Fashion horror do diretor de Drive é tão fútil, vazio, pedante e chato quanto o próprio universo da moda pode ser
Pra quem não sabe, Nicolas Winding Refn, o diretor de Drive e Só Deus Perdoa, é daltônico. Esse é um dos motivos para ele inundar seus filmes de um colorido berrante, de alto contraste e supersaturação, sempre puxando para o dourado, azul, magenta e fúcsia.
Pois bem. O fashion horror O Demônio de Neon, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, parece ser a epítome do orgasmo visual do diretor dinamarquês. De uma ASSEPSIA estética absurda, milimetricamente planejada para ser um desbunde visual de beleza caótica e trabalhando ao lado da NABABESCA fotografia de Natasha Braier e da trilha sonora retrô e sufocante de Cliff Martinez com seus sintetizadores monocórdios, a fita tinha tudo para ser uma experiência cinematográfica para todos os sentidos.
Isso, claro, se ela não fosse tão fútil, pedante e chata quanto uma fatia do próprio mundo da moda que tenta retratar.
Desde seu primeiro frame até o final, você parece estar assistindo a um videoclipe da Lady Gaga com duas horas de duração. Tipo como se Paparazzi tivesse sido banhado ininterruptamente de neon e contraste de cores lá no talo. O resultado é capaz de entediar inclusive aquele que teve a maior das boas vontades em tentar acompanhar até o fim a masturbação visual de Refn.
Uma fábula da alta costura que representa um universo repleto de vaidade, mesquinharia e inveja, altamente competitivo e canibalesco, é jogada diante de nossos olhos com todos os seus simbolismos e um tiquinho de ocultismo através da figura de Jesse, a personagem de Ellie Fanning, uma jovem menor de idade, aspirante a modelo que se muda para Los Angeles para tentar seu lugar ao sol.
Dotada de uma beleza VIRGINAL, logo ela passa a se tornar a queridinha da indústria e, não só isso, objeto de fetiche e desejos obscuros, enquanto suas colegas de trabalho – todas mais velhas – incomodadas pelo seu sucesso e rápida ascensão, passam a invejá-la e vampirizá-la, querendo possuir aquele “mojo” que só a menina parece ter. Toda essa juventude imaculada logo desaparece enquanto mais e mais ela se rende às podridões do haute couture e culmina quando a moça se entrega de vez ao tal “Demônio de Neon” do título, um estroboscópico prisma brilhante – proibido para epilépticos – que nada mais é do que uma metáfora do óbvio “sucesso tentador que subiu à cabeça”, algo que mudará de vez seu comportamento.
Refn aposta no chamado pretty ugly, o lindo que se revela assustadoramente horrendo por dentro, mas o faz com uma exuberância blasé, fria, indiferente, o que acaba por distanciar o espectador de qualquer empatia com a trama ou seus personagens. Você simplesmente não se importa com ninguém.
Enquanto Fanning mantém a mesma expressão entojada do começo ao final, não explorando em nada sua transformação degradante, Christina Hendricks dá as caras em apenas uma única cena e Keanu Reeves em no máximo duas, ambos completamente subaproveitados no elenco. Se alguém de fato desperta interesse no filme é a Ruby de Jena Malone, que divide seu tempo entre maquiadora de moda e de defuntos (mostrando que a vida realmente não está fácil para ninguém). Ela consegue contrastar o altruísmo de uma paixão por Jesse com seu coração negro e o segredo exposto em uma cena altamente controversa a la Jörg Buttgereit (o alemão responsável pelo fortíssimo Nekromantik). Aliás, a tal sequência parece ter sido colocada ali nitidamente apenas pra chocar, de tanto que ela destoa da plasticidade cafona do restante do filme.
Desde a primeira olhada no trailer e na sinopse de O Demônio de Neon, era impossível evitar comparações com Suspiria, a obra-prima de 1977 do diretor Dario Argento. O frenesi no fã de horror foi que Refn fizesse esteticamente pelo gênero o que fizera pelo cinema de ação em seus dois filmes anteriores. Ledo engano. A paleta de cores de Suspiria está toda lá (o vermelho, o azul, o rosa), assim como o mise-em-scène e até a atmosfera, com a trama substituindo o balé pela moda. Mas não deixe se enganar ou empolgar com qualquer comparação entre ambos.
Há uma ÚNICA e SINGULAR cena realmente FODA que se destaca ao longo da árdua tarefa de ver este filme. Ela rola quando, em seu terceiro ato, Refn emula Argento – impossível não comparar com a cena de fuga de Suzy Bannion nos corredores da escola alemã de balé para moças de fino trato – entregando uma conclusão realmente gráfica, suja e impactante. O longa deveria terminar bem ali, mas continua por mais uns bons minutos insuportáveis enquanto sua paciência definha, arrastando-se até a bizarrice do ultraje final.
Eu realmente sou fã de Refn. De verdade. Drive é um dos meus filmes preferidos do século, acho Bronson fora de série e até confesso gostar do visual e da violência estilizada de Só Deus Perdoa, no qual claramente o dinamarquês já havia perdido a mão em seu exagero. Mas é uma tarefa HERCÚLEA conseguir encarar a chatice conceitual, afetada e pretensiosa de O Demônio de Neon. É uma beleza de encher os olhos. Porém completamente vazia.