Batman #12 traz uma nova perspectiva para as motivações do Cavaleiro das Trevas, nos fazendo pensar sobre vida, morte e suicídio
SPOILER! O Batman é um dos personagens mais fascinantes de nossa mitologia moderna. Em um só herói conseguimos reunir todas as qualidades e defeitos do mundo hoje. Por um lado, ele combate o crime e protege os inocentes, tudo isso sendo apenas um homem como eu e você, com um pouco mais treinamento e dinheiro, mas com todas as nossas dúvidas e fraquezas. Por outro lado, ele empurra goela adentro da sociedade uma visão muito pessoal de justiça e de punição. Ele acredita que pode fazer a diferença, mas, sozinho, muitas vezes o que consegue é provocar uma pesada reação contrária.
Porém o que levou um garoto a fazer isso, ter essa escolha de vida? Vingança, ok. Ele jurou que nunca mais deixaria aquilo que aconteceu com Thomas, Martha e ele se repetir. Um aspecto já explorado diversas vezes, por diversos roteiristas, sempre com um toque a mais. Só que isso é o suficiente?
Na semana passada o roteirista Tom King e o artista Mike Janin resolveram reexaminar alguns aspectos dessa motivação do herói em Batman #12, parte do Rebirth da DC. Só que não, não se trata de uma nova história de origem, como deve ter gente pensando. É muito mais profundo do que isso.
A edição é a quarta parte do arco I Am Suicide, que explora o retorno de Bane junto com o Pirata Psíquico, aquele que pode manipular as emoções das pessoas. O Homem-Morcego então vai procurar a ajuda de dois vilões, o Scarface e a Mulher-Gato, para combater o antagonista principal.
O interessante é que King, em diversos momentos, deixa de lado a luta contra Bane para focar no relacionamento de Bruce Wayne e Selina Kyle. Ele explora o quanto esses personagens são, ao mesmo tempo, parecidos e diferentes – e como um encontra conforto no outro justamente por essa semelhanças, enquanto as diferenças acabam por sempre separá-los ao final das histórias.
É esse último ponto que faz com que a Mulher-Gato acabe se unindo ao Bane, ajudando-o para finalmente quebrar o Morcego. Quando a quarta parte do arco começa, o roteirista nos leva a acompanhar o ataque de Bruce à prisão de Peña Dura, na ilha de Santa Prisca, lugar onde o vilão grandão cresceu e que, agora, é a base dele.
Enquanto o Morcegomem soca e chuta capangas, numa arte incrível de Janin, King vai nos apresentando uma carta escrita por Bruce para Selina, uma resposta a uma carta que ela mesma escreveu ao ~amado há duas edições. E é aí que a HQ ganha novos contornos. Bruce confronta Selina sobre o fato dela ter matado 237 pessoas. Que sim, ele se veste como morcego, que isso seria hilário. Mas não é. Nada disso é divertido. Nada disso é sobre juramentos vazios.
“Eu tinha dez anos”, escreve Bruce. “Eu peguei uma das lâminas de barbear do meu pai, e fiquei de joelhos. Eu coloquei o metal no meu pulso. A lâmina fria cortando. O sangue em minha mão. E eu olhei para cima, para minha mãe e meu pai. Eu lhes perdi perdão. Eu sentia muito. Eu estava de joelhos em Gotham. E eu estava rezando, juntando minhas mãos naquele instante, com o sangue e a lâmina aquecida entre elas. Eu rezei. Ninguém – ninguém me respondeu. Ninguém me respondeu. Ninguém me respondeu. Eu estava sozinho. Como todo mundo, como todo mundo em Gotham. Nós estamos de joelhos, nossas mãos juntas, o sangue e a lâmina quente entre elas. Nós rezamos. E ninguém responde”.
“Nós rezamos. E ninguém responde”.
Bruce continua: “Eu deixei a lâmina cair, e entendi o que estava feito, o que eu fiz, eu me entreguei. Minha vida não era mais minha vida. E eu sussurrei: ‘Eu juro pelos espíritos dos meus pais que irei vingar a morte deles dedicando o resto da minha vida à guerra contra os criminosos’”.
“Então é isso que é. As orelhas. O cinto. A gárgula. Não é engraçado. É a escolha de um garoto. A escolha de morrer. I am Batman. I am suicide”.
Assim, de forma única, a história redefine o conceito do Batman. Não é apenas sobre vingança. Não é só por causa dos tiros e das mortes no Beco do Crime. É mais do que isso. É sobre todos aqueles que, como Bruce, desistem da vida. A cada noite, Bruce Wayne também desiste da própria vida. Ele morre. E dá lugar ao Batman, um ser que não teme a morte e vinga todos aqueles que estão de joelhos.
É por isso também que ele deve perseguir Selina Kyle, que ele precisa contar tudo aquilo. A morte de tantas pessoas não é justa. A Gata diz que é pelo sofrimento dela, ou por aqueles que sofreram nas mãos de quem ela mata, mas a morte, na visão de Bruce, não é isso. “Os mortos sabem que a morte é uma escolha. E eles não fazem essa escolha por ninguém”. Por isso que o Batman não mata. A vida é de cada um de nós para escolher o que fazer dela, inclusive encerrá-la.
Tudo isso tem um significado profundo, que faz pensar muito além das 32 páginas de Batman #12. O suicídio mata cerca de 800 mil pessoas por ano, de acordo com a OMS – e, para cada caso, há pelo menos 20 tentativas fracassadas. Pessoas de verdade, de carne osso, que tinham muito ainda por viver. Entre a faixa etária de 15 e 29 anos, apenas acidentes de trânsito matam mais. Pessoas que, de joelhos, escolhem desistir deste mundo.
É complicado analisar a escolha de Tom King para o Batman nessas circunstâncias. É algo profundo, que alguém pode encarar como um encorajamento ao suicídio – afinal, o personagem lida com essa escolha como algo natural de todos nós, que só nós mesmos podemos decidir.
Por outro lado, prefiro encarar essa visão como um encorajamento. Bruce Wayne estava de joelhos, com o sangue e a lâmina quente entre as mãos. Deixar a vida escorrer por elas era o caminho mais fácil. Mas não era digno morrer assim, rendido. Não era certo desistir da própria vida enquanto ainda havia tanto para lutar, para fazer.
O certo é que a solução não vem de fora. Ela vem de dentro de todos nós. Todo mundo leva porrada, cai, sofre, perde alguém, perde o objetivo. Que a morte então não sirva como caminho fácil para se escolher, mas como estímulo para fazermos escolhas melhores para a nossa vida. Para nunca ficar de joelhos.
Funcionou para Bruce Wayne. Que funcione para nós, então.