Ao Merten, com carinho | JUDAO.com.br
14 de setembro de 2015
Filmes

Ao Merten, com carinho

Uma das nossas inspirações no jornalismo de entretenimento brasileiro completa 70 anos

Parte do trabalho de um jornalista, seja ele especializado em um determinado mercado (como a gente aqui no JUDÃO) ou não, também é prestar atenção no que os amiguinhos estão fazendo. O que eles escrevem, o jeito que abordam este ou aquele assunto, as fontes que consultam. É saudável. Eu diria até que fundamental. É um tipo de visão crítica que te ajuda a manter o foco, a fazer o seu próprio trabalho evoluir, crescer, amadurecer.

Nós, de olho no mercado do entretenimento e na indústria da cultura pop, estamos sempre ligados no que uma galera faz, tanto aqui no Brasil quanto lá fora. É parte da nossa lição de casa, que muitas vezes vocês não enxergam mas que é importante no processo de mudança editorial pelo qual passamos recentemente (e este sim a gente sabe que vocês enxergam bem). E de todos estes caras que falam por aí sobre cinema, quadrinhos, TV e todas estas paradas, tem um que a gente particularmente adora. Um mestre que, no último sábado (12), completou exatas sete décadas de vida.

Estamos falando de Luiz Carlos Merten, o crítico de cinema d’O Estado de S.Paulo.

Natural de Porto Alegre, Merten começou as atividades ainda na faculdade. Era a época da ditadura e ele, cursando arquitetura, se sentiu movido por um chamado no mural estudantil, buscando colaboradores que quisessem se expressar. Seus textos, à época, tinham uma pegada bem política – mas ele já tinha começado a construir suas referências porque, no bairro onde cresceu na capital gaúcha, havia dois cinemas. Era frequentador assíduo das matinês. Pegou gosto, bateu na porta do Diário de Notícias e rapidamente ganhou uma vaga como colaborador dominical. Depois, pintou uma chance no extinto jornal Folha da Manhã. Aí largou de vez a arquitetura e foi parar na faculdade de jornalismo. O resto é história.

Simpático, carismático, de sorriso fácil, ele é, como se esperava, uma verdadeira enciclopédia de cinema. Mas, diferente de alguns de seus contemporâneos ainda em atividade, que foram adquirindo um olhar cínico e viciado sobre a Sétima Arte com o passar dos anos, Merten ainda é um apaixonado por cinema. Este amor fica claríssimo a cada texto que publica, seja para o jornal, seja para o blog – que, sério, é simplesmente indispensável. As palavras transbordam uma magia bastante similar à paixão do garoto Totó de Cinema Paradiso (1988), hipnotizado e maravilhado pelas belezas que o projetor revela... Dá gosto. E faz a gente se sentir tão apaixonado quanto ele.

O mais legal de tudo é que o Merten é um cara que gosta de cinema e PONTO. Ao saber que ele completou seus 70 anos, você pode montar na cabeça o estereótipo babaca do crítico de cinema esnobe que só gosta dos clássicos e de filmes-cabeça europeus, tipo aquele do Ratatouille. Nada disso. É totalmente possível vê-lo, num mesmo texto, se derreter de amores por uma película francesa totalmente experimental e, linhas depois, marejar os olhos com o blockbuster milionário da vez. E sem problemas, sem preconceitos, sem frescuras, sem julgamentos apressados. “Eu adoro filme de pancadaria”, confessou, certa vez, numa entrevista ao Tela Brasil. “Jason Statham é meu ídolo. E se você me vê numa plateia de filme de ação, você não acredita. Eu dou cada pulo na cadeira, rapaz”.

Em outro momento, desta vez num papo com o site da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), definiu bem: “Precisamos entender o valor universal do cinema e aprender a fazer links entre Gláuber Rocha e Indiana Jones”. E ainda diz que privilegia o cinema de autor, as pequenas produções, mas se vê capaz de defender O Senhor dos Anéis com convicção. “Penso que ali existe um grande projeto autoral, de um diretor inicialmente desconhecido da Nova Zelândia que usa a máquina de Hollywood para expressar um imaginário riquíssimo”.

Por mais que discorde da postura de alguns fãs, que colocam os filmes baseados em quadrinhos como o topo da filosofia pós-moderna, ele também sabe se divertir com a Marvel, por exemplo.“Não consigo quantificar quanto gostei de Avengers 2, mas confesso que chorei a ponto de quase me desidratar”, afirmou ele em um texto antológico em seu blog. “Devo ser débil mental, mas chorei com a mesma intensidade com que chorei nos psicodramas do genial Orestes, de Rodrigo Siqueira, o segundo grande filme brasileiro do ano”. E ele ainda consegue colocar, no mesmo balaio de gato, Eduardo Coutinho e Walter Carvalho. :)

Aliás, sobre seus textos, vale dizer que Merten desenvolveu um estilo bem próprio, bem pessoal. Ele fala de maneira solta, natural, orgânica, quase como num papo entre amigos. Sem que o leitor perceba, ele vai criando conexões com toda a base teórica, todo o embasamento que carrega com os anos de experiência. Mas devagarinho, sem cagar regra, sem dizer “olha como eu entendo mais do que você”. E não tem aquela frieza robótica, a tal da “imparcialidade”. Ele se envolve, se emociona, pira nos filmes. Quando entrevista estrelas, não importa de que grandeza, fala de igual pra igual, sem se deslumbrar com a aura das celebridades.

Basicamente, ler o que ele escreve é, além de muito divertido, também uma verdadeira aula de cinema, mas ministrada por alguém realmente disposto a ensinar, a compartilhar experiências. Imagina pra gente, então, que também escreve sobre cinema, ver este mestre em ação? Ele faz entrevistas exclusivas e participa de coletivas de imprensa quase sem precisar fazer anotações – o que sempre surpreende quem repara neste detalhe pela primeira vez. Sem caderninhos, sem gravador, em português, inglês, francês e sabe-se lá qual outra língua. Registra os detalhes mais sutis sem grandes problemas. E mesmo quando a gente não concorda com ele, cara, é óbvio que sentimos vontade de ler até o fim. Porque o Merten costura a coisa com uma inteligência quase sem igual – e sem subestimar a SUA inteligência, enquanto leitor. ;)

“Eu sou como todo mundo. Aliás, não só eu como todos os outros que escrevem sobre cinema. Tem uns que podem até fingir que não, mas são sim. Todo mundo é como todo mundo”, diz.

Bom saber, no fim das contas, que a gente pode ser como você, Merten.

Feliz aniversário. :)