O cantor e líder dos Guns n’ Roses tá bem afiado e segurou a bronca perfeitamente. Se vai durar? Se será definitivo? Só o tempo (e um tal de Angus) poderá dizer… ;)
E aí que, neste sábado (7), em Lisboa, aconteceu o primeiro dos 22 shows que o Axl Rose, a voz dos Guns n’ Roses, fará como vocalista convidado do AC/DC. Serão doze apresentações na Europa e mais dez em território norte-americano. E o que aconteceu? Bom, amiguinhos, o que rolou é que Axl Rose, mesmo forçado a cantar sentado numa espécie de trono – empréstimo de Dave Grohl, aliás – por causa dos problemas no joelho, botou pra foder. Assim mesmo, sem meias palavras.
Nos vídeos de sua primeira apresentação ao lado do Guns Reloaded, com Slash e Duff, lá no pequeno palco do Troubadour, a gente já tinha visto que a voz deste Axl Rose versão 2016 estava BEM melhor do que aquela que andamos ouvindo nos últimos anos. Eu, por exemplo, vi o Guns meio zumbi de Axl no Rock in Rio de 2001 e saí completamente deprimido – o cantor mal conseguia respirar, arfava no meio da letra da canção. O mesmo rolou, por exemplo, na edição de 2011. Uma experiência triste.
Cenário bastante diferente do que a gente viu neste final de semana. Axl alcançou todos os tons, berrou, grunhiu, com força, com agressividade. Esbanjou carisma. Mostrou uma postura bastante respeitosa, deixando claro que as grandes estrelas da noite eram aqueles notáveis senhores da Austrália (em especial Angus Young, o guitarrista que é um showman e rouba a cena, como sempre). E, ainda assim, Axl manteve a própria personalidade, o seu jeito característico de cantar. Não era Axl fazendo cover do AC/DC. Era Axl cantando AC/DC com o AC/DC. O que é um barato totalmente diferente. Era as duas coisas e não uma só.
Você, fã do AC/DC, tem todo o direito de estar puto com a saída do vocalista Brian Johnson. Claro, a banda e o próprio Brian dizem claramente, em seus pronunciamentos oficiais, que se tratou de um afastamento causado por um problema de saúde – no caso, o pedido médico para que Brian pegasse leve com as turnês e o som explosivamente alto dos palcos megalomaníacos da banda ou acabaria ficando surdo. “Ele tomou esta decisão. Ele não queria ficar surdo. E eu entendo isso perfeitamente”, afirmou o guitarrista Angus Young, em entrevista à revista NME.
Mas sabemos que não são poucos os comentários de bastidores que garantem que ele teria sido demitido, sem direito a uma segunda chance, sem qualquer negociação, sem uma mínima tentativa de encontrar uma solução intermediária (se é que ela existiria). “Ele foi demitido como se fosse o caixa de uma rede qualquer de supermercados”, disse à imprensa um suposto amigo de Brian Johnson que não quis se identificar. No fundo, nenhum de nós tem como saber a verdade neste momento. Mas você, no papel de fã, vai acabar sendo passional e pode mesmo achar tudo uma merda, acreditar que a banda deveria encerrar as atividades. Só que isso, senhoras e senhores, não poderia de maneira nenhuma acontecer agora.
Uma banda do tamanho do AC/DC é mais do que um projeto musical. É uma empresa. E uma empresa que tinha nada menos do que 22 shows agendados que teriam, de alguma forma, que ser cancelados. Sabe o que isso significa? Dinheiro de ingressos sendo devolvidos, multas sendo pagas. Esta máquina financeira que gira por trás do grupo australiano ia ficar com um verdadeiro rombo para preencher. O que fazer? “Tivemos que agir imediatamente”, diz Angus. “Foi uma crise. E quando estamos em situações assim, temos que agir rápido. E sabíamos que, pela natureza da situação auditiva do Brian, não seria uma decisão fácil”. Pois é. Não mesmo. “Mas sabíamos que queríamos completar o que começamos. Não dá pra batizar uma turnê de ‘Rock or Bust’ e depois fracassar (bust, em inglês)”.
Se cancelar os shows não era uma opção, quem poderia cantar? O que não faltou foi gente sugerindo inúmeros nomes de excelentes vocalistas de bandas cover profissionais. Todos sensacionais mas... gente, sério mesmo. Você foi lá e comprou ingresso pra ver o AC/DC. Pagou uma fortuna. Para ver a banda de verdade. E o que ganha é um cara imitando o jeito de cantar do Brian Johnson? Vamos lá, vai. Seria não apenas um desrespeito com o público mas também com o próprio legado da banda. Então, que tal tentar fazer deste limão uma limonada e tornar estas datas uma espécie de evento especial? Perfeito. Uma estratégia de marketing impecável. Coloquemos um vocalista famoso assumindo o microfone e teremos duas atrações pelo preço de uma, para tentar compensar a perda.
Teve gente que falou no Udo Dirkschneider e no Mark Tornillo, respectivamente a antiga e a atual voz do Accept. Falaram até mesmo no Joel O’Keeffe, frontman do Airbourne, banda de hard rock sensacional também egressa da Austrália e considerada uma espécie de sucessor natural do AC/DC. Todos seriam escolhas perfeitas, musicalmente falando. Mas, infelizmente, nenhum deles cabe no conceito de “duas atrações pelo preço de uma”. O Accept lota, no máximo, um Carioca Club aqui em São Paulo, infelizmente, por mais que a atual fase da banda seja excelente. Lotação de 1.000 pessoas. Quem seria um cantor que ainda consegue lotar estádios, como o faz o próprio AC/DC? Bom, gostem vocês ou não, um cara que ainda faz isso é Axl Rose com o seu Guns. Matemática perfeita. Justamente no momento em que Axl estava em alta por causa de toda a coisa “eu e o Slash fizemos as pazes”.
E não que o universo do AC/DC fosse exatamente uma novidade para o cantor. Basta uma busca no YouTube pela versão do GnR para Whole Lotta Rosie para entender o que passou pela cabeça de Angus e seus confederados quando fizeram o convite ao Axl.
O fato é que o futuro ainda é incerto. Ninguém sabe o que vai acontecer. Brian prometeu que não vai se afastar do mundo da música, por exemplo, e continuará gravando alguma coisa em estúdio, em ambiente controlado. Um novo projeto? Ou, quem sabe, com o próprio AC/DC? Por que não? Será que as ordens médicas o liberam para apresentações menores, mais intimistas, com equipamentos de som menos monstruosos?
O futuro do AC/DC, com ou sem Brian, também é incerto. Depois destes 22 shows, os caras vão seguir em frente? Axl vai ser considerado para o cargo de vocalista em definitivo ou vai começar a busca por um novo ocupante do posto, talvez alguém menos famoso e estelar, para “recomeçar”? Bom, falando com a rádio BBC 6, Mr.Rose disse que tá no barato de continuar, se os caras toparem. “Se me quiserem, tô dentro. E veremos como resolver isso. Mas agora, precisamos pesar tudo que está na mesa, bem na nossa frente”. Quando fala em “pesar”, Axl lembra que ele é dono de uma banda que também rende os seus milhões de dólares anualmente e que está nos primeiros passos de uma turnê comemorativa que promete lotar estádios em todo o planeta (caso, obviamente, esta seja mesmo a ideia).
A única coisa que eu acho injusta demais é tratar o caso como “uma banda decrépita tentando sobreviver”, como andei vendo muita gente soltando por aí. O AC/DC está bem longe de ser considerada uma banda aposentada que resolveu voltar das cinzas com uma turnê caça-níquel qualquer, por exemplo. É injusto pintar este retrato para um grupo que se manteve consistentemente na estrada e ainda por cima continuou lançando bons discos de músicas inéditas (Black Ice, de 2008, e Rock or Bust, de 2014, só pra citar os mais recentes), arriscando até mesmo colocar faixas novas dentro de um repertório que poderiam trabalhar, por segurança, só com uma metralhadora de clássicos.
Vamos comparar, por exemplo, com os Rolling Stones. Uma banda que é tão grande, tão influente e ainda tem um poderio tão intenso quanto o AC/DC. Mas que não lança um disco novo há exatos 11 anos. Sacou?
Eu sou daqueles que não vê, por exemplo, muito sentido no próprio Guns com esta tal “formação original”. A banda lançou o Chinese Democracy (que é uma bosta, mas não vamos entrar neste mérito), frequentemente está metida em rumores sobre um novo álbum, estava tocando a própria carreira – o mesmo vale para o Slash e o Duff, cada um com seus projetos indo muito bem, obrigado. Me incomoda a coisa da nostalgia pela nostalgia, sem ter nada a dizer. Não me dizem nada, não mexem comigo, estes boatos de reunião do Max com Sepultura, do Andre Matos com o Angra, do Michael Kiske com o Helloween. Cada um tem sua própria jornada, deixa a galera seguir a vida, deixa o passado pra lá.
Axl + Slash + Duff não me interessa tanto, de fato. Mas Axl + AC/DC, ôpa, aí sim. É inesperado. É ousado (e se não fosse, a gente estaria aqui falando sobre isso?). É uma experiência única, histórica, diferente. Lembra de quando o Rob Halford cantou no Black Sabbath, em 2004, naquela noite em que o Ozzy sofreu um ataque de bronquite? Foi único. Foi memorável. Foi histórico.
“Eu vi o Axl Rose cantando com o AC/DC”. É o tipo de coisa que um fã de rock gostaria de contar um dia para os filhos. Eu, pelo menos, adoraria.