Primeira edição da série, o grande evento aracnídeo do ano, traz sombras do passado de Peter Parker para chacoalhar o seu presente que parecia estar caminhando tão bem…
SPOILER! Dan Slott é mesmo um sádico no que diz respeito ao Homem-Aranha, por mais que ele confesse, ao THR, que o Cabeça de Teia não é apenas o seu personagem favorito dos quadrinhos, mas também seu personagem favorito da ficção como um todo (à frente, inclusive, do Doctor Who, pelo qual ele é assumidamente maluco). “Este é meu trabalho dos sonhos desde que eu tinha oito anos de idade”, afirma.
Mesmo assim, mesmo gostando tanto do sujeito, será que ele não se cansa de torturar Peter Parker? “Não. Eu poderia fazer isso pra sempre. Meu objetivo é quebrar o Homem-Aranha. Este é o meu objetivo, todas as vezes. Tentar encontrar uma forma de quebrar o Homem-Aranha”.
Sua mais nova empreitada pra bagunçar a vida do herói é The Clone Conspiracy, série em cinco edições cujo primeiro número acaba de ser publicado pela Marvel. Batizado de “evento aracnídeo do ano”, com seus efeitos espalhando-se não apenas pelas páginas de Amazing Spider-Man mas também pelos outros títulos relacionados (como as revistas da Teia de Seda e do Gatuno), a trama tem uma pegada muito simples: Miles Warren está de volta. Você sabe, o Chacal. Aquele cara que, desde os anos 70, fica fazendo clones de Peter e sua amada Gwen Stacy por aí. E eis que ele agora está trazendo do mundo dos pés juntos tudo quanto é morto importante da vida de Peter, sejam eles pessoas amadas ou vilões clássicos.
Todo leitor fiel do Homem-Aranha sabe bem que estamos falando de um super-herói que é tão definido pelas pessoas que ele perdeu ao longo da vida (Tio Ben, Gwen Stacy, Capitão Stacy, Jean DeWolff, só pra citar alguns) quanto pelo mantra de “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”.
O Escalador de Paredes tem uma habilidade inata para se culpar por todas as tragédias que acontecem ao seu redor que é tão grande quanto o seu talento para piadinhas infames. A morte está sempre caminhando ao seu lado e é, de longe, o seu inimigo mais implacável. “Todo mundo morre”, diz Parker.
A saga começa justamente no funeral de Jay Jameson Sr., o pai de J.Jonah Jameson e segundo marido da Tia May. Ele morreu de causas naturais, devido à idade avançada, mas é claro que Peter acaba culpando a si mesmo – e, obviamente, ao Homem-Aranha – pelo novo momento de luto da mulher que é como uma mãe para ele.
É a partir de uma nova tecnologia que poderia ter salvado a sua vida que a história começa. Ao investigar o que teria rolado com um outro paciente que acionou o seu Sentido de Aranha, ao chegar no laboratório responsável pelo tal tratamento, ele dá de cara com um fantasma de seu passado, de bigodão e tudo: Miles Warren. Miles = clones. Ou seja, fodeu. DE NOVO.
O Homem-Aranha é tão definido pelas pessoas que ele perdeu ao longo da vida quanto pelo mantra de “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”
Quer dizer, tem uma diferença aqui. Quando Miles criava os clones do casal 20 da escola, ele os fazia a partir de amostras de sangue. Ou seja, espécimes como Ben Reilly e Kaine têm suas memórias até o momento em que a amostra foi coletada. Mas agora o Chacal aperfeiçoou seus métodos, coletando as amostras para criar suas cópias a partir dos restos mortais de seu alvo. Logo, o novo formato de clone tem absolutamente todas as memórias do original até o dia de sua morte. São cópias completas. Eles são, como o Chacal os batiza, “reanimados”. Eles são diferentes de clones e, segundo Dan, melhores do que eles. “O Chacal se torna aquele demônio com quem você pode fazer um acordo. ‘Você perdeu alguém? Eu posso trazê-lo de volta’. Não importa quem seja”, diz. O conceito é realmente bastante interessante.
É este tipo de promessa que coloca, por exemplo, o Rhino trabalhando com todas as suas forças ao lado do Chacal, esperando que sua esposa Oksana volte para seus braços. E é também a arma que o vilão usa para fazer com que a nova versão de Gwen Stacy aceite se tornar mais do que uma isca para o Aranha, mas também sua aliada. Porque, ao retornar com a lembrança imediata de sua morte na Ponte George Washington, ela se depara com alguém que lhe aquece o coração e traz toda a esperança que ela precisava para encarar este novo mundo repleto de descobertas, muitos anos depois: seu pai, George Stacy. Jogo baixo, a gente sabe. Mas não dava pra esperar menos.
Da mesma forma que pudemos sentir conforme a fase Homem-Aranha Superior se desenrolou, este primeiro número de The Clone Conspiracy já prova que Slott, roteirista do Aranha há nove anos, compreende o herói INTRINSECAMENTE, por mais que seja constantemente metralhado no Twitter com mensagens do tipo “você não entende o personagem”. Estamos falando do cara que, em termos estatísticos, escreveu um em cada cinco números da revista Amazing Spider-Man já publicados na história. “As pessoas me perguntam ‘qual é o seu vilão favorito do Homem-Aranha?’ e minha resposta sempre é Peter Parker, porque ninguém pode zoar mais a vida dele do que ele mesmo”, explica o autor. E isso faz MUITO sentido aqui.
The Clone Conspiracy começa num momento em que Peter Parker finalmente conseguiu. Ele tem tudo que sempre quis. Uma corporação científica global, a sua Parker Industries, com sedes no mundo todo; uma instituição filantrópica, a Uncle Ben Foundation, que está tentando fazer do mundo um lugar melhor. A vizinhança que o nosso amigão de sempre cobre ficou ainda maior. Ele conseguiu, de alguma forma, dar mais espaço para a própria vida pessoal. “Ele é o Peter, que está tentando ser Tony Stark mas ainda é o Peter. Ele adoraria ser aquele sujeito estiloso e cheio de marra, mas não consegue”, diz Slott. “Ele não é um bilionário playboy, não é um alienígena, não é um deus. Ele é o cara da sua vizinhança que tropeça e cai, que caga com as coisas das mesmas formas que você cagaria”.
E se tem uma coisa na qual Peter é especialista, é em cagar as coisas. “O velho azar dos Parker”, sabe? Tava tudo caminhando bem demais. Alguma merda aconteceria, eventualmente.
A arte limpa, elegante, clássica e cheia de agilidade de Jim Cheung (agradecemos imensamente por não terem sequer cogitado a hipótese de colocar o Humberto Ramos aqui) complementa não apenas os diálogos inteligentes de Slott mas também o perfeito equilíbrio entre passado e presente que parece que vai marcar The Clone Conspiracy. Vemos o desenvolvimento da relação de Peter com Anna Maria Marconi, o antigo amor da vida de Otto Octavius, talvez uma das personagens coadjuvantes mais interessantes surgidas na fase Superior. Ela se torna amiga e confidente do herói, encobrindo suas saídas estratégicas como vigilante mascarado e sendo a voz da razão que ele deveria ouvir de vez em quando. Temos ainda o surgimento da nova Elektro, uma mulher que assume o uniforme e os poderes de Max Dillon e, bingo, acaba sendo derrotada pela estratégia mais antiga do mundo, talvez uma das primeiras que o Aranha usou contra o seu antigo inimigo.
Só que aí, além da aparição da Gwen, que obviamente mexe com a cabeça do nosso herói (“ela é só um clone, pense direito, seja racional, mas...”), acontece aquilo que a gente já imaginava que rolaria e que talvez seja um dos principais motivos de The Clone Conspiracy existir: a volta do Doutor Octopus. Do jeito que a relação entre Otto e Peter foi bem costurada nos números finais de Homem-Aranha Superior, o seu retorno não só era bastante aguardado (é, isso mesmo, foda-se o Duende Verde, em nome de Odin!) como serve de gancho ideal para o próximo número.
A história principal ainda é complementada por uma secundária, acertadíssima, que usa um traço que emula o do próprio John Romita para relembrar a noite da morte de Gwen Stacy só que sob o ponto de vista dela. É quando a namorada de Peter descobre, graças ao Duende Verde, que o homem que ela ama é o Homem-Aranha. Justamente a ameaça mascarada que “ajudou” a matar o seu pai. Ela morre magoada, ao saber que Peter mentiu para ela. Para quem derramou lágrimas ao ler a história original, dá mesmo uma dorzinha no coração ler aqueles que teriam sido os seus pensamentos finais (“não é justo, eu não mereço”), apenas para depois vê-la acordando, ainda atordoada, no laboratório do Chacal.
Este primeiro número de The Clone Conspiracy faz tanto sentido dentro do momento atual do Teioso que a gente não apenas elogia a coragem de Dan Slott em mexer no vespeiro que foi a amaldiçoada Saga do Clone como também chega a pensar, inevitavelmente, que talvez seja interessante, afinal de contas, vê-lo cruzar a fronteira final. Aquela que muita gente tinha medo que pudesse acontecer assim que a história foi anunciada. “Num painel da SDCC, eu ouvi alguém implorando para eu não trazer o Tio Ben de volta, por favor, não importa o que eu fizesse. Todo mundo com tanto medo de que... isso... pudesse... acontecer”, explica Slott, com uma pausa dramática que quer dizer muito. “Vocês terão que esperar pra ver”.
Dan Slott conseguiu me fazer gostar de uma história tipo Sexta-Feira Muito Louca e ainda achar um dos melhores momentos do Homem-Aranha nos últimos anos. Logo, ele ainda tem créditos suficientes pra me fazer encarar uma releitura dos clones e ainda uma eventual “ressurreição” do Tio Ben. Aguardemos os próximos capítulos. E os próximos clones também.
PS: Fica uma questão adicional aqui no ar. Miles aparece em um determinado momento, mas o Chacal apenas em outro diferente. E nunca fica claro que eles são a mesma pessoa. Aliás, o vilão está com um novo visual, de terno e com uma máscara meio egípcia que cobre apenas parte do rosto, não aquela parada antropomórfica que o fazia parecer uma versão humanoide do Coiote do Papa-Léguas. Será que este Chacal é o próprio Miles Warren ou alguém misterioso usando a mesma identidade e que trouxe o próprio cientista dos mortos para ajudar a cumprir seus DESÍGNIOS MALÉFICOS? Pode ser que o roteirista esteja planejando OUTRA virada no meio desta maluquice...