Cineasta francês foi buscar inspiração em uma HQ do seu país publicada na década de 1960
O cineasta francês Luc Besson sempre disse que é um fanático por quadrinhos, embora, tendo nascido e sido criado na Europa, tenha referências de gibis diferentes da DICOTOMIA Marvel/DC. Para chegar ao visual de O Quinto Elemento (1997), filme que ele começou a escrever quando ainda estava na escola, o diretor se inspirou em dois de seus ídolos das HQs: Jean Giraud, o mestre Moebius, de clássicos como A Garagem Hermética e Blueberry; e Jean-Claude Mézières.
Ambos cursaram a escola de artes juntos, mas nunca tinha feito um projeto em parceria – até que Besson convocou ambos para criarem as imagens conceituais que deram origem aos veículos, ESPAÇONAVES, prédios e alienígenas do filme estrelado por Bruce Willis.
Moebius é um nome bastante conhecido por quem curte quadrinhos, mesmo fora do circuito europeu. Mas Mézières, que tem em Besson um leitor assíduo desde os 10 anos de idade, não é exatamente uma celebridade fora do Velho Continente. Só que o diretor, agora com 57 anos, está disposto a virar este jogo e prestar a devida homenagem ao seu ídolo em Valerian and the City of a Thousand Planets, adaptação para as telonas da clássica revista em quadrinhos Valérian et Laureline, que começou a ser publicada em 1967 e só foi encerrar sua trajetória recentemente, em 2010.
Desenhado por Mézières e com roteiro de seu amigo de infância, Pierre Christin, Valérian et Laureline é uma trama de ficção científica que se passa no século 28, quando a humanidade ENFIM descobriu como viajar instantaneamente pelo tempo e espaço.
A capital da Terra, a imensa cidade de Galaxity, é também o centro do vasto Império Galáctico Terráqueo – e o nosso simpático planetinha azul se tornou uma utopia na qual a maior parte da população vive uma vidinha HEDONISTA de lazer em uma realidade virtual que mais parece um sonho, tudo sob o controle dos Tecnocratas do 1o Círculo.
O chamado Serviço Espaço-Temporal protege os planetas do Império contra paradoxos temporais causados por viajantes do tempo com más intenções. E os heróis da história, Valérian e Laureline, fazem parte deste time.
Valérian (que no filme, com nome sem acento, será vivido por Dane DeHaan, o Harry Osborn de O Espetacular Homem-Aranha 2) é o herói clássico, forte, corajoso, de bom coração, que segue as ordens de seus superiores mesmo quando não acredita que elas fazem sentido.
Já eterna parceira, Laureline (que será interpretada por Cara Delevingne, a Magia do filme do Esquadrão Suicida), é uma mulher inteligente, determinada, independente e bastante rebelde. Christin já disse, em diversas ocasiões, que a personagem foi claramente inspirada no movimento feminista surgido entre o final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, além do livro O Segundo Sexo, da filósofa e ativista Simone de Beauvoir.
Por sinal, a escolha de Mézières e Christin pela ficção científica como gênero para as suas histórias veio justamente como uma válvula de escape para poder criticar a ideologia que vinha se fortalecendo na época, o chamado gaullismo, uma onda de conservadorismo/populismo surgida sob o comando do general Charles de Gaulle, primeiro presidente da república francesa. A primeira chance de Valérian et Laureline surgiu na revista Pilote, que era justamente uma publicação com o objetivo de dar cara a novos autores. Mas apesar de seu editor, René Goscinny (ele mesmo, um dos criadores do Asterix), não ser muito fã de ficção científica, ele gostou de poder dar voz à diversidade e abrir as portas para a dupla Mézières e Christin.
Luc Besson (que, além de diretor, é também roteirista e produtor) faz questão de manter segredo sobre a trama e sobre os papéis que viverão atores como Ethan Hawke, John Goodman, Clive Owen, Rutger Hauer e os músicos Herbie Hancock e Rihanna. No caso da RIRI, aliás, o diretor já fez questão de dizer que o papel dela é “grande” e que está bastante ansioso para ver a coisa toda estourar. “Ela é uma atriz nata”, garante, num papo com a revista Entertainment Weekly.
Naquele que afirma ser o maior desafio de sua carreira – com cerca de 2.400 tomadas com efeitos especiais, contra as apenas 200 que fez na época de O Quinto Elemento – Besson promete criar diversão não apenas para os iniciados, mas também para quem não necessariamente curte ficção científica. “Tipo um coquetel no qual você praticamente não sente o gosto do álcool”, brinca ele, na comparação etílica.
Ele explica que a coisa que mais o deixou apaixonado pelo gibi original, logo no começo, foi a força de Laureline. “Ficção científica era um troço raro no começo dos anos 1970. E não tinha muitas heroínas na época. Foi a primeira pela qual me apaixonei. Ela durona, não ficava dizendo ‘sim’ pro Valerian toda hora. Adorava isso nela”.
Mas trabalhar com tanta tecnologia, tantos efeitos e tantas telas azuis (ou verdes, dependendo do caso) não incomoda Luc Besson. “Quando comecei a ler Valerian, não tinha internet. Não tinha nem TV em casa. Então eu lia e era apenas a minha imaginação. Aí, quando olho pra tela azul, eu vejo tudo. Minha imaginação está bem confortável com a tela azul”.
Embora na época de O Quinto Elemento já tenha conversado com Mézieres a respeito de um filme de Valerian, Besson achava que ainda não era a hora – a tal da tecnologia ainda não era avançada o bastante para chegar ao que a gente via nas páginas do gibi. “Tivemos que esperar até Avatar”.
Ele conta que, ao ver a obra de James Cameron, jogou o roteiro de Valerian que tinha até o momento no lixo. “Me inspirei em James. Ele me convidou para visitar o set. E eu fiz um monte de perguntas e ele foi bastante aberto. Ele ajudou outras pessoas, como eu, a seguir em frente”. Então, Luc Besson voltou para a prancheta e trabalhou numa história que, segundo ele, é mais “real, mais humana”.
E antes que alguém dissesse “isso é impossível”, ele enfiou de tudo na jogada: aliens, robôs, a porra toda. “Vamos ser complexos, claro, mas fazer isso parecer fácil como uma dança. Você vê e é fluido, divertido e maluco. Não é profundo e complicado. É sofisticado de fazer, mas parece simples”.
O diretor aproveita para dar uma pequena “cutucada” na Marvel, dizendo que não vai entregar todos os segredos de imediato como a Casa das Ideias supostamente faria nos cinemas. “Você vê um filme da Marvel e, cinco minutos depois, já sabe quem é o vilão. Aqui, teremos estes dois agentes – e o filme será como uma investigação policial, na verdade. Você não sabe exatamente quem é mau até o final. Por isso não posso falar muito a respeito”.
O filme, no entanto, não será a primeira versão dos personagens fora do papel. Depois de dois pilotos fracassados, um em 1991 e outro em 2001, foi só em 2007 que Valérian et Laureline teve a sua versão em animação, uma série de 40 episódios de 26 minutos intitulada Time Jam: Valerian and Laureline, produção franco-japonesa exibida na emissora francesa Canal+ Family.
Misturando 2D e CGI com uma pegada de anime no traço, a história tinha algumas pequenas alterações – se passava no ano de 2417 ao invés de 2720 – mas era, no geral, bastante fiel ao material original.
Material original este que, aliás, é importante lembrar que muitos estudiosos (como Kim Thompson, do The Comics Journal) afirmam ter sido uma das principais inspirações para outra saga espacial, esta bem maior e mais milionária: Star Wars.
Do design da nave XB982, que lembraria bastante a Millennium Falcon clássica, à roupa de escrava que Laureline usou na história World Without Stars, passando por Valerian preso em plástico líquido (carbonite?) e por um exército imperial de clones, o que não faltam são teorias de que, talvez, a inspiração tenha ido longe demais.
Polêmicas à parte, Valerian and the City of a Thousand Planets tem previsão de estreia na França e EUA para o dia 21 de Julho de 2017. No Brasil, por enquanto, nenhuma informação. :/