Green Day volta às origens para passar um recado sobre o mundo de hoje | JUDAO.com.br

Revolution Radio, novo álbum do trio, surge com a mesma urgência de suas raízes, bem menos megalomaníaco do que American Idiot mas ainda disposto a botar a boca numa realidade que vive sob a ameaça de Trump

Como toda boa banda punk, o Green Day nasceu tocando com toda a vontade do mundo em uns botecos apertados para um bando de animados bebuns, se entregando de corpo e alma no palco e quebrando tudo como se não houvesse amanhã.

Portanto, chega a dar gosto ver que, quase três décadas depois, o trio de quarentões formado por Billie Joe Armstrong (vocal/guitarra), Mike Dirnt (baixo) e Tré Cool (bateria) ainda tenha bastante deste tesão adolescente para entregar um disco como Revolution Radio, seu primeiro álbum de estúdio em quatro anos. Em termos de energia e vibração, é uma porrada que nada deixa a dever a um Dookie (1994) da vida, por exemplo.

Revolution Radio é, antes de qualquer coisa, um disco que se contenta em ser apenas um apanhado de músicas que ecoa as raízes mais viscerais do grupo. Ele não tem a necessidade de ser um projeto megalomaníaco como American Idiot (2004), um álbum conceitual em forma de ópera rock que virou peça da Broadway e agora vai virar filme. Ou tampouco a trilogia ¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré!, de 2012, bem mais suave, quase dançante, cheia de excessos que por vezes pareciam até um flerte meio progressivo.

Tava na hora de lançar só um disco. Apenas isso, uma parada mais focada, mais certeira, produzida pelos próprios músicos. O resultado é um ótimo álbum, claro, Green Day sendo o melhor que o Green Day pode ser, mas que não tem qualquer pretensão de se tornar uma obra prima. Ainda bem.

Uma coisa é importante dizer aqui: esta parada de “volta às raízes” não pode ser do tipo que coloca Revolution Radio na incômoda caixinha da nostalgia barata. Não, nada disso. Até porque o som “de raiz” do Green Day, o que é básico para os caras, não é e nem nunca foi apenas aqueles meros quatro acordes, o “1, 2, 3, 4, vai!” dos Ramones.

Aqui tem muito da velocidade, da inquietude, do desespero, do barulho, da raiva, da crueza. Mas é um disco que sabe bem conversar com outros gêneros musicais quando necessário, incluindo até mesmo uma inteligente camada mais pop. Outlaws, por exemplo, é uma excelente power ballad de gosto setentista, com um riff que nada deixa a dever aos heróis da banda — que, eles mesmos já disseram algumas vezes, não são apenas os ícones do punk, mas caras como Queen, The Who e Cheap Trick (que, se você não conhece, certeza de que deveria).

“I never wanted to compromise or bargain with my soul / How did a life on the wild side ever get so dull?”, pergunta-se Armstrong em Somewhere Now, que abre os trabalhos com jeitão de baladinha mas depois traz uma guitarra carregada para te fazer entender exatamente qual é a do que vem pela frente.

gn_04Da mesma forma que American Idiot conversava diretamente com a realidade de medo e paranoia pós 11 de setembro, este Revolution Radio surge como reflexo de um momento político bastante delicado.

As letras refletem imagens tumultuadas de guerras, conflitos religiosos, racismo, destruição ambiental e, bom, um candidato a presidente dos EUA que com suas propostas de muros e armas para todos não ajuda em nada a ter um cenário mínimo de esperança que tudo isso possa mudar em breve. “We live in troubled times”, diz a faixa de mesmo nome. Verdade.

A cacetada galopante de Bang Bang, excelente escolha para primeiro single, é a explosiva história de um atirador, um destes matadores que invadem escolas com armas em punho, e aproveita para criticar o tipo de cobertura que a mídia dá para este tipo de caso (“I wanna be a celebrity martyr / The little man in my own private drama”). Já a faixa-título, urgente e intensa, foi inspirada em um protesto do Black Lives Matter no qual o próprio vocalista participou (“Scream, with your hands up in the sky / Like you want to testify / For the life that’s been deleted”).

E o que dizer da empolgante Forever Now, a mais longa e talvez uma das melhores do disco, que apesar da melodia iluminada, tem uma letra biográfica (“My name is Billie, And I’m freaking out”) que conversa diretamente com a primeira música do álbum e dispara sua falta de esperança com o futuro: “If this is what you call the good life / I want a better way to die”. Por vezes o discurso pode parecer confuso, caótico, com metáforas até meio óbvias. Mas de alguma forma, faz bastante sentido.

Setembro acabou, alguém foi lá acordar aquele carinha e parece que ele tava com fome de falar sobre a vida usando a sua guitarra. Ainda bem que outubro chegou e alguém colocou uma revolução para tocar na rádio. Ou no computador. Ou onde caralhos você escute música hoje em dia.