Bloodline, Big Jato e viver “pela família” | JUDAO.com.br

“Quem não reage, rasteja”

“Pela minha família”. Essa foi a frase mais ouvida nesse Brasil de meu Deus (no caso, Baco) no dia 17 de abril, quando rolou a votação sobre o prosseguimento do impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff.

O que será “família” para aquelas vozes todas ali na infame e tão nossa Câmara dos Deputados? Confuso, né? A proximidade do Congresso de uma das maiores concentrações de puteiros de luxo do mundo torna a geografia evidência da elasticidade que tal ideia de família pode alcançar.

Sem hipocrisia. Quem nunca? A sexualidade velada alheia nem é a questão, eu pergunto sinceramente, e espero que você e seus botões me respondam da mesma forma:

O que é família pra você?

Não, cara, essa resposta aí é furada. Vamos aos livros buscar refúgio dessa ideia marromeno. Na verdade, vamos ao livro, no singular.

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Big Jato, psicografia autobiográfica do Xico Sá, no caso, último que li em 2015 e o primeiro de 2016, leitura essa que fiz em Botafogo, ali no Rio de Janeiro, em clima de reveilão, purgatório tropical ideal para pensar, com o morno beijo da ressaca na nuca, nessa coisa freudiana, gostosinha e cheia de culpa que nos fazem engolir como base da civilização.

E pior que é mesmo. Ali, no seio da mãe, no abraço do pai, a gente se forma gente, toma uns tapas, curte umas piadas, quer a sina deles, acredita que tudo isso é destino, até que cai na real: teremos que romper com essa dupla, estejam eles juntos ou separados. Tenham sido eles mãepai, paimãe, vó, vô, tio, tia, carcereiros, babás e afins.

A real é que a gente é feito pra acabar, como diz o Jeneci. Depois a gente nasce de novo e lida com a culpa por ter que cortar mais uma vez o cordão umbilical, dessa vez construído em conjunto por anos a fio. Que dureza. Big Jato é sobre isso.

Agora virou filme, então essa lição é ainda mais express, na lente safardana de Claudio Assis, que meteu logo uma psicodelia no semiárido nordestino e contou essa história com sangue no olho e doçura que só a vida de moleque pode narrar. É masculino o filme, como é masculino o livro e a ótica presente na obra do Xico, enfim, toda mulher é meio homem, todo homem é meio mulher, fodam-se os cromossomos.

Desde que o samba é samba é assim, tem disso, e isso é parte do todo, não se engane. Somos todos todxs, repito, não se engane.

Big Jato é necessário, assim como Bloodline, série do Netflix, onde uma família modelo de Key West, região paradisíaca da Flórida, vai revelando segredos tenebrosos e construindo tragédias à medida que tenta zelar pela imagem hipócrita de seus membros e pela imagem fake de união. Danny Rayburn, melhor personagem da TV (?) em 2015, na minha alegórica opinião, é o irmão rebelde, mais por falta de opção do que por talento, cuja conduta de viver indo embora e voltando cada vez arrastando mais correntes vai demolindo o barraco da galera.

Ir embora sempre inclui voltar em algum momento e os efeitos disso podem ser avassaladores, mesmo que seja de um bairro a outro na cidade. Família também é tragédia, miséria humana, sangue e porrada na madrugada, como escreveu o falecido Lobão. A segunda temporada de Bloodline é sobre isso.

Haja amor! Pela família.