Um manual prático para pessoas cheias de disposição
Você trabalha pra quê? Você insiste no quê?
Anotei essas duas frases no bloco de notas do espertofone assim que o espetáculo acabou, elas são o refrão da música de encerramento de Galileu Galilei, protagonizado por Denise Fraga, uma das peças mais legais que vi esse ano, apesar (ou por causa, dada a abstração?) das três horas de duração, e fala da saga do pai da ciência moderna.
Essa frase fica martelando na sua cabeça assim que termina de ler? Pode encaixar o verbo estudar aqui se você ainda não trabalha, sem crise. A gente ouve desde muito novo que a coisa vai pra frente se estudarmos o suficiente, trabalharmos o suficiente, obedecermos o suficiente e rezarmos o suficiente. Mas pra quê? A coisa precisa mesmo ir pra frente? Se sim, quando ela precisa parar de avançar? Nunca? Então quando a gente para pra curtir que a coisa está indo pra frente?
Tal qual um Cebolinha neurótico, vamos traçando planos infalíveis, um sobre o outro, sem parar pra pensar o que significa, de fato, pegar o coelhinho. Isso, aliás, ignorando o fato que esse bicho nem é nosso, é da Mônica.
Enfim, chega. Não faça perguntas, você é reacionário, esquerdista, gay, machista, feminista, gordo, feio, bonito, jovem, velho, rico ou pobre demais pra entender do que estou falando. ;)
Aliás, se eu caracterizar quem discorda de mim como algo que abomino, não precisarei me questionar sobre a forma que aprendi ou desenvolvi para ver, viver e fazer as coisas que faço, boas ou ruins, por sobrevivência ou cobiça, tanto faz. Se o outro não presta, não preciso levar em consideração absolutamente nada que ele fala, lê, assiste, ama, compartilha ou critica.
Esse massacre todo pras coisas seguirem como são e, enfim, a gente continuar estudando, trabalhando, obedecendo e rezando, como naquela metáfora fuleira de uns parágrafos atrás envolvendo o Cebolinha. Afinal, um dia chegaremos lá.
Num mundo onde vivem 7 bilhões de pessoas, mas 81 delas possuem metade da riqueza total disponível, essa lógica parece não fazer muito sentido, mas vamo que vamo. Faça suas apostas e se joga.
Agora, onde se jogar? Boa pergunta. Não existe alvo, apenas um monte de metas que, juntas, não chegam a ser uma razão pelo menos razoável para sacrificar a vida inteira batendo ponto ou continência.
Uso aqui um exemplo comprovado para esclarecer meu ponto de vista: eu mesmo.
Quando era estagiário, me desdobrava pra trincar o aluguel, a alimentação e o transporte, fora a cachacinha, mas nunca precisei de empréstimo ou cheque especial. Atualmente, no entanto, mais de uma década depois, ganho consideravelmente mais do que recebia no estágio, mas devo ambos, fora o cartão de crédito.
Por mais financeiramente idiota que eu seja, isso faz algum sentido?
Já fiz e refiz contas e não, não faz sentido algum. Uma vez dentro da bola de neve, meu amigo, senta e chora.
¯\_(ツ)_/¯
Desde que terminou meu último contrato com a MTV Brasil, quando fiz o Trolalá, me sinto, muitas vezes, uma espécie de açougueiro vegetariano, um que é bom em cortes inusitados de carne, mesmo que muitas vezes eu erre a mira ou acabe trabalhando com facas cujo fio não deu tempo de amolar e congeladores que conservam apenas parcialmente a qualidade da matéria prima.
Sem drama, são trabalhos divertidos e desafiadores, na maioria das vezes, mas nunca consegui explicar pra mim mesmo a razão de não fazer novamente algo como as coisas que me tornaram, de alguma forma, visível no mercado. A resposta, no entanto, é óbvia: optei por trabalhar, se possível, sem parar e em trampos cada vez maiores. Fora que minha família e amigos finalmente entenderem e consumirem o que faço é, sem dúvida, recompensador.
Viver é só um roteiro q ñ cabe no orçamento... Um godarzim tirando onda de Deus!
Posted by Xico Sá on Tuesday, July 21, 2015
Por algum tempo, queria voltar, no tempo livre mesmo, à tosqueira audiovisual marota, mas acabei não fazendo isso. Hoje, não descarto algo assim, mas minhas vontades pessoais são outras, como ter as tardes livres, aprender a fazer ficção ou escrever para teatro.
Será que terei sangue frio pra insistir nisso, usar os recursos dos jobs, sejam eles legais ou nem tanto, para viabilizar essas coisas? Você teria?
Que dureza.
Fazer algo que dá pouco dinheiro, apenas gasta ou garante status ~somente pessoal é sempre um fardo do peito pra fora, quando longe das pessoas que gostam de você como é, e um orgulho do peito pra dentro em todas as situações.
Hoje, se tivesse que falar alguma coisa para um jovem em idade pré vestibular, formando ou em encruzilhada profissional, seria: insista.
No quê? Isso, sem sombra de dúvida, você sabe melhor do que eu. Desenterra esse coração apedrejado pelos sabe-tudo e toca seu barquinho mar adentro.
Ah, Galileu Galilei está em cartaz no Tuca, em São Paulo, até 30 de agosto. Vale muito.
Teatro é legal, véio. Embora isso não tire nem um pouco da graça dessa esquete dos caras do Hermes & Renato.