mexia um pouco com a gente. Daí foram dois anos assim, só tocando no Roça e todos nós seguindo com outros projetos, até resolvermos voltar de verdade em 2013”. Ano passado, viria um EP virtual, com as músicas We’re Back (cujo tema é bastante óbvio, levando o título em consideração) e Dawn Of A New Sun (um agradecimento de Bruno pelo privilégio de ter se tornado pai de uma linda garotinha chamada Dana). Esta última, aliás, também dá título ao novo álbum de inéditas do Tuatha, a ser lançado agora em junho, justamente no Roça´n´Roll, o primeiro depois de um espaço de 11 anos.
Para quem anda se perguntando, sim, o retorno dos duendes é definitivo. “Parece que renascemos de novo, depois de tanto tempo meio que estáticos. Estamos bem focados e com todo o tesão necessário pra inputar na banda, tipo quando éramos bem mais novos”, admite ele, empolgadão. Bruno acha que a demora de uma década para colocar material novo na praça até que faz sentido. “Se o fizéssemos antes, ele seria bem diferente, acho que bem mais progressivo, mais cabeça, algo como foi o Kernunna... Mas, estranhamente e de uma forma muito boa, nunca soamos tão pesados e diretos como nesse disco”, diz.
“Deve ser a tal da experiência, pois parece que conseguimos dar o recado sem girar muito a lâmpada, saca? Acho que é nosso disco mais guitarrístico e ao mesmo tempo o que carrega mais influências folk”. Dawn Of A New Sun foi produzido pelo próprio Bruno, mixado/masterizado na Suíça pelas mãos de Tommy Vetterli (ex-guitarrista do Kreator) e conta com duas participações especiais: e conta com duas participações especiais: o próprio Khadhu Capanema e ainda Martin Walkyier, o vocalista e criador da banda Skyclad, nitidamente uma das maiores influências dos mineiros.
Embora o Tuatha seja, sem dúvidas, a prioridade a partir de agora, Bruno afirma que os outros projetos serão levados adiante pra poder ventilar as ideias musicais de todo mundo. “Isso é bom pois mantém o Tuatha com suas características sem tornar um vasilhame pra ninguém desperdiçar frustrações”. Ele diz que o trabalho com o Kernunna – e também com o Braia, seu projeto experimental todo em português e com vocais femininos – ajudou a não “macular” o som do Tuatha. “Assim eu pude extravasar todas as minhas viagens progressivas e as mais irish também nesse disco e daí não atolei o Tuatha com essa carga toda”.
Além da turnê de lançamento – que contará, inclusive, com um show em São Paulo no dia 4 de julho, no Manifesto, com dois diferentes sets musicais: um tocando Dawn of a New Sun na integra e outro só com antigos clássicos da banda – eles preparam uma surpresa para o ano que vem. Um album só de músicas tradicionais irlandesas. “Em versões nossas, com nossa instrumentação e características”, explica Bruno. A data prevista de lançamento? Dia 17 de março. Sim, isso mesmo. O St.Patrick’s Day, clássica celebração a São Patrício, um dos padroeiros da Irlanda.
Se a magia musical está de volta, dá para garantir uma coisa: a cerveja também. ;)