Encadernado com as primeiras histórias do grupo, criado pela dupla Chris Claremont e Alan Davis no final dos anos 1980, está sendo publicado no Brasil
O universo mutante da Marvel é conhecido especialmente pela enorme quantidade de grupos derivados dos X-Men, que se multiplicam como Gremlins que recebem uma ducha d’água: X-Factor, Novos Mutantes, X-Force, X-Statix, X-Men Equipe Azul, X-Men Equipe Dourada... O que não faltam são equipes com X no nome, para todos os gostos, formas e tamanhos.
Uma delas, no entanto, surgida em 1987, acaba sendo injustamente esquecida pelos fãs da Casa das Ideias – mas foi, pelo menos em sua formação clássica, um dos títulos mutantes mais divertidos que a editora já publicou. Estou obviamente falando do Excalibur, que, ironia suprema, foi criado pelo mesmo Chris Claremont que passou 16 anos escrevendo os X-Men e foi responsável por alguns dos seus momentos mais memoráveis, como a A Saga da Fênix Negra.
Injustiça que está sendo (um pouco) revertida pela Panini, que está publicando este mês no Brasil um encadernado especial reunindo as cinco primeiras edições do título, além do especial Excalibur: The Sword is Drawn, que conta o surgimento do quinteto original.
(A presença do Excalibur nas nossas bancas, aliás, tem uma curiosidade: na década de 1990, enquanto a Editora Abril publicava quase tudo da Marvel por aqui, a Editora Globo conseguiu adquirir os direitos de alguns títulos e manteve, com regularidade, um gibi chamado Marvel Force. Apesar de trazer histórias de personagens como Motoqueiro Fantasma, Quarteto Futuro e Guardiões da Galáxia, a publicação tinha no Excalibur o seu carro-chefe – tentando aproveitar, obviamente, toda a popularidade dos mutantes naquela época. Mas a brincadeira durou pouco e logo a Abril exigiu que Marvel Force fosse cancelado, sob o pretexto de que a cronologia Marvel era integrada e não suportaria duas editoras diferentes trabalhando ao mesmo tempo...)
A história da equipe começa logo depois do Massacre de Mutantes, saga na qual os Carrascos, grupo de assassinos liderado pelo Sr. Sinistro, promove uma verdadeira chacina aos Morlocks – e a quem estivesse em seu caminho. Lince Negra (Kitty Pryde) e o Noturno se recuperavam de seus ferimentos na Ilha Muir, sob os cuidados da cientista Moira MacTaggert, devastados pela notícia da suposta morte de seus parceiros mutantes. Os caminhos da dupla acabam se cruzando com os do Capitão Britânia (Brian Braddock, irmão da Psylocke) e de sua namorada, a transforma Meggan – para tentar ajudar uma quinta personagem: Rachel Summers, a Fênix, filha de Ciclope e Jean Grey vinda de uma realidade alternativa (é, a história da família Summers é bem difícil).
Fugindo do mundo de Mojo, a degenerada criatura extradimensional que adora criar reality shows envolvendo carnificina de seres superpoderosos, Rachel acaba nas ruas de Londres sendo perseguida pelos Lobisomens Guerreiros, que a querem de volta à atração. Mas o caso é que ela ainda é alvo da Technet, de Opal Luna Saturnyne, a Majestrix Omniversal que tem a missão de manter a coesão do Omniverso – e enxerga no poder destrutivo da Fênix uma ameaça. Obviamente que Noturno, Kitty, Meggan e o Capitão Britânia vão ajudar a Rachel e, no fim das contas, resolvem formar um grupo com o objetivo de manter vivo o sonho de Charles Xavier. E que, vejam só, é rigorosamente a primeira formação dos X-Men surgida fora dos EUA.
Embora o Capitão Britânia seja criação sua, publicada pela Marvel UK na década de 1970 e inicialmente descolada da cronologia americana da editora, Claremont foi bastante inteligente ao trazer para os roteiros de Excalibur uma série de elementos surgidos sob a batuta do roteirista posterior, um tal de Alan Moore. Foi da insana e non-sense passagem escritor britânico que vieram o conceito do Omniverso, a presença de Saturnyne e a função de Brian como um campeão universal, apenas um de um time de diferentes versões de Capitães Britânia espalhados em muitas dimensões e criados pelo mago Merlyn para garantir a paz e a ordem.
De sua parte, no entanto, Claremont trouxe a exímia habilidade de escrever equipes de personagens. O escritor é brilhante no que diz respeito a construir interações entre integrantes, brincando com suas características particulares e, principalmente, retratá-los em situações cotidianas – desde o café trivial na cozinha que, de um papo comum entre Brian e Kurt, se torna uma avaliação sobre o papel do Capitão no mundo; até as sequências em que os cinco se mudam para a sua base de operações, um farol à beira do mar, carregando as caixas e definindo quem vai ficar com cada quarto... Junte a isso uma boa dose de humor tipicamente britânico e, BINGO!, acertou na mosca.
Outro acerto de Excalibur foi trazer o mesmo Alan Davis que fazia o Capitão Britânia com Alan Moore para os desenhos. Sem sombra de dúvida, Davis é um dos meus desenhistas favoritos de HQs de super-heróis. Nestas histórias, o sujeito está no seu auge. Ao mesmo tempo em que seu traço é bastante plástico, físico, com cenas de ação que são repletas de intensidade e agilidade, ele sabe ser caricatural quando preciso. Reparem nas expressões faciais, nas caretas, nos olhares e sorrisos.
É uma pena que, anos depois, com as saídas de Claremont e Davis, o Excalibur foi se tornando uma equipe genérica, sofrendo tardiamente daquela irritante síndrome de “precisamos ser fortões, musculosos, raivosos e armados até os dentes” que se tornou uma praga nos gibis de heróis dos anos 1990 (oi Rob Liefeld, olá Jim Lee, tô falando com vocês!) – e da qual, vejam vocês, o Excalibur inteligentemente fugiu.
Este Excalibur de Claremont/Davis tem muito dos Guardiões da Galáxia que James Gunn retratou nos cinemas. E tomara que este DNA de aventura divertida e inteligente ajude a infectar toda a produção da Marvel daqui pra frente, seja na versão impressa, seja nas milionárias versões cinematográficas.
Todas as dimensões do Omniverso agradecem.