Vítima de terríveis adaptações de seus livros para o cinema e depois de um loooongo hiato sem um agente, o escritor de terror parece estar recebendo uma terceira chance do destino, o que beira o inacreditável
Houve uma época, que rolou dos anos 80 até o final dos anos 90, em que a literatura de horror e suspense vivia uma saudável disputa entre dois autores que eram verdadeiras máquinas de publicar livros, enquanto produtoras de cinema lutavam para adquirir os respectivos direitos de adaptação para as telonas. Um deles é Stephen King, que você bem conhece. O outro, Dean R. Koontz, tá bom, você pode nunca ter ouvido falar no cara. Mas acredite em mim quando digo que estamos falando de um dos escritores mais vendidos e populares de seu tempo, com mais de uma dezena de títulos dominando a tradicional lista de bestsellers do New York Times.
Depois de muitos anos sem qualquer representação em Hollywood, finalmente Koontz assinou com a Brillstein Entertainment Partners para negociar os direitos de suas obras para o cinema e para a TV, informa o Deadline. “Eu nunca penso em cinema quando escrevo meus livros, o que é uma das razões pelas quais eles não são facilmente adaptáveis”, disse ele, em 2008, numa entrevista pro site Strange Horizons. “Mas, de qualquer forma, nos últimos anos, eu preferi seguir o meu caminho para evitar que filmes fossem feitos com base nos meus livros”.
Tal posição tem razão e bons motivos pra ter sido tomada.
Em 1974, King lançaria seu primeiro livro, Carrie, que seria levado aos cinemas pelas mãos de Brian DePalma e bom, o resto é história. Koontz, por sua vez, teve seu primeiro romance, Star Quest, publicado em 1968, e cinco anos depois, em 1973, escreveria seu primeiro de muitos objetos de culto entre os fãs do gênero, o sci-fi de horror A Semente do Diabo.
Se você, leitor das antigas, não tá reconhecendo o título e nem ligando o nome ao livro, tudo bem, a gente entende. Afinal, TRÊS publicações com esse mesmo título saíram aqui em terras tupiniquins durante o mesmo período, o que levou a uma confusão generalizada para catalogação: teve O Bebê de Rosemary, de Ira Levin, relançado por uma editora diferente da detentora original dos direitos e que, graças ao famoso “jeitinho brasileiro”, sofreu a alteração para o mesmo título que o filme de Roman Polanski ganhou em Portugal; Prophecy, de David Seltzer, novelização de A Profecia escrita pelo próprio roteirista; e aí o livro de Koontz. Tá fácil...
Na trama, ambientada no longínquo futuro de 1995, Susan, uma mulher divorciada, vive reclusa em uma casa controlada por um sistema de inteligência artificial chamado Proteus. Acontece que o computador dá aquela surtada básica (HAL 9000 mandou lembranças) e fica apaixonado pela moçoila, mantendo-a em CÁRCERE PRIVADO e planejando engravidá-la (???!!!) com um feto biologicamente criado, para futuramente transferir sua consciência para o filhão e assim poder experimentar todas as sensações e delícias de ser humano.
Foi em 1977 (um ano depois do lançamento do filme Carrie – A Estranha) que a sua adaptação — lançada em PT-BR com o título Geração Proteus — chegou aos cinemas, o que fez com que as vendas do livro fossem catapultadas e chegassem a dois milhões de cópias.
A partir de então, as obras literárias de Koontz bombaram: até o momento, foram mais de 500 milhões de livros vendidos em todo o mundo, transitando por diversos gêneros e traduzidos em 38 línguas.
Como escritor, um sucesso absoluto. Mas no namoro com o cinema, alguma coisa deu ruim...
Os livros de Koontz passaram a ser levados para o cinema ou lançados direto para o vídeo no ANSEIO de alimentar o que era na época a insaciável indústria do VHS, quando todo tipo de produção de terror e suspense de baixo orçamento chegava às prateleiras das locadoras – assim como suas sequências piores ainda. Isso gerou um movimento em espiral que quase fez o gênero flertar com a extinção, sendo salvo da desgraça completa por Wes Craven e Kevin Williamson com Pânico somente lá em 1996 (mas isso é uma outra história).
Na mesma época, um caminhão de filmes podres baseados nas escritas de Stephen King também eram lançados de baciada, mas o escritor do Maine teve respaldo de público e crítica durante a década de 80 por conta de longas como O Iluminado, Creepshow, A Hora da Zona Morta e Christine – O Carro Assassino, assinados por gente do calibre de Stanley Kubrick, George A. Romero, David Cronenberg e John Carpenter. Agora imagine quando começou a acontecer a mesma coisa com o trabalho de Koontz, só que nas mãos de produtores e diretores que eram simplesmente qualquer nota?
Foi em 1988 que a porteira abriu de vez e seu livro Intrusos, um dos melhores e mais intensos de sua carreira, lançado no ano anterior, foi adaptado no filme O Limite do Terror, uma trasheira sem dó (e no pior sentido da palavra) estrelada por duas figurinhas carimbadas dos 80s, Corey Haim e Michael Ironside. A história fala sobre um menino que faz amizade com um cachorro perdido, sem saber que ele é parte de um experimento militar de manipulação genética em animais para criar armas biológicas. E tem mais: o bichinho superinteligente fugiu de um laboratório ultra-secreto e está sendo caçado por uma selvagem criatura de aparência SIMIESCA. Caso você tenha assistido na Tela Quente (assim como eu), considere sua idade denunciada.
O ponto é que o filme é UMA BOMBA, que ainda teve a pachorra de gerar mais TRÊS continuações, sendo a última lançada em 1998, o fatídico ano em que perdemos a Copa da França e Fantasmas estreou nos cinemas, depois de uma década inteira em que outros exemplares de Koontz foram ganhando suas pavorosas contrapartes cinematográficas (muitos deles made for TV) como O Esconderijo, baseado no livro homônimo, e A Face Oculta, inspirado no livro Sr. Assassino.
Fantasmas, produzido pela Miramax/ Dimension Films, com roteiro do próprio Koontz (“agora eu me consagro”, ele deve ter pensado) era estrelado por um Ben Affleck com chapéu de caubói e que sequer sonhava em interpretar o Homem-Morcego. O filme, inspirado em um dos mais famosos e elogiados livros de Koontz, nasceu cercado de um caminhão de expectativa, mas acabou resultando em um filme bisonho. Foi um fracasso retumbante de público (faturou apenas cinco milhões de doletas no mercado doméstico) e crítica (avaliação de 13% no Rotten Tomatoes e uma mísera estrela pelo famoso crítico Roger Ebert) e praticamente enterrou de vez a carreira cinematográfica de Koontz.
A melhor coisa de Fantasmas foi uma divertidíssima figura de metalinguagem em O Império do Besteirol Contra-Ataca, onde Affleck, interpretando o personagem Holden McNeil, declara a Jay e Silent Bob, em uma conversa sobre Ben Affleck, o ator (!!!), não achar Gênio Indomável grande coisa, mas que ele “DETONOU em Fantasmas”! Típica ironia de Kevin Smith somente para os escolados.
Bem, chegaram os anos 2000 e esperamos mais de uma década para que um novo livro do escritor da Pennsylvania visse a luz do projetor de uma sala de cinema novamente. O Estranho Thomas, baseado no primeiro de uma série de seis livros para os famigerados young adults, centrada em um cozinheiro de vinte e poucos anos que tem a capacidade de se comunicar com os mortos foi lançada em 2013 e dirigida por Stephen Sommers (aquele de A Múmia com Brendan Fraser e Van Helsing com o Hugh Jackman, então já viu...), estrelado por Anton Yelchin no papel principal.
Resultado: outra bomba, que deixou um rombo no seu orçamento de mais de 27 milhões de dólares. Para você ter ideia de como a coisa deve ter sido feia, nem no Box Office Mojo temos a bilheteria nos EUA ou internacional, somente computados os ingressos na Finlândia, Malásia, Filipinas, Tailândia, Emirados Árabes e Itália (onde conseguiu arrecadar a exorbitante quantia de 579 mil dólares). Isso sem contar que o lançamento do filme foi adiado diversas vezes por conta de um processo movido contra a Outsorce Media Group, detentora dos copyrights, por quebra de contrato, alegando que 25 milhões deveriam ter sido gastos em publicidade nos EUA para divulgar a pérola e outros 10 milhões para refinanciar alguns empréstimos de produção.
Foi tudo tão terrível com O Estranho Thomas que daí se pensou: dessa vez já era para Koontz! Mas ele não desiste e vai tentar de novo: o autor está prestes a publicar seu próximo romance, The Silent Corner, a primeira de uma série estrelada por uma agente do FBI que deseja se vingar da morte de seu marido e se vê lutando contra uma conspiração high-tech, a ser lançada em junho. Detalhe que uma sequência, The Whispering Room, já está devidamente programada para janeiro de 2018.
Essa pode ser uma ótima notícia para os fãs de Koontz e uma nova chance de finalmente surgir por aí alguma adaptação minimamente decente de seus livros, já que material de qualidade é o que não falta. Até um remake de Fantasmas não seria nada ruim, dando à obra o tratamento que ela merece. E quem sabe, até com uma ponta de Affleck, para que ele possa DETONAR de novo.