Uma das nossas inspirações no jornalismo de entretenimento brasileiro completa 70 anos
Parte do trabalho de um jornalista, seja ele especializado em um determinado mercado (como a gente aqui no JUDÃO) ou não, também é prestar atenção no que os amiguinhos estão fazendo. O que eles escrevem, o jeito que abordam este ou aquele assunto, as fontes que consultam. É saudável. Eu diria até que fundamental. É um tipo de visão crítica que te ajuda a manter o foco, a fazer o seu próprio trabalho evoluir, crescer, amadurecer.
Nós, de olho no mercado do entretenimento e na indústria da cultura pop, estamos sempre ligados no que uma galera faz, tanto aqui no Brasil quanto lá fora. É parte da nossa lição de casa, que muitas vezes vocês não enxergam mas que é importante no processo de mudança editorial pelo qual passamos recentemente (e este sim a gente sabe que vocês enxergam bem). E de todos estes caras que falam por aí sobre cinema, quadrinhos, TV e todas estas paradas, tem um que a gente particularmente adora. Um mestre que, no último sábado (12), completou exatas sete décadas de vida.
Estamos falando de Luiz Carlos Merten, o crítico de cinema d’O Estado de S.Paulo.
Natural de Porto Alegre, Merten começou as atividades ainda na faculdade. Era a época da ditadura e ele, cursando arquitetura, se sentiu movido por um chamado no mural estudantil, buscando colaboradores que quisessem se expressar. Seus textos, à época, tinham uma pegada bem política – mas ele já tinha começado a construir suas referências porque, no bairro onde cresceu na capital gaúcha, havia dois cinemas. Era frequentador assíduo das matinês. Pegou gosto, bateu na porta do Diário de Notícias e rapidamente ganhou uma vaga como colaborador dominical. Depois, pintou uma chance no extinto jornal Folha da Manhã. Aí largou de vez a arquitetura e foi parar na faculdade de jornalismo. O resto é história.
Simpático, carismático, de sorriso fácil, ele é, como se esperava, uma verdadeira enciclopédia de cinema. Mas, diferente de alguns de seus contemporâneos ainda em atividade, que foram adquirindo um olhar cínico e viciado sobre a Sétima Arte com o passar dos anos, Merten ainda é um apaixonado por cinema. Este amor fica claríssimo a cada texto que publica, seja para o jornal, seja para o blog – que, sério, é simplesmente indispensável. As palavras transbordam uma magia bastante similar à paixão do garoto Totó de Cinema Paradiso (1988), hipnotizado e maravilhado pelas belezas que o projetor revela... Dá gosto. E faz a gente se sentir tão apaixonado quanto ele.
O mais legal de tudo é que o Merten é um cara que gosta de cinema e PONTO. Ao saber que ele completou seus 70 anos, você pode montar na cabeça o estereótipo babaca do crítico de cinema esnobe que só gosta dos clássicos e de filmes-cabeça europeus, tipo aquele do Ratatouille. Nada disso. É totalmente possível vê-lo, num mesmo texto, se derreter de amores por uma película francesa totalmente experimental e, linhas depois, marejar os olhos com o blockbuster milionário da vez. E sem problemas, sem preconceitos, sem frescuras, sem julgamentos apressados. “Eu adoro filme de pancadaria”, confessou, certa vez, numa entrevista ao Tela Brasil. “Jason Statham é meu ídolo. E se você me vê numa plateia de filme de ação, você não acredita. Eu dou cada pulo na cadeira, rapaz”.
Em outro momento, desta vez num papo com o site da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), definiu bem: “Precisamos entender o valor universal do cinema e aprender a fazer links entre Gláuber Rocha e Indiana Jones”. E ainda diz que privilegia o cinema de autor, as pequenas produções, mas se vê capaz de defender O Senhor dos Anéis com convicção. “Penso que ali existe um grande projeto autoral, de um diretor inicialmente desconhecido da Nova Zelândia que usa a máquina de Hollywood para expressar um imaginário riquíssimo”.
Por mais que discorde da postura de alguns fãs, que colocam os filmes baseados em quadrinhos como o topo da filosofia pós-moderna, ele também sabe se divertir com a Marvel, por exemplo.“Não consigo quantificar quanto gostei de Avengers 2, mas confesso que chorei a ponto de quase me desidratar”, afirmou ele em um texto antológico em seu blog. “Devo ser débil mental, mas chorei com a mesma intensidade com que chorei nos psicodramas do genial Orestes, de Rodrigo Siqueira, o segundo grande filme brasileiro do ano”. E ele ainda consegue colocar, no mesmo balaio de gato, Eduardo Coutinho e Walter Carvalho. :)
Aliás, sobre seus textos, vale dizer que Merten desenvolveu um estilo bem próprio, bem pessoal. Ele fala de maneira solta, natural, orgânica, quase como num papo entre amigos. Sem que o leitor perceba, ele vai criando conexões com toda a base teórica, todo o embasamento que carrega com os anos de experiência. Mas devagarinho, sem cagar regra, sem dizer “olha como eu entendo mais do que você”. E não tem aquela frieza robótica, a tal da “imparcialidade”. Ele se envolve, se emociona, pira nos filmes. Quando entrevista estrelas, não importa de que grandeza, fala de igual pra igual, sem se deslumbrar com a aura das celebridades.
Basicamente, ler o que ele escreve é, além de muito divertido, também uma verdadeira aula de cinema, mas ministrada por alguém realmente disposto a ensinar, a compartilhar experiências. Imagina pra gente, então, que também escreve sobre cinema, ver este mestre em ação? Ele faz entrevistas exclusivas e participa de coletivas de imprensa quase sem precisar fazer anotações – o que sempre surpreende quem repara neste detalhe pela primeira vez. Sem caderninhos, sem gravador, em português, inglês, francês e sabe-se lá qual outra língua. Registra os detalhes mais sutis sem grandes problemas. E mesmo quando a gente não concorda com ele, cara, é óbvio que sentimos vontade de ler até o fim. Porque o Merten costura a coisa com uma inteligência quase sem igual – e sem subestimar a SUA inteligência, enquanto leitor. ;)
“Eu sou como todo mundo. Aliás, não só eu como todos os outros que escrevem sobre cinema. Tem uns que podem até fingir que não, mas são sim. Todo mundo é como todo mundo”, diz.
Bom saber, no fim das contas, que a gente pode ser como você, Merten.
Feliz aniversário. :)