Stranger Things: um portal direto para os anos 80 | JUDAO.com.br

Visitamos o set da nova série do Netflix e, entre tudo o que vimos e ouvimos (e contamos pra você), uma coisa se destaca: é uma carta de amor à chamada década perdida :)

ATLANTA ~ Parece um porão comum. Escuro, iluminação ruim, mobília velha. Na mesa, pastas de personagens de Dungeons & Dragons, além de um tabuleiro com uma partida abandonada no meio. No teto, as vigas de madeira são aparentes, assim como os fios de eletricidade do térreo. Nas paredes, desenhos feitos por crianças, um pôster do filme O Enigma de Outro Mundo e prateleiras recheadas de jogos de tabuleiro como Family Feud, Stay Alive e Upwords.

Só que este porão não é tão comum assim. Ele é frequentado por Will, um garoto que sumiu misteriosamente após uma noite de diversão ao lado dos amigos em Hawkins, no interior de Indiana, EUA. Uma história que poderia ser mais uma daquelas tragédias do mundo cão, se fosse só isso.

Will não existe. É um personagem de ficção. Porém, esse porão... Esse porão é REAL PRA CACETE. Construído nos mínimos detalhes no estúdio Screen Gems, em Atlanta, nos EUA, ele ganha vida própria e se transforma em um dos mais importantes personagens da série Stranger Things, que estreia a primeira temporada com todos os seus oito episódios no dia 15 de Julho.

Toda ambientada em 1983, a produção é uma verdadeira viagem no tempo – e uma daquelas bem gostosas de fazer. Começando pelo roteiro, que busca diversos elementos daqueles tempos e tem como inspiração na série de livros The Montauk Project, sobre uma lenda urbana bem oitentista em Long Island. Em cada objeto, cenário, figurino, efeito especial, cena... São inúmeros os elementos da década que, acredite, tem gente que tem a PACHORRA de chamar de “perdida”.

O porão da casa de um dos personagens foi o ponto de partida de uma visita que o JUDÃO fez ao set da série, em Fevereiro — uma das últimas semanas de um período de gravação que começou em Outubro de 2015. Ele também é o ponto de partida dessa história e da construção desse universo, algo que envolveu muita pesquisa e trabalho na pré-produção.

Tudo isso começou com uma pesquisa de padrões de cores, texturas e o roteiro da série, pra depois ir fundo nas próprias memórias de quem montou todo o cenário. “Um monte de referências eu tinha de memórias específicas da infância nos anos 80, então definitivamente muita coisa veio da minha própria experiência na infância, mas também tem pedaços de diversas outras referências, sabe?”, comentou Chris Trujillo, designer de produção de Stranger Things, que continuou explicando os conceitos do cenário. “A ideia dessa mobília é que ela foi reciclada, que ficou sem uso na parte de cima da casa. Você se sente mais nos anos 70 aqui, mais uma mobília antiga e pedaços aleatórios de carpete por cima do chão de concreto”.

Gravar bem longe de Hollywood ajudou com isso. Na Califórnia, existe toda uma especulação na venda de objetos antigos para filmes e séries, mas na Georgia – por mais que exista todo um estímulo para a produção lá – ainda não é assim. “O nosso período também ajudou, porque tem aquelas vendas de pessoas que morreram recentemente ou que estão de mudança. São lojas de tranqueiras que vieram do sótão. Ainda é bem próximo [o período da série] para você poder encontrar as coisas para o trabalho e elas têm esse incrível envelhecimento natural”, contou Lynda.

Lynda Reiss apresentando o porão

Lynda Reiss apresentando o porão

Com tantos detalhes e tanta mobília em um espaço tão pequeno, muita coisa precisa ser retirada de dentro do cenário durante as gravações. Basicamente, o que não estava em cena virava o local para colocar câmeras, iluminação, equipe, diretores... Depois, tudo voltava pro lugar, com o equipamento e pessoal posicionado em outro ponto do CÔMODO – e com mais objetos do lado de fora. Por isso, fatalmente algum jogo ou pequeno objeto pode parecer deslocado entre uma cena e outra, por mais que todo mundo tenha ficado ligado na continuidade. Algo pequeno, mas pode ter alguém que note... “É exatamente o que tememos”, disse Trujillo. “Eu fico entrando diariamente no Reddit”, conta Lynda, que afirmou que um esquecimento seu em outra série fez bastante barulho por lá. :)

Tudo isso pra jogar não só o espectador naquela época, mas também os próprios atores. “O primeiro dia aqui [dos garotos], jogando Dungeons & Dragons, eles estavam ensaiando... E depois de meia hora, alguém veio de fora e eles tinham esquecido que não estavam em uma casa de verdade. As crianças facilmente conseguem imergir facilmente”, disse Trujillo.

Eu mesmo só consegui relembrar que estava em um “sound stage”, como os estúdios são chamados em inglês, quando subi a escada para o térreo da casa e encontrei o vazio. O resto da construção estava, na verdade, em outro estúdio.

E não só pelos headsets, latas de Coca-Cola, caixas de pizza e outros móveis, não.

“Nós fomos até um grupo de Dungeons & Dragons, próximo da divisa de Atlanta, uma noite... e foi o lugar mais interessante pra estar com esse pessoal”, disse, aos risos, Lynda Reiss, produtora de objetos da série que antes trabalhou em produções como Beleza Americana e True Detective, explicando que foi fundo na pesquisa do universo do RPG para criar os objetos dos personagens, dando vida para o cenário que, na história, é usado pelos amigos Mike, Lucas, Dustin e, claro, o próprio Will.

Stranger Things

Imagina uma casa inteira. Paredes, telhado, varanda, móveis, portas, objetos, luzes... Tudo totalmente montado dentro de outras quatro paredes. Foi o que vi. Quer dizer, quase tudo: uma ou duas paredes estavam fora do lugar para acomodar as câmeras e a equipe de produção, que provavelmente havia gravado ali horas antes. Pelo mesmo motivo, a sala da casa era uma bagunça só, com os móveis reunidos em um montinho bem no meio do cômodo.

Foi assim que conheci a casa de Will (Noah Schnapp) e Joyce (Winona Ryder).

E essa casa é tão sensacional quanto o porão: uma recriação nos mínimos detalhes. Um dos quartos é como o sonho de qualquer garoto da época: pôsteres de Evil Dead e Tubarão na parede, referências a David Bowie, vinis e mais vinis prontos para serem ouvidos, caixas de som gigantescas... Pelas janelas, é possível ver uma enorme fotografia reproduzindo uma vegetação – registro idêntico ao da locação no qual foram feitas as cenas do lado de fora. “Isso é exatamente o que você veria do exterior da casa real”, comentou Trujillo.

Porém, mais do que tudo, uma coisa chamou a atenção em todo o cenário da casa: luzes. De natal, daquelas grandonas, espalhadas por diversos cantos. Elas não estão lá desde o começo da série, mas fazem parte do plot maior, do paradeiro de Will. Uma forma de comunicação improvável com ele, que a mãe e os amigos conseguiram.

Will e Joyce em casa

Will e Joyce em casa

O terceiro set visitado foi completamente diferente: um laboratório — porque, né, anos 80. O sumiço de Will não é um caso normal, mas está diretamente ligado a experimentos que estão sendo feitos pelo governo numa base ali em Hawkins, tudo liderado pelo Dr. Brenner (Matthew Modine). Computadores enormes, botões, fitas e tudo mais lembrando um laboratório secreto do final dos anos 70 e começo da década seguinte – um daqueles que você nunca visitou, mas que viu filmes o suficiente pra sacar como eram.

No momento da visita, a equipe de produção estava BEZUNTANDO aquele lugar de uma espécie de gosma vermelha, que de alguma forma lembram ENTRANHAS humanas. Não é como se você esperasse encontrar esse tipo de coisa em laboratórios que você viu tanto nos filmes que assistia quando criança, mas lá estavam sendo colocados, em alguns buracos, esse negócio nojento. Buracos? Sim, pra uma OUTRA dimensão, resultado de uma grande merda que rola ali. “Temos diversos amantes [do visual] dos anos 80, antes do CGI...”, comentou Trujillo enquanto mostrava a equipe trabalhando na pintura de cada detalhe dos efeitos práticos.

Pelo que vimos no segundo trailer de Stranger Things dá para perceber retoques feitos com computação gráfica nos mesmos detalhes, mas saber que eles estava LÁ, fisicamente, dá uma outra dimensão para os efeitos especiais. Sabe o BB-8? :)

Retocando os últimos detalhes... no portal pra outra dimensão

Retocando os últimos detalhes... no portal pra outra dimensão

Back to school


Saindo da Screen Gems fomos para uma locação, uns 40 minutos distante de carro. É em Stockbridge, uma cidadezinha da Georgia com cerca de 25 mil habitantes, onde fica a Henry County Education Center – uma antiga escola que, hoje, é usada para treinar novos profissionais da educação. Porém, por alguns meses, aquela virou uma escola da fictícia cidade de Hawkins, Indiana.

Te falar que o clima dos bons tempos daquele prédio estava de volta. Logo ao chegar, cruzaram a minha frente parte do elenco principal, figurantes e toda uma galera, correndo para o local onde, como descobri depois, era servido o almoço. Liderando a TRUPE, Gaten Matarazzo e Caleb McLaughlin, respectivamente Dustin e Lucas, protagonistas da série e dois dos garotos do porão escuro que abrira aquela visita.

Lá dentro a sensação continuou. Cada mural nos corredores, calendários, equipamentos eletrônicos e até a máquina de refrigerantes eram de 1983, tudo como se voltasse aos anos de glória daquele antigo colégio. No ginásio foi igual: o barulho de bolas de basquete quicando no chão podia ser ouvido ainda antes de entrar. Só que ao passar dessa porta, não vi um grupo de alunos com 13 anos, mas sim os marmanjos da produção batendo uma bolinha antes de voltar às gravações, num inundado de gelo seco que, com o fim do RECREIO, passou a ser preparado para a gravação de uma cena do oitavo AND último episódio da primeira temporada da série.

No lugar marcado para Gaten a Caleb estavam duas mulheres. O motivo era bem simples: crianças têm, por lei, que trabalhar menos horas por dia. Adultos podem fazer horas extras, então eles são alocados como figurantes e coisas assim, mesmo que seja no papel de um adolescente, por exemplo. Aquelas meninas, especificamente, eram stand-ins, pessoas com o mesmo biotipo e altura (e que vestem o mesmo figurino) dos atores principais, ajudando a equipe técnica a ter certeza se o enquadramento, a luz e todos os equipamentos estão ok para gravar com o atores, que só entram quando são realmente necessários.

Agora, por que mulheres e não homens? Bom, fica difícil achar um homem com a altura e tipo físico de um pré-adolescente, né? :P

Tudo pronto, Gaten e Caleb entraram para gravar a cena na qual precisavam montar uma piscina inflável no meio do ginásio com o objetivo de abrir um canal direto com a tal outra dimensão, aquela mesma do laboratório do governo. Não foi uma tarefa fácil: precisaram de diversos takes para a cena ficar perfeita, tudo porque a tal banheira não queria abrir do jeito certo – o que fazia os garotos se enrolarem, esquecerem as falas ou até demorarem mais tempo do que deveriam. Os diretores AND irmãos Matt e Ross Duffer, que dirigem juntos a cena e são os responsáveis por criar todo o conceito da série, não perderam a calma e foram dando dicas para os dois atores. Eventualmente, a cena saiu.

Stranger Things

Num tempinho entre as gravações, os Duffer vieram contar um pouco de tudo aquilo. Pensada com linguagem cinematográfica, Stranger Things é como um grande filme, mas que não precisa ser necessariamente visto em oito horas seguidas. Uma das grandes influências também vem do cinema: o diretor Steven Spielberg, sendo a outra o escritor Stephen King.

A ideia da dupla é que as três faixas etárias de elenco funcionem como diferentes referências à época, além de terem um apelo com diferentes faixas do público. Os adultos, por exemplo, são retratados como personagens de um filme do Spielberg, enquanto os adolescentes do elenco parecem ter saído de um filme de terror como Halloween ou A Hora do Pesadelo. Já as crianças vivem um conto do Stephen King: excluídos de uma cidadezinha no meio do nada que precisam enfrentar um grande temor.

Depois do rápido papo, as gravações foram retomadas. E foi com a mesma cena, agora com uma outra câmera, instalada em uma grande grua para registrar uma visão aérea da cena – algo comum numa produção assim, chamada de “single camera”, na qual uma cena é repetida diversas vezes para se obter os mais diversos ângulos. Com mais habilidade com a piscina de plástico, os dois garotos tiraram de letra. Mais uma cena gravada na conta.

O objeto de outro mundo: uma vitrola


No meio dessa história toda há ainda uma personagem misteriosa, uma garota de cabelo raspado que surge do nada e vai ajudar os garotos do porão a entender o que aconteceu com o Will – e chamada apenas de ELEVEN. “Ela tem uma personalidade estranha, é bem imprevisível”, contou com um fofíssimo sotaque britânico a atriz Millie Boby Brown, que dá vida pra garota na série, enquanto o resto do elenco e da equipe continuava gravando ainda dentro do ginásio. “Ela é uma garota de 11 anos com telecinese que foi presa em uma base com uns caras estranhos, e eles fazem experimentos nela”

Aliás, não foi só a personalidade da Eleven que foi estranha, não. Pra Millie, muita coisa no set era novidade. “Antes do Natal, eu não tinha ideia do que era um toca-discos”, disse, aos risos. “Eu estava no porão com os garotos e disse [sussurrando] ‘o que é isso? Sabe, parece que toca música’. Era tão divertido que no Natal eu ganhei um e amei!”.

Bom, não vai ser só a atriz que vai conhecer um toca-discos, aka a boa e velha VITROLA, por causa da série. Apesar do grande apelo com quem já está com seus 30 anos, Stranger Things tem toda essa garotada no elenco, que deve chamar a atenção da galera entre 10 e 13 anos. Gente que vai descobrir o que é vinil, walkie-talkie, fita K7 ou ter que TELEFONAR pra poder conversar com um amiguinho — correndo o risco de ver a ligação ser atendida pelo pai ou pela mãe dele...

Stranger Things parece ser uma grande aposta do Netflix, misturando conceitos, lembranças e ideias de uma época na qual a cultura pop era tão ou mais interessante quanto hoje. No próximo dia 15 de Julho a gente vê o resultado. :)

O Judão viajou a convite do Netflix.