Flicts-Demascarar_sua_Bandeira.mp3
Esses dias lembrei de quando eu e o Davi, parceiro de letras e copos, fomos em uma ocupação dos secundaristas em meados de Setembro de 2015 para saber como e se podíamos ajudar. Fazia dias que a gente lia e assistia a vídeos sobre o movimento, tudo muito emocionante, mas as informações por parte da imprensa eram nebulosas, daí decidimos conhecer in loco a galera da Caetano de Campos, ali na nossa querida Praça Roosevelt.
Esperávamos na porta da escola, enquanto a comissão de comunicação da “ocupa” não aparecia na porta, então um professor cruzou o portão já sobre sua bicicleta e disse: “tem um panelão com macarronada pra vocês, amanhã eu volto pra fazer o almoço”. Uma sociedade à parte se desenvolvia ali, tudo muito novo, mas, com certeza, pra valer.
Na semana seguinte, voltamos, acompanhados do meu irmão, Vitor, que é educador, para falarmos com os meninos e meninas sobre “Indústria da Informação”. Existia muita mágoa entre eles por causa da cobertura midiática completamente negativa, que resultava em parentes emputecidos os pressionando para deixar essa ideia de lado e voltar pra casa. O papo foi incrível, conversamos sentados em colchonetes no meio do ginásio, e a molecada sabia mais do que a gente supunha, embora nossa explanação sobre a relação protetora entre a imprensa paulista e o governo de Geraldo Alckmin tenha despertado bastante interesse dos secundas.
Saímos dali e demos um pulo no mercado que fica do outro lado da Praça. Coloquei alguns itens numa cesta, porque eu sempre vivo duro, mas quando olhei, meu irmão tinha pegado muita coisa. Tipo, muita coisa mesmo. Catou ainda duas caixas de bombons, falou “sem chocolate não dá pra viver”. Levamos a compra pros moleques e eles ficaram especialmente felizes com os doces.
Aquilo foi, pra mim, um caminho sem volta. Meu irmão viaja muito a trabalho e o Davi tem um trabalho CLT, mas eu sou um freelancer com um bom controle sobre meu tempo, então consegui mergulhar de cabeça no movimento. Fiz um itinerário de escolas pra visitar, com a intenção de ajudar as informações a circularem nas redes sociais e estimular as pessoas a fazerem o mesmo, estabelecer uma espécie de mídia paralela sobre as Ocupações. Conheci muita gente que estava engajada na mesma ideia, logo integrei o grupo Sociedade Civil pró Escolas Ocupadas e, quando percebi, os secundas viraram ícone transgressor paulista que chegava rapidamente às quebradas do Brasil.
O Estado de São Paulo tem um histórico fascista, dos genocidas convictos conhecidos como Bandeirantes até a bravata de Locomotiva do País, do DOI-CODI à PM atual e por aí vai. As Ocupações pintaram como herdeiros do punk paulistano do fim dos 70, começo dos 80, a periferia berrando na orelha do sistema. E cada vez mais gente queria ouvir.
Nessas, cheguei a fazer vigília de madrugada no próprio Caetano, apanhar e engolir bomba de fumaça e pimenta ao lado do meu parça Bruno Ondei enquanto tentávamos achar um caminho pra molecada fugir do cerco da PM na Praça da República e na Consolação, levar o Rafinha Bastos até o Cedom, na Zona Norte, conhecer bem pelo menos mais cinco escolas, dar uma força pra fazer a Virada Ocupação, virar guardião e, toda vez que a polícia queria invadir uma Ocupa, uma mensagem de urgência pintava no meu celular e nos de uma galera, entre outras boas loucuras.
Sou muito grato a essa turma por ter reacendido a brasa no peito de uma parte da minha geração, que achou no apoio a eles, uma forma de articulação.
Essa madrugada, uma companheira, também engajada na luta dos moleques, me mandou uma mensagem avisando que a ETEC Paula Souza, no Bom Retiro, foi ocupada e que precisam de comida, cobertas, etc. No Rio de Janeiro, já são mais de 70 escolas ocupadas. Goiás já teve dezenas de ocupações, assim como Pará. Espírito Santo e Bahia também representaram.
Muita gente fala que, com a atual crise política, uma ditadura pode acontecer. Pura negação. Nos Estados governados por Alckmin, Beto Richa, Pezão e vários outros, ela já acontece. São lugares onde parceiros dos governadores, sejam ladrões de merenda ou construtores de ciclovias que desabam sobre o mar, são sequer investigados.
No entanto, há resistência na forma que Belchior previu, daquelas que a gente lembra com a voz da Elis ecoando lá no fundo da moleira: o novo sempre vem.
Nunca entendi como essa música não virou um hino, mas pra uma galera da minha geração de véios punks ela é, e tem muito a ver com a luta dos secundaristas. Vão aí letra e vídeo de “Desmascarar sua Bandeira”, do Flicts, banda que ficou conhecida na cena nos anos 2000. É pra decorar e passar pra frente.