Prince e as histórias em quadrinhos | JUDAO.com.br

O cara reinventou mais uma vez a sua carreira graças a um certo Homem-Morcego, mas também teve seu momento de super-herói nas páginas das HQs

O ano era 1989. Já fazia bons cinco anos desde que Prince tinha conquistado as paradas de sucesso com Purple Rain, seu hit absoluto. Desde então, ele tinha acertado a mão com alguns singles avulsos, mas seus álbuns não tinham exatamente conquistado público e crítica. Os executivos da Warner estavam em polvorosa, querendo ver um de seus principais artistas performando como antes mais uma vez, em um disco completo com vendas expressivas – vamos lembrar que aqueles eram tempos MUITO diferentes, o tal do álbum era o centro do universo para a indústria fonográfica.

Pelo lado do nosso artista inspirado e inovador, as coisas também não iam lá muito bem. O grupo The Revolution, banda que o acompanhou em Purple Rain, tinha sido desfeito. Ele parecia bastante desmotivado. Mas, quando a Warner Bros., a divisão dos cinemas, procurou a Warner Music e apareceu com a ideia de que o Prince poderia fazer um álbum inteiro baseado nos temas e personagens da adaptação do Batman para os cinemas, aquele primeiríssimo filme do Tim Burton, todo mundo se empolgou.

Reza a lenda que o próprio cantor era fã do personagem, assim como informações de bastidores dão conta de que, para se inspirar na criação do Coringa de Jack Nicholson, Burton ouviu um bocado clássicos do Prince como 1999 e Baby I’m a Star, usando inclusive as duas canções num primeiro corte do filme.

Prince viu algumas cenas de teste da película, que ainda estava sendo rodada, cerca de 30 minutos. E lá foi ele se enfiar no estúdio por seis semanas, compondo um monte de canções e retrabalhando outras tantas que já tinha começado a escrever antes do Morcegão cair no seu colo. O resultado foi o disco batizado apenas de Batman, que dominou as paradas da Billboard durante seis semanas consecutivas, o seu primeiro número 1 em quatro anos, desde Around the World in a Day, de 1985.

A escolha pode parecer estranha para você, que talvez tenha na cabeça o Batman do Frank Miller ou quem sabe a visão cinematográfica de Christopher Nolan. Como assim, misturar o colorido extravagante do Prince com as sombras trevosas de Gotham City e esperar que alguma coisa aconteça? Batman era um ícone da cultura pop, mas o Prince também era. E a união das duas coisas, por mais improvável que possa parecer, funcionou muito bem.

Não apenas em termos de jogada de marketing da gravadora, mas também musicalmente falando. O álbum não foi exatamente idolatrado pela crítica e tem fã que defende, até hoje, que ele seja desconsiderado da discografia do músico. Bobagem. Batman, o disco, colocou o cantor de volta sob os holofotes, escancarando as portas dos anos 1990 de uma vez por todas para ele.

Claro que, quando a gente vê o clipe da principal canção do álbum, Batdance, nos dias de hoje, algo ali soa datado, deslocado. É natural. Tão datado e deslocado quanto o Coringa do Nicholson, por exemplo, que serviu bem a um propósito naquele momento da história em específico. Contexto, né, gente.

Na verdade, poucas músicas do disco – que é bastante climático e, por que não dizer, cinematográfico – acabaram aparecendo de fato no filme, em parte, segundo consta, por resistência de Danny Elfman, compositor da trilha instrumental e que se recusou insistentemente a trabalhar junto com Prince. Tanto é que saíram dois discos diferentes: o do Prince e um registrando a trilha do Elfman. Ainda assim, existe pelo menos um momento memorável no filme, quando o Coringa vai encontrar Vicky Vale no Museu de Arte de Gotham e seus capangas trazem um rádio portátil que toca Partyman conforme o Palhaço do Crime faz a sua entrada triunfal.

Abrindo os trabalhos com um sample da voz de Michael Keaton, no qual ele diz “I’m not gonna kill you. I want you to do me a favor. I want you to tell all your friends about me”, o álbum Batman traz um Prince sombrio, meio gótico até, pelo menos o tanto quanto o Prince conseguiria ser gótico, né? Óbvio que ele não deixaria de lado o seu lado mais funk-pop, aqui temperado com breaks instrumentais (um tanto longos, é verdade) e uma pegada dançante mais experimental e eletrônica.

E, vamos ser honestos, Prince era do tipo que não ficava deliberadamente tentando ser comercial – “preciso fazer uma música pra vender”. Se fosse o caso, não teria colocado neste Batman a alucinada e maravilhosa The Scandalous Sex Suite, uma piração com a assinatura do cantor e que dura exatos 20 minutos (!). Os rumores dos fofoqueiros de Hollywood dão conta de que o diálogo com ares de flerte entre Prince e Kim Basinger, interesse romântico do Batman na película, teria resultado num envolvimento real entre eles, aumentando ainda mais a fama de conquistador do cantor.

O mais engraçado de tudo é que este disco Batman é a visão e interpretação do Prince para o Homem-Morcego, sem sequer resvalar na história do filme do Tim Burton. Ao ouvir o álbum como um todo, os trechos de diálogos dos atores que estão entre as músicas não parecem fazer sentido, já que as letras contam uma outra história, completamente diferente. Ainda mais estranha e mais esquisita.

Seguindo as músicas, conforme o io9 bem sacou, o que dá pra entender é que o Batman não está lutando contra o Coringa (tanto é que Dance with the Devil, canção sobre o vilão, acabou sendo cortada do disco aos 45 do segundo tempo), mas sim contra um sujeito chamado Partyman, que tem em suas mãos uma arma definitiva, o Lemon Crush (o que quer que diabos seja isso). Além disso, esqueça este lance de Bruce Wayne e papai e mamãe sendo mortos no Beco do Crime. Aqui temos um Morcegão com poderes psíquicos, que pode ver os crimes futuros, meio na vibe Minority Report.

Talvez esta tenha sido, afinal, meio que a visão do Prince sobre como um filme do Batman deveria ser. E, por favor, que alguém em algum momento da história faça o favor de filmar isso, nem que seja no formato curta-metragem. Sério. ;)

E, por favor, sigam a linguagem visual do clipe de Partyman como guia... :D

Prince já teve seu momento de Batman

Vamos então para o ano de 1991. Quando a editora inglesa Titan Books topou uma loucura chamada Alter Ego, escrita por Dwayne McDuffie (lendário criador do selo Milestone, que dava destaque para os super-heróis negros), com arte de Denys Cowan (conhecido pela arte da série do Questão, escrita por Dennis O’Neil no final dos anos 1980) e capas de ninguém menos do que Brian Bolland, o mestre por trás dos traços de A Piada Mortal. Tratava-se de uma história, dividida em três partes, na qual ninguém menos do que o próprio Prince era retratado como uma espécie de super-herói.

Na real, o músico não tinha superpoderes na história (ou, pelo menos, isso nunca chega a ficar exatamente muito claro). A ideia era mostrar as suas origens, naquela vibe meio autobiográfica meio fantasiosa do filme Purple Rain (com direito à motocicleta roxa e tudo), e depois fazê-lo encarar um terrível inimigo de seu passado: um oponente chamado Spooky Electric, que pode usar as batidas da música para controlar as mentes das pessoas (insira risada maquiavélica aqui). E, assim como o Batman, ele era uma espécie de fodão supremo que fazia justiça com as próprias mãos, chutando a bunda de todo criminoso que resolve cruzar o seu caminho.

Tente imaginar uma mistura possível de Purple Rain com O Cavaleiro das Trevas para entender o espírito da coisa. ;)

Prince

O terceiro número, vagamente baseado na canção 7, mostra o Prince saindo de sua turnê para salvar a Princesa Mayte (não pergunte) da ira de terríveis malfeitores, numa pegada bem mais agente secreto (Supremacia Prince, creio eu).

Alter Ego acabou fazendo sucesso e se tornando uma espécie de objeto de desejo dos colecionadores de plantão porque, pouco depois, foi republicado com sucesso nos EUA pelo selo Piranha Press, iniciativa da DC Comics para tentar surfar na onda do crescente interesse por quadrinistas independentes.

Em 1994, a Piranha quis repetir a dose e lançou a graphic novel especial Prince and the New Power Generation: Three Chains of Gold, que desta vez trazia o músico ao lado dos integrantes de seu nova banda. Aqui, a ideia era mais pro lado Indiana Jones da coisa: a galera vai pro Oriente Médio ajudar uma princesa (de novo) a localizar três correntes do poder, artefatos mágicos que dão “grande poder” ao seu usuário.

Este foi, aliás, o último lançamento da Piranha antes de ser definitivamente descontinuada pela DC. Não que uma coisa esteja necessariamente ligada à outra, claro. ;)