A cultura cyberpunk e o surgimento do rock industrial | JUDAO.com.br

Com a estréia do live action de Ghost in the Shell, um dos mangás/animes mais famosos do mundo, a temática cyberpunk volta a ocupar espaço na cultura pop

O cyberpunk pode ser definido como um subgênero da ficção científica que explora o uso da alta tecnologia em detrimento da qualidade de vida, mesclando ciência avançada, como tecnologias da informação e robótica, acompanhadas de certo grau de desintegração ou mudança radical na ordem social.

Lembrou de já ter visto/lido alguma coisa no gênero? Blade Runner? Cyberpunk. Akira? Cyberpunk. Neuromancer? Cyberpunk. Shadowrun. Matrix. Minority Report. Ronin. Y: O Último Homem. Transmetropolitan... a lista de obras cyberpunk na cultura pop é infinita, o tema é absurdamente explorado, tudo isso porque a ideia de um futuro distópico, sombrio, sem esperança, onde máquinas são capazes de substituir a humanidade, desperta em nós um de nossos medos mais primais: o de sermos dominados e descartados como espécie.

Em torno de toda essa temática futuro-distópica criou-se também uma cultura, um modo de vida de pessoas que apreciam, nos dias atuais, coisas que remetam à cybercultura, a esse estilo de vida niilista, digital, desde vestimentas e acessórios, corte de cabelo e maquiagem, ao mais puro consumo cultural, como filmes, literatura, dança, arte, games e música.

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São muitos os subgêneros musicais advindos da subcultura cyberpunk, que se ramificam infinitamente em grupos e subgrupos tornando a tarefa de identificá-los quase impossível. Ainda assim, a música eletrônica, sintética, robotizada e originária de máquinas parece ser sua linha mestra, o CAULE de onde todas as subdivisões se originam.

Um dos principais ramos desse som é o INDUSTRIAL. E erra quem pensa que ele começou nos anos 70, com o Krautrock. Ele veio bem antes, nos anos 1840, justamente na ascensão da Era Industrial (ah, vá?) na Itália. O primeiro músico a enxergar a natureza sonora do ruído foi Luigi Russolo, com seu manifesto A arte do barulho (L’arte dei rumori, no original). Russolo era músico e teórico musical, e defendia a beleza dos ruídos, de muitas origens, mas principalmente a sincronicidade dos ruídos mecânicos. Com isso, concluiu que a música da época, ou a música moderna, precisaria sair do sistema convencional de composição e abraçar algo mais dinâmico, que incorporasse a evolução que a humanidade vivia. Para Russolo, as máquinas eram o futuro e deveríamos usá-las também, pra fazer arte.

Mais tarde, nos anos 40, teve início na França um movimento musical chamado Musique Concrète. Iniciado por Pierre Schaeffer, engenheiro eletrotécnico e locutor de rádio, o movimento musical se aproveitou de um conceito chamado de eletroacústica ou acusmática, que consiste na manipulação de sons por meios eletrônicos, o que mais tarde pôde dar origem ao Theremin, à fita cassete e ao conceito de loop, muito usado na música eletrônica até hoje. A partir do loop, os franceses piraram muito e começaram a manipular, inverter e transpor essas repetições, criando possibilidades sonoras nunca antes experimentadas.

Foi só então que, na década de 70, na Alemanha, a partir das tentativas francesas do Musique Concréte, bandas experimentais como Neu!, Tangerine Dream e Amon Düül II começaram a explorar o sintetizador de modo visceral, usando sua capacidade sonora e eletrônica ao máximo. Foi nessa época que surgiu o maior ícone de música eletrônica de todos os tempos, talvez os pais do gênero como conhecemos hoje: Kraftwerk.

Foi a partir daí que o Industrial, como é definido nos dias atuais, começou a ganhar forma. Um protótipo de ideia do gênero começou a ganhar força com um grupo performático inglês chamado COUM Transmissions, formado por Genesis P-Orridge e Cosey Fanni Tutti, contando com diversos membros ao longo da duração do projeto. Havia de tudo um pouco ali, e isso veio a definir mais tarde algumas das principais características desse tipo de música: o vanguardismo e experimentalismo.

Fortemente influenciados pelo dadaísmo e por diversos grupos artísticos, o COUM tinha performances que envolviam escatologia, sado-masoquismo, pornografia, entre outros temas chocantes

Com o surgimento do Throbbling Gristle, a partir do próprio COUM, nasceu também o principal berço deste tipo de música, a Industrial Records, uma gravadora que passou a agrupar novas bandas do gênero — Clock DVA, Cabaret Voltaire, Einstürzende Neubauten e Die Form, por exemplo. Para vocês terem uma ideia, são influenciadas por essas bandas, os contemporâneos do Filter, Nine Inch Nails, Coil, Skinny Puppy, Chrome, Project Pitchfork, KMFDM, Front Line Assembly, entre outros, chegando até em ramificações do metal como Ministry, Rammstein e Marilyn Manson.

Segundo os fundadores do Throbbing Gristle, os ideais do Industrial queriam resgatar um lado que eles haviam considerado ter sido “vendido” ou “perdido” do punk dos anos 70: a exploração de símbolos e de contrasensos para expor as hipocrisias sociais, indo contra um sistema de valores estabelecidos pelo capitalismo. Através do caos musical e da dodecafonia, queriam causar angústia, revolta, desconforto e questionamentos sobre os rumos da sociedade ANTE ao avanço tecnológico e a ferocidade do materialismo.

E aí, tal qual um loop, voltamos ao começo: esse também é o grande questionamento da cultura cyberpunk. ;)