Afinal, as estatuetas concedidas a um filme ainda têm real importância para a indústria e para o público? E como diabos funciona a votação?
É tempo de mais um Oscar, aquela premiação que alguns resolveram chamar de Academy Awards — assim como o Ursinho Puff virou Pooh, a Sininho virou Tinkerbell, o Caco virou Kermit, mas isso é papo pra outra hora — e com ele chega ao fim mais uma temporada de premiações, mais uma temporada de desfiles de astros e estrelas pelo tapete vermelho em busca de troféus dourados para decorar as suas já movimentadas estantes. Tem o prêmio do sindicato dos produtores, dos atores, dos diretores, dos roteiristas. É Globo de Ouro, é BAFTA, é Independent Spirit Awards. O que não falta é oportunidade para fazer um bolão.
A grande dúvida que permanece rondando as nossas cabeças, no entanto, é a seguinte: a indústria cinematográfica vive um momento de xeque, uma encruzilhada cultural de digitalização que vai mudando os hábitos de consumo do fã de cinema. Hoje, ele dá muito mais atenção às opiniões descompromissadas de seus amigos nas redes sociais do que ao que dizem as grandes marcas das grandes corporações em campanhas milionários e cheias de recursos. Em um ambiente como este, o quanto a estatueta de um homem dourado pelado ainda é importante para determinar o sucesso ou o fracasso de uma produção cinematográfica? Tudo indica que a resposta ainda é “muito”.
“As frases ‘indicado ao Oscar de Melhor Filme’ ou ‘vencedor de 3 Oscar’ estampadas no pôster se tornam um dos maiores argumentos de venda de um filme, normalmente tendo mais impacto no público casual que o elenco, o diretor ou até mesmo o assunto de sua história”, opina Ricardo Rigotti, jornalista e ex-editor do saudoso Jornal do Vídeo, uma das maiores publicações especializadas do gênero e referência para o mercado. “Caso contrário, por que a Miramax teria se dado ao trabalho, nos anos 90, de fazer campanhas agressivas para conquistar prêmios como a estatueta de ‘Melhor Filme’ do então-fenômeno-e-hoje-esquecido ‘Shakespeare Apaixonado’? Porque isso catapultou as vendas do filme no mercado externo a níveis estratosféricos”. Ele ainda lembra que algumas distribuidoras brasileiras frequentemente adiam a estreia de alguns filmes com a esperança de colocar “premiado com cinco Oscar” em letras garrafais no pôster, por exemplo.
“Vamos ser sinceros: o pessoal ADORA consumir o que é badalado. Seja na literatura, na TV ou no cinema, basta um produto ser ‘bem falado’ e boom!, muita gente vai correndo atrás. Se é bom ou não, é outra história”, completa Fábio Barreto, diretor, correspondente brasileiro em Hollywood e autor do livro Filhos do Fim do Mundo. Pra ele, este é o único termômetro de quem não consome textos sobre cinema ou compra apenas ocasionalmente. “O maior efeito de uma vitória no Oscar é ganhar força e status no mercado, chegar a clientes melhores, atrair mais investidores e fazer o próximo filme. Existe uma máxima aqui em Hollywood: você só é tão bom quanto seu próximo trabalho”.
Gerente de marketing da distribuidora nacional Paris Filmes, atual líder de market share no país, Renata Ishihama reforça que o Oscar, por ser a premiação do gênero mais conhecida e popular no Brasil, funciona como uma espécie de “selo de qualidade” para o público final. “Além do fato de que, no período das indicações e da própria premiação, existe uma exposição grande dos filmes indicados, principalmente dos que concorrem nas categorias principais, como Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz”, explica ela. “Filmes como O Artista, O Lado Bom da Vida e O Discurso do Rei são grandes exemplos de lançamentos da Paris Filmes que tiveram um ótimo resultado nas bilheterias, impulsionados pelas premiações do Oscar”.
Uma questão ainda permanece, em especial para os fãs de fantasia, terror, ficção científica e afins (e que são a grande maioria dos visitantes deste site, claro): por que certos campeões de bilheteria e unanimidades absolutas dentre os fãs não chegam a ter a mínima chance? “Porque espetáculo não ganha Oscar”, crava Barreto, deixando claro que, para que um filme seja vencedor em uma premiação como esta, é preciso mostrar um pacote completo e, de certa forma, ter relevância histórica. “Exceto por alguns lobbies, todos os filmes que ganharam Oscar tinham valor histórico ou consagravam uma carreira e/ou arco de filmes, ou transformaram a indústria. Coisas desse tipo. O público pode decretar quantas adaptações toscas de filmes teen quiser, mas eles nunca chegarão perto de Oscar enquanto os filmes não forem realmente bons”, afirma, sem medo da reação dos fãs. “Nesse ponto, os estúdios não precisam de prêmios, querem mais dinheiro, logo, o exímio técnico deixa de ser o foco em prol do resultado de bilheteria. O que quero dizer com isso? Os filmes não ousam e se limitam a recontar a história dos livros e ser apenas uma transposição de mídia. Muitas adaptações ganharam, claro, mas o material original era ousado e marcante por si, não fruto da moda ou de tendência”.[/one-half]
Rigotti defende que talvez o caminho mais fácil para evitar decepções seja entender a forma de pensar da Academia. “Porque a forma que a Academia assiste a filmes é diferente da nossa. É possível mapear sim as preferências da Academia. Mas, para isso, é preciso deixar as preferências pessoais de lado e levar em conta um ponto fundamental: a Academia não premia o cinema, ela premia uma indústria. A cerimônia ser transmitida ao vivo não altera o fato de que o Oscar é uma premiação de Hollywood para Hollywood, e não de Hollywood para as plateias”.
Ricardo Matsumoto, editor da especializada Preview, única publicação focada no cinema atualmente nas bancas brasileiras, completa o argumento do xará Rigotti e resume o assunto de maneira bem interessante: “Acho que a premiação do Oscar não deve ser vista como a escolha dos melhores do ano anterior, e sim como uma lista dos eleitos pela própria indústria cinematográfica. De certa forma, muitas das escolhas batem com a opinião do público, mas ninguém deve ficar chateado se o seu filme preferido saiu da festa de mãos abanando. É simplesmente um jogo, e bastante divertido”.
O jornalista, no entanto, confessa que acredita que a premiação do Oscar sempre foi vista de forma equivocada. “Sim, a intenção é premiar os melhores do ano na indústria cinematográfica americana (e também internacional, no caso de prêmios como o de filme estrangeiro), mas a verdade é que existe um processo bastante complexo por trás da escolha dos indicados e dos vencedores”.
Em primeiro lugar, é preciso saber que os votantes são os membros da Academia, cerca de 6 mil pessoas que trabalham na indústria cinematográfica. São atores, diretores, técnicos e outros profissionais que, para decidir os indicados, votam dentro de suas categorias. Roteirista, por exemplo, vota em roteirista. Depois, com os concorrentes definidos, existe uma segunda etapa, na qual a votação é aberta para todos. A única diferença está em filme estrangeiro, que conta com um grupo específico de votantes. “É um clube para pouquíssimos. Nos Estados Unidos existem milhões de pessoas trabalhando com cinema – literalmente”, explica o blogueiro André Forastieri, ex-editor da revista Movie e especialista na cobertura do mercado de entretenimento. “Ou você foi indicado para um Oscar, ou algum membro atual indica seu nome, baseado em sua contribuição para o mundo do cinema. O que quer dizer que muitos diretores e atores e produtores e roteiristas muito famosos não votam”.
E por que determinados perfis de filmes têm mais chance nos prêmios do que outros? Barreto, do lado de dentro de Hollywood, diz que é tudo uma questão de força. “Quando Spielberg ou Ridley Scott fazem épicos, Ang Lee despiroca visualmente ou Paul Thomas Anderson resolve fazer sentido, por exemplo, as chances são gigantescas por alguns motivos: grandes filmes, normalmente, trazem grandes atuações, exigem muito do diretor e precisam ter um roteiro muito bom. A produção vai ser igualmente poderosa, os figurinos vão precisar replicar (ou inventar) a época em questão, os efeitos tem que dar show e etc. É como um time de futebol que tem boa defesa, ótimo meio campo e dois ninjas no ataque!”, brinca. Mas Matsumoto vai além, lembrando que o Oscar não é simplesmente uma escolha de quem foi melhor, mas é também um jogo de popularidade. “Um nome ou um filme só é lembrado se for bem divulgado. O sucesso de bilheteria muitas vezes é bem-vindo, porque isso atrai a atenção dos votantes. Um ator que tem bom relacionamento com os colegas também tem uma grande vantagem. Não estou dizendo que são cartas marcadas, mas assim como na política, você só consegue votos se as pessoas souberem quem você é...”.
No entanto, a principal provocação sobre o Oscar vem de um nome frequentemente associado a ele: Rubens Ewald Filho, crítico e uma verdadeira biblioteca ambulante sobre cinema, além de comentarísta frequente da transmissão ao vivo da cerimônia para o canal TNT. “Quem disse que é pra entender o Oscar?”, diverte-se ele. “Como tudo que existe na área de entretenimento, ele é feito antes de tudo para fazer dinheiro, depois para ganhar espaço promocional (o que também é dinheiro), e por fim premiar os que merecem (jogo de vaidades puro...)”.[/one-half]
Para Ewald, o Oscar é honesto justamente porque, apesar da questão do lobby poder existir (e existe), os votantes não se encontram. “Cada um mora num lugar, não pode sair daí um mensalão – mas continuam com aquela cabecinha de clube do interior – gostam de um, mas não simpatizam com o outro que não os cumprimentou...”. Segundo esta ótica, mais do que uma regra e critérios de mercado, vale o gosto pessoal dos votantes. “É preciso cair no gosto deles”, enfatiza Ewald, já emendando “que não é muito requintado, mas também não é de festival europeu. É meio classe média liberal, mais democrata do que republicano”, numa divertida definição. “Se você for olhar e usar o bom-senso, verá que eles erram menos do que parece”.
Pra ele, não adianta tanta discussão, já que nenhum outro prêmio tem o prestígio, a idade, o respeito e provoca as bilheterias tanto quanto o Oscar. “Até Cannes, que ia bem, foi se perdendo com suas escolhas esotéricas”. Ewald afirma ainda que não louva o evento, mas tenta mostrar aquilo que ele é. “Sem desvirtuamentos, sem ódios, sem raivas. Em que outro lugar veríamos estrelas sendo ridicularizadas e achando isso divertido como lá?”. De fato: aí o Rubens tem um ponto importante.
E então? Já fez as suas apostas? :D