A partir de agora, o presidente da Marvel Studios não responde mais a Ike Perlmutter, o manda-chuva da Marvel Entertainment, mas diretamente ao chairman da Walt Disney Studios, Alan Horn
Isaac Perlmutter, o Ike. Se você é um pouco desatento, esse nome talvez tenha passado batido por você algumas vezes, mas ele é importante. Foi Ike que, nos anos 90, era dono da ToyBiz ao lado de Avi Arad. E foram os dois que orquestraram a compra da Marvel Enterprises pela empresa de brinquedos, salvando a Casa das Ideias da falência – muito por conta do licenciamento de alguns personagens do grupo para grandes estúdios de cinema.
Mas não foi só isso.
Ike se tornou membro do conselho de diretores da nova empresa, a Marvel Entertainment e, em 2005, passou a ser o CEO – isso tudo num momento de transição. Foi nesse período que Arad saiu do grupo e a Marvel Studios, agora liderada por um certo Kevin Feige, lançou o primeiro Homem de Ferro. O resto, bom, é história.
Mesmo com a aquisição da Marvel pela Disney, em 2009, Ike manteve o posto, mandando em tudo. Até agora. Na última semana, durante uma reorganização interna da empresa do Sr. Mickey Mouse, Feige e a Marvel Studios deixam de estar sob o comando de Ike e passaram a responder diretamente ao presidente da Walt Disney Studios, Alan Horn, como informa o Hollywood Reporter.
Nos bastidores, o que se fala é que Ike não é um cara muito fácil de lidar. É simples perceber o motivo: ele é um executivo das antigas, nascido em 1942 no protetorado britânico da Palestina – hoje Israel. Ainda jovem, o cara lutou junto com o exército do ainda novo país na Guerra dos Seis Dias. Se tornou um “self-made man”, que os americanos tanto adoram, indo para os EUA com apenas US$ 250 e criando tudo a partir daí. Por isso, possui um perfil mais centralizador, de alguém que viu grandes crises, polarizações e problemas, inclusive na própria Casa das Ideias. É uma personalidade bem longe, por exemplo, da galera que hoje lança inúmeras startups e que pula de um projeto para o outro assim que algo dá errado, ou que vendem a boa ideia por alguns bilhões.
Por tudo isso, Ike é LOW-PROFILE — existem poucas, e antigas, fotos do executivo e ele nunca deu uma entrevista — e mão fechada, que, de acordo com o THR, chegou a regular a quantidade de refrigerante distribuída aos jornalistas durante a première de Homem de Ferro. Em 2009, Avi Arad brincou que, se o antigo parceiro encontra um memorando usado em algum lugar da própria sala, irá picotá-lo em oito pedaços e transformá-lo num novo bloco de notas.
Alguém ótimo pra se ter ao lado em tempos de crise, mas que pode ser um empecilho quando tudo anda bem.
Já Feige é mais próximo da mentalidade atual. É da Geração X (nasceu em 73), viu o mundo mudar, mas viveu uma época muito mais tranquila. É alguém mais ligado no hoje, com certeza com um faro melhor para saber onde gastar o dinheiro no cinema atual. Dessa forma, rolava aquela verdadeira dialética entre os dois executivos, com Feige também aprendendo a necessidade de ter orçamentos enxutos. Algo que funcionou (“com muitos anos de frustração”, diz uma fonte do THR) por um bom tempo, mas chegou a hora da Disney quebrar esse elo da corrente.
E a decisão (assim como o momento dela) foi inteligente.
Horn criou abaixo dele uma fileira de grandes executivos no últimos anos, um grupo formado agora por Kathleen Kennedy (presidente da LucasFilm), John Lasseter (CEO da Pixar e da Walt Disney Animation), Ed Catmull (presidente dos dois estúdios de animação), Perlmutter e, agora, Feige, numa divisão meio “filmes da Marvel” e “todo o resto da Marvel”. É uma galera de respeito, que permite uma sinergia de ideias e opiniões. Fora que o cinema é a terceira maior fonte de receita do grupo (depois dos parques e dos canais de TV), mas é a maior fonte de produtos justamente para os outros segmentos de atuação, então essa aproximação é realmente o próximo “passo lógico da integração”, como afirmou a Disney em comunicado.
Jeph Loeb, chefe da Marvel Television, continuará respondendo ao executivo da Marvel Entertainment. Indiretamente, as opiniões de Ike ainda serão ouvidas, como eram, inclusive, pela própria Sony na hora de produzir os filmes do Homem-Aranha. A Marvel Comics, que é o braço editorial, é outra que seguirá sob o guarda-chuva do velho chefão. Resumindo muito bem resumido: é como se a Disney agora tivesse duas Marvels, valorizando a Marvel Studios do mesmo jeito que valoriza a LucasFilm dentro de sua organização interna. É justo, principalmente quando lembramos que o maior motivo para a aquisição foi justamente o estúdio de cinema – no final das contas, a editora é uma Casa das Ideias, literalmente, que são testadas antes de ganharem a tela grande.
A mudança também prepara o grupo para os próximos anos. A Warner iniciará a sua enxurrada de dez filmes de super-heróis da DC a partir do próximo ano, enquanto a própria Marvel entra na Fase 3 com o grande desafio de continuar se mantendo inovadora. Não serão tempos fáceis.
De qualquer forma, é bom dizer que Horn (com 72 anos) é da mesma geração de Ike. Feige e seu novo chefe ainda possuem formações completamente diferentes, mas Horn tem uma experiência longa com cinema – foi presidente e COO da Warner Bros, principalmente quando a Empresa da Caixa D’Água conseguiu emplacar hits como Harry Potter e a trilogia O Cavaleiro das Trevas do Christopher Nolan. Mas ele tem o perfil completamente oposto ao de Ike, inclusive participando da apresentação dos próximos filmes do grupo na Disney D23 Expo. É alguém mais transparente para os investidores, que, vamos combinar, são as pessoas que bancam toda essa brincadeira.
Com a nova formação interna, as coisas devem mudar para a Marvel Studios. Talvez você não perceba logo de cara, mas é de se imaginar que o estúdio seja autorizado a assumir riscos maiores. Também é possível acreditar numa mudança de postura na hora de fechar contratos, já que Ike é famoso por ser durão na hora de negociar com atores, exigindo como se fosse obrigação, por exemplo, participações em outras franquias. É algo que ajudou a Casa das Ideias a ter um universo coeso no princípio, mas que agora poderia fazer com que não chegassem em acordos com as grandes estrelas do próprio estúdio.
Fora que é de Ike aquele famoso e-mail, que vazou no #SonyHack, comentando que filmes estrelados por super-heroínas eram desastres. Mudanças devem acontecer nesse sentido, também.
No final, não dá pra dizer que Ike seja um grande vilão (até porque, entre outras coisas, ele é um filantropo que doou milhões para pesquisas contra o câncer) e que Feige terá, agora, toda a liberdade do mundo (não será bem assim com Horn, vamos combinar). Apenas podemos dizer que nos últimos anos a parceria entre os dois chefões foi muito rentável e produtiva, mas chegou a hora de cada um seguir o seu rumo sem a interferência direta do outro.
A vida é assim.