Capcom inaugura a “nova maneira” de jogar Street Fighter com um jogo daqueles que é bom que tenhamos sempre a mão
Tinha algo nos fliperamas que era místico. A atmosfera perigosa, os sujeitos que pareciam ter saído de uma prisão prontos para te bater e levar embora as suas fichas e as muitas máquinas colaboravam para que a molecada quisesse arriscar um castigo, fugisse da escola e se divertisse por horas gastando as parcas moedas em diversão eletrônica. Antes, sem uma oferta muito grande de jogos em todos os lugares – e os videogames pareciam ainda mais caros – era o jeito de variar a diversão. E no meio de tudo isso, o santo graal se chamava Street Fighter II.
Toda uma geração cresceu em companhia de comandos especiais como meia lua e soco ou personagens que fizeram parte do imaginário da juventude. E a cada nova geração dos jogos eletrônicos o Street Fighter cresceu também, sem deixar de lado os elementos que cativaram tantos jogadores e o tornaram um imortal no ringue dos games de luta. Hoje os fliperamas se tornaram lugares menos mágicos, normalmente dentro de shoppings. Mas os videogames ficaram ainda mais acessíveis (não menos caros, porém) e é nesse mundo que chega Street Fighter V.
Por enquanto exclusivo para PCs e para o PlayStation 4, a nova edição do game mais representativo de um gênero inteiro é imperdível. Essencial para quem ainda não tem um jogo de luta na coleção, necessária para quem adora a série desde o começo e também uma excelente escolha para quem quer ter um jogo além de futebol (ou coloque aqui qualquer gênero esportivo que você goste. Menos golfe!) pra jogar com um amigo ou seu irmão mais novo.
Franquias nem sempre respeitam as suas raízes, mas se tem uma coisa que a Capcom soube fazer com o Street Fighter foi modernizá-lo sem deixar de lado a fórmula que o colocou no topo. Quando Street Fighter II – o game mais clássico da série – explodiu, ele trazia dois elementos cruciais de sua primeira versão e que consolidaram enfim o DNA da série: a dupla de lutadores Ryu e Ken (que eram respectivamente o P1 e o P2) e os golpes especiais escondidos — ou simplesmente MAGIAS.
As magias são muito legais, e quando falamos nelas rapidamente HADOUKEN e SHORYUKEN vêm na nossa cabeça. Mas quando o game foi lançado lááá atrás, nos fliperamas, os golpes escondidos eram a forma que a empresa tinha de garantir que muitas fichas fossem gastas e os jogadores se viciassem. Quer coisa melhor que fazer teste atrás de teste até descobrir os especiais e se tornar UM FERA em um joguinho? A ideia era tão boa que foi passada para cada uma das incursões seguintes, inspirou muitos outros títulos e está aí até hoje fazendo a alegria de quem pega um controle para jogar Street Fighter.
Outro ponto que diferencia Street Fighter de muitas outras séries é que, mesmo com o avanço gráfico, os jogos mais modernos da franquia prestam uma homenagem ao estilo cartunesco. Efeitos especiais estão lá, mas não espere ver vídeos super elaborados ou algo próximo ao realismo: conte apenas com o básico, muito bem feito, em uma perspectiva levemente 3D, mas carregada de personalidade dos jogos clássicos.
Os sons também estão lá, além dos gritos de golpe que já são clássicos e aquecem o coração dos saudosos jogadores. Eles estão no modo história para narrar, em inglês ou japonês, com legendas para até quem não sabe um outro idioma conseguir acompanhar.
O modo história apresenta os 16 personagens principais em mini enredos pessoais com poucas lutas. Narrativa não é algo que se procure tanto em um game de luta, então não vale ficar chateado se achar as historinhas fracas ou recheadas de clichês; elas tão ali pra apresentar algumas das rivalidades da série e pra situar os jogadores do pano de fundo que motiva alguns personagens. É legal pra quem quer jogar sozinho contra a máquina e também é rapidinho.
Se jogar sozinho é o que você procura, o modo Sobrevivência é o que mais se assemelha de uma experiência solitária no fliperama. Aqui você escolhe o nível de dificuldade e luta contra uma série de adversários tentando superá-los um a um. Além da seleção do mais fácil ao mais difícil, é possível deixar o jogo mais desafiador sem recarregar a energia depois de cada luta, ficando cada vez mais perto da derrota conforme a série de PELEJAS vai chegando ao fim.
Estes dois modos, por permitirem o jogo sozinho, além do modo Treinamento, são os mais indicados para você treinar antes de entrar online ou competir contra um amigo mais preparado. Não vai demorar até você perceber que os comandos são difíceis de dominar no calor da batalha, mas não são difíceis de executar. E com o novo V-Gauge System, os golpes são ainda mais poderosos e fluidos.
A qualquer momento em cada luta – quando você estiver jogando sozinho, por favor! – é possível repassar a lista de especiais. Em algum tempo você terá memorizado o de seus lutadores preferidos e poderá encarar o modo Versus ou as partidas online de Rank e Casual sem medo de fazer feio.
Quem gosta de ver a cara de um adversário perdendo a batalha e tem um amigo para chamar para o combate vai gostar do modo Versus. Quem estiver se sentindo sozinho pode contar com os modos online. Em nossos testes, conseguimos jogar com pessoas de outros lugares, algumas vezes com lag ou com instabilidade nos servidores, algo compreensível para jogos nos primeiros dias após o lançamento.
Agora um pequeno recurso que poderia ter passado batido e merece destaque é o de permitir jogos online durante uma campanha solo. Nos fez lembrar aquela época dos fliperamas, quando a gente estava empolgado chegando ao final das lutas e um marmanjo colocava a ficha, tirava a gente do fliperama e terminava em nosso lugar. No videogame isso é menos drástico, mas se a função estiver ativada, a partida corrente termina, sem mais nem menos, e uma nova online começa.
Ryu e Ken são figurinhas carimbadas e apareceram em todos os jogos, mas outros lutadores queridos da garotada também estão em Street Fighter V: Bison, Vega, Zangief, Chun-Li, Dhalsim e Cammy se juntam a outros lutadores das versões anteriores que, com quatro novos combatentes, elevam o número para 16 participantes. F.A.N.G., Rashid, Laura e Necalli são os quatro novatos, sendo que Laura é uma brasileira lutadora de Jiu-jitsu. Comparado a Ultra Street Fighter IV, que tinha 45 personagens, pode decepcionar. Mas outros vão chegar com o tempo.
O nível de detalhamento dos cenários e o exagero em muitos deles pode incomodar. São muitos elementos carregados de clichês em um nível quase barroco de detalhes. No Brasil, Laura usa o top curtinho com a palavra “BONITA” e no fundo do cenário tucanos dividem espaço com barraca de feira, bondinho de Santa Teresa, um garoto com uma bola de futebol, PASSISTAS (é claro!), morro com favela e o que parece ser uma taça da Copa do Mundo em cima do Corcovado, assumindo o lugar do Cristo.
Mas os clichês se repetem por todos os cenários. Acredito que os indianos não gostariam de se ver representados por monges ou trens abarrotados de gente, ou os russos se verem representados por ursos e encapuzados de AK-47 ao lado de Matryoskas.
Os lutadores também possuem roupas extra que podem ser destravadas no modo História e ganham experiência de acordo com o tanto que se joga com eles. A experiência tem um bom papel na hora de jogar online, para você encarar adversários compatíveis com a sua habilidade. Nada pior que tomar couro atrás de couro quando tudo o que você quer é desestressar de um dia pesado, né?
Os lutadores possuem ASPIRAÇÕES e interesses: além do estilo de luta, tem sempre uma informaçãozinha divertida, como por exemplo “Si próprio”, nos interesses do Vega ou a descrição “Conhecendo o Matsuda Jiu-Jitsu ‘na tranquilidade'”, no modo de história de Laura (essa piadinha a gente achou bonitinha, tá tranquilo, tá favorável).
A gente já disse, mas repete: Street Fighter é um marco, que a cada versão é repaginado mantendo a essência. Se você não é fã de jogos de lutas, talvez não faça a sua cabeça.
Muito do jogo ainda está “em construção”, o que decepcionou alguns dos early-adopters, mas pode ser visto por uma ótica diferente. Street Fighter V é feito para durar bastante tempo, com atualizações frequentes e, enquanto isso, engajar jogadores transformando-os em fãs com novidades que pinguem de pouco a pouco, sem lançar Supers, Ultras e Turbos.
Por exemplo, a Capcom já anunciou para o pós-lançamento a entrada de outros seis lutadores, entre eles os clássicos Guile e Balrog. Até um modo novo chamado Desafios, que deve chegar em março. Ao contrário do modo Challenge, do Ultra Street Fighter IV, esse parece ser bem mais completo, com desafios diários, chefes especiais contra os quais lutar, dicas e tutoriais. A Loja é outro elemento que está sendo preparado.
É verdade que Street Fighter V tem potencial para ficar muito melhor, e ainda traz a sensação de promessa. Mas se você está procurando um jogo de luta, o que SF V traz desde o seu dia de lançamento é o suficiente para agradar. O que vier depois é muito bem-vindo, e certamente o deixará ainda melhor.