Led Zeppelin garante seu caminho para o céu, mas via tribunal | JUDAO.com.br

Eternamente acusada de plágio, a banda vai parar na Justiça para provar que o maior hit é, de fato, deles. Mas deixa dúvidas se realmente conseguiu, apesar de ganhar o processo…

O ano era 1992. Uma das cenas mais divertidas de Quanto Mais Idiota Melhor, besteirol clássico dos anos 90, é aquela na qual Wayne Campbell (Mike Myers) entra em uma loja de instrumentos, volta a namorar a guitarra que tanto venera e vive prometendo que vai comprar, toma a DITA CUJA em mãos para experimentar, toca os primeiros acordes de Stairway to Heaven...e, ABRUPTAMENTE, é interrompido por um atendente, que mostra o aviso: “No Stairway to Heaven”. E aí Wayne solta a frase clássica “No Stairway, Denied”, que se tornaria até bordão para fanáticos por música.

Faz todo o sentido, já que este riff inicial do maior sucesso comercial da carreira do Led Zepellin é uma espécie de treino obrigatório pra todo aspirante a guitarrista. Mas eis o ponto aqui: quando o filme foi para o mercado de home video (aka fita VHS), a sequência sofreu uma modificação bizarra. Atendendo a um pedido judicial da própria banda, enfiaram ali no lugar um trecho musical qualquer, que simplesmente não se parece em nada com Stairway to Heaven, e a piada perdeu totalmente o sentido (e a graça). Ninguém entendeu muito bem o motivo do stress dos roqueiros veteranos...

Corta pra 2016. E, em um dos julgamentos mais malucos de toda a história do entretenimento (com direito até a fãs invadindo o tribunal com guitarras Fender nas mãos, possivelmente esperando um autógrafo do guitarrista do grupo), eis que Robert Plant (vocal), Jimmy Page (guitarra) e John Paul Jones (baixo) são obrigados a enfrentar a Justiça. Em um processo de plágio. Justamente por causa... daquele mesmo riff inicial de Stairway to Heaven. Você sabe muito bem qual é, escuta aí o dedilhado inesquecível:

Pois é. Então que o produtor e jornalista musical Michael “Mick” Skidmore, representante legal do patrimônio do vocalista, guitarrista e compositor Randy Wolfe, falecido em 1997 e mais conhecido pela alcunha de Randy California, dizia com todas as letras que esta passagem foi roubada. Mais especificamente de uma canção instrumental progressiva escrita por Wolfe, chamada Taurus, gravada em 1968 pela banda da qual ele fazia parte, chamada Spirit, em seu lisérgico álbum de estreia. Escute aí e compare:

Independente do que você achou, o fato é que este era um processo que vinha se arrastando há pelo menos dois anos, se transformando numa verdadeira pedra no sapato do Zeppelin. Skidmore berrava aos quatro cantos que o julgamento mudaria a história do rock como a conhecemos, por mais que o próprio Wolfe, quando ainda estava vivo, estivesse dividido a respeito de uma suposta semelhança entre o início das duas canções.

O músico e compositor original nunca moveu uma palha judicialmente, tampouco a gravadora Hollenbeck Music, que assinou com o guitarrista assim que ele foi descoberto, ainda adolescente, por um tal de Jimi Hendrix. Mas quando Skidmore ganhou uma substancial participação acionária na movimentação da obra de Randy California, tratou de caminhar com o processo, acelerando para chegar ao julgamento popular.

Caso tivesse vencido, claro, Skidmore teria muito o que reclamar para si: afinal, Stairway to Heaven foi lançada em 1971, dentro do disco Led Zeppelin IV que, segundo estimativas mais recentes, teria vendido mundialmente até hoje a bagatela de 37 milhões de cópias. Percebe o quanto isso significaria em cifras? Uma fortuna. Mas isso, claro, se Skidmore tivesse vencido. Porque, neste último final de semana, saiu a sentença e o júri decidiu, depois de UMA SEMANA de julgamento, que não haviam “similaridades substanciais” entre as duas composições para que fosse comprovado o tal do plágio. O advogado de acusação, Francis Malofiy (descrito por uma fonte da revista Rolling Stone, que acompanhou as sessões, como “o filho de Cersei Lannister com Saul Goodman”), todavia, afirma que vai recorrer da decisão.

“Ficamos agradecidos pelo júri encerrar de vez estas questões sobre as origens de Stairway to Heaven, confirmando aquilo que já sabíamos há 45 anos”, afirmaram, em comunicado oficial conjunto, Page e Plant. “Também agradecemos aos nossos fãs por todo o apoio ao longo desta jornada legal”. Apenas os dois, creditados oficialmente como autores da faixa, foram ouvidos no papel de testemunhas oficiais ao longo do processo, enquanto Jones estava entre os espectadores do outro lado da bancada. Mesmo assim, foi de longe uma raríssima aparição pública dos integrantes remanescentes da banda em conjunto, já que isso acontece quase nunca.

Parte da defesa do Zep veio do musicista Lawrence Ferrara, professor de música da Universidade de Nova York, que não só explicou a sua teoria como o fez tocando piano. O argumento? O riff de Stairway to Heaven é uma variação de uma “progressão cromática menor descendente”, usada há 300 anos, por uma série de músicos populares, desde o século 17. “Trata-se de um bloco de construção musical, que não pode ser considerado uma propriedade intelectual, mas um lugar comum musical. Não se trata de alguma coisa que uma pessoa possa ser dona, mas algo que compositores de todos os gêneros musicais fazem”, disse Ferrara, usando como exemplo inclusive Insensatez, música do nosso Tom Jobim, gravada em 1961.

Embora o Led Zeppelin tenha atuado como banda de abertura do Spirit durante uma turnê nos EUA em plenos anos 60, eles negaram totalmente conhecer a tal faixa Taurus e tampouco uma suposta amizade com o Spirit. “Eu não me lembro de todas as pessoas com as quais já saí na vida”, afirmou Plant, quando “relembrado” sobre uma suposta partida de bilhar com os músicos do Spirit durante os anos 70, na cidade de Birmingham, no clube chamado Mother’s, aquele mesmo do qual o frontman saiu para sofrer um já lendário acidente de carro (que aconteceu, vejam só, na mesma noite em que o Spirit tocou por lá).

O vocalista afirmou ter conhecido o Spirit de verdade através de um álbum do tipo greatest hits, no qual constava Fresh Garbage – canção cujo riff ele e o baterista John Bonham chegaram a usar em um medley chamado As Long as I Have You, numa banda pré-Led Zeppelin. Mas, já no Led, eles chegaram inclusive a tocar, em seus primeiros shows ao vivo, uma versão de Fresh Garbage, um dos poucos covers de rock que eles já fizeram em sua carreira, aliás, preferindo muito mais reinterpretações de clássicos do R&B/soul music/blues.

Page seguiu a mesma linha e disse que só ouviu Taurus pela primeira vez há alguns anos, quando seu filho lhe mostrou uma comparação entre as duas músicas em um vídeo na internet. Mas ao ser perguntado sobre porque diabos cinco discos do Spirit – incluindo aquele de 1968 no qual a faixa Taurus estava – podiam ser encontrados em sua coleção particular de álbuns, Page não soube responder. Aliás, Page foi a grande figura do julgamento. Ficou o tempo todo fazendo caras, bocas e air guitars, empolgadíssimo todas as vezes que ambas as canções eram tocadas para apreciação e comparação dos jurados.

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No entanto, se o julgamento mudou alguma coisa no imaginário popular a respeito de Stairway to Heaven, foi a história por trás de sua composição. Além de mencionar a faixa Chim Chim Cher-ee, do musical Mary Poppins, da Disney, como inspiração “crucial” para a música, eles revelaram que o clássico surgiu em uma série de ensaios no Headley Grange Studios, na Inglaterra. Sabe aquela história toda de Page e Plant nas montanhas galesas, na residência rural de Bron-Yr-Aur, onde a família do cantor costumava passar férias? Mito despedaçado décadas depois. “Uma noite, Jimmy Page e eu estávamos sentados à frente da lareira – e então me veio a inspiração e fui para o meu quarto, onde escrevi a melodia e a letra baseados na minha fascinação pela mitologia celta”, disse ele. “As montanhas do país de Gales e as regiões rurais da Inglaterra, que eu adoro”.

Esta coisa toda de associar o Led Zeppelin com acusações de plágio não é nova. Há quem defenda que os caras construíram boa parte de sua carreira “tomando emprestados” pedaços inteiros de canções de outros artistas. Whole Lotta Love, por exemplo, foi acusada de ter plagiado tanto You Need Love, composta por Willie Dixon e imortalizada por Muddy Waters, quanto a versão do Small Faces, You Need Loving (há quem diga que Plant teria copiado até o estilo de Steve Marriott cantar). E Boogie With Stu teria, de acordo com a gravadora responsável, “diversos elementos” de Ooh My Head, do finado Ritchie Valens.

O que dizer de Dazed & Confused, do cantor de folk Jake Holmes? O cara abriu os shows do Yardbirds, banda anterior de Jimmy Page – que gostou tanto que, além de fazer uma versão ao vivo com sua banda no momento, ainda levaria a dita cuja para o Led, trocando parte da letra e dos acordes e sem colocar Holmes nos créditos? Deu treta na justiça, claro. Já Bring It On Home, dividida em duas partes, traz uma homenagem inicial à faixa de mesmo nome do blueseiro Sonny Boy Williamson. Mas ele só receberia os créditos devidos muitos anos depois do lançamento do disco Led Zeppelin II.

Mas, claro, existe o outro lado. Colaborador do JUDÃO e editor do site Collectors Room, o especialista em música Ricardo Seelig já chegou inclusive a publicar um comentado texto, talvez um dos mais compartilhados com a sua assinatura, no qual afirma que resumir a obra e o legado da banda aos supostos plágios é “uma estupidez baseada em desinformação e preconceito”.

Para Seelig, em primeiro lugar é preciso entender o que é considerado plágio e o que é uma simples referência. “Em uma definição ampla, o plágio é o ato ou o efeito de tomar para si o trabalho autoral de outra pessoa. No aspecto musical, criou-se uma jurisprudência que define o plágio a partir do uso de sete [ou, em alguns casos, oito] compassos praticamente idênticos a um trecho de uma canção antecedente”, explica. Segundo ele, o rock de maneira particular, e a música popular de forma geral, alimentam-se de uma base de fórmulas e clichês bem definidos. “Todo gênero musical tem os seus. Pegue os riffs dos Rolling Stones e do AC/DC e os compare aos gravados e compostos por grandes nomes do blues como Willie Dixon, Muddy Waters e John Lee Hooker. Você irá encontrar semelhanças em várias músicas, e de maneira bem fácil”.

O jornalista afirma ainda que, o que ocorre com o Led Zeppelin propaga uma visão equivocada de que a banda construiu a sua carreira roubando a criatividade de outros artistas. “O que não é verdade”, ressalta. “O Led Zeppelin foi uma banda única por diversos aspectos. O Led redefiniu o blues, foi fundamental para o hard, mostrou que uma banda de rock não precisava e nem deveria ficar limitada ao estilo. Liderado por Page, o grupo fez experimentos com diversos gêneros no decorrer de sua carreira, sempre com êxito e com resultados muito superiores às bandas contemporâneas”.