Mudanças vão acontecer com os livros “emprestados” via Amazon Prime e Kindle Unlimited
A Amazon revolucionou o mundo editorial algumas vezes. A primeira delas foi, claro, quando a própria loja foi lançada. Depois, quando veio o Kindle e eles começaram a dar oportunidade para que autores (principalmente os pouco conhecidos) pudessem autopublicar suas obras no e-commerce pra venda digital. Só que agora o varejista vai dar um duro golpe nos pequenos: vai começar a pagar por PÁGINAS LIDAS a partir de 1º de julho.
O sistema será aplicado aos livros que são publicados pelos autores no Kindle Direct Publishing (KDP) Select, que torna as obras disponíveis gratuitamente para quem é assinante da Amazon Prime ou do Kindle Unlimited.
Atualmente, se um usuário de um desses serviços baixa o livro e lê mais do que 10%, o autor recebe os royalties integramente. A partir do dia 1º, se o cara ler, por exemplo, apenas 45% da obra, o escritor vai receber 45% dos royalties pré-acordados.
E pra evitar qualquer tipo de fraude (como, sei lá, colocarem fonte 88 nas primeiras páginas e 8 nas últimas), a Amazon desenvolveu o Kindle Edition Normalised Page Count, que é um sistema que padroniza tamanho de página, fontes, espaçamentos e tamanhos de letra.
A mudança é polêmica por diversos motivos. Amazon Prime e o Kindle Unlimited são serviços pagos. Por mais que não se cobre por livro, o e-commerce cobra pela comodidade de você ter toda a biblioteca na palma da mão, poder escolher o que quer e ler como (e quando) quiser – e ninguém faz um desconto na sua assinatura se você, sei lá, fica um mês sem baixar nada. Quando falamos dos livros, eles estarem todos lá é um argumento de venda. A mensagem que fica é que a Amazon quer usar suas obras para vender as assinaturas, mas só quer pagar aos autores quando realmente não houver jeito.
Pra fazer uma comparação bruta, é como se a sua companhia de TV a cabo pagasse os direitos para o canal por apenas 1 hora de exibição, já que você desistiu no meio de um longa-metragem. Ou que o seu serviço de streaming mandasse apenas 50% dos pagamentos pra distribuidora daquela série de dez episódios que você desistiu após o quinto.
De qualquer jeito, parece que parte dos autores independentes até que estão gostando da mudança. Ao menos é o que revela uma enquete feita no fórum Writer’s Café. Lá, 285 escritores (72%) responderam que curtiram o novo sistema de pagamento, mas, no tópico, a principal preocupação é que a mudança está sendo feita de uma forma muito abrupta, sem um período de transição.
Outro ponto que deixou autores insatisfeitos é que aqueles que escrevem novelas, contos ou qualquer tipo de obra com 100 páginas ou menos vão receber metade de quem escreve 200 páginas ou mais, caso as duas obras sejam lidas até o fim. “Talvez eu comece a fazer coleções ao invés de lançamentos individuais”, comentou um autor no Writer’s Cafe usando o username horrordude1973.
Vale dizer que o KDP Select já era extremamente restritivo aos autores, não permitindo que uma obra seja vendida em outros meios digitais nos primeiros 90 dias após o lançamento. Pra colocar em outro lugar, só se for a versão física.
Outro problema é que há autores informando que recebem US$ 1.34 cada vez que o livro é “emprestado” nos sistemas da Amazon. Sendo assim, o pagamento por página seria muito pouco. Pra piorar, a Amazon resolveu usar um exemplo mega inflacionado para demonstrar o funcionamento do novo sistema de pagamento de royalties, que dá a entender que cada escritor receberá de US$ 10 a US$ 20 por empréstimo, valores muito maiores do que a venda digital tradicional e que não fecham a conta.
Outra questão comum no mercado editorial é que é muito comum o abandono de livros no meio da leitura – principalmente os digitais. O Kobo, por exemplo, considera que 50% de leituras “completas” já é considerado muito bom — em muitos casos, os compradores nem chegam a ABRIR os livros. Isso tudo considerando apenas obras vendidas, e não emprestadas em serviços por assinatura.
No final, a Amazon está subvertendo a lógica do mercado: autores estão parando de se preocupar com quantos livros venderam, mas sim com quantas páginas efetivamente foram lidas pra, ao menos, pingar um dinheiro e quitar as despesas que ele já teve no pré-lançamento. Além disso, claro, levanta toda aquela velha questão de privacidade. Afinal, o quão justo é que uma loja saiba até que ponto você leu desta ou daquela obra?
Ao menos os autores que não concordarem com o novo sistema e não estiverem nos 90 dias de exclusividade poderão deixar o Select – mas, talvez, seja melhor diminuir uma fonte de renda do que vê-la totalmente zerada.
Enquanto os nanicos batem cabeça, a Amazon também fechou um novo acordo com a Penguin Random House, maior editora do mundo e que, no Brasil, é dona da Companhia das Letras e da Objetiva, entre outras. As negociações entre as duas empresas foram bastante problemáticas. Os termos do acordo não foram revelados, mas é claro que a Penguin não só terá a liberdade para determinar os preços dos próprios livros, como nunca receberá por página lida...
Pois é. O mundo (ainda) é dos gigantes.