Mas isso não quer dizer, ainda, que o copo esteja meio vazio
É difícil analisar o que acontece, hoje, no mercado direto de quadrinhos dos Estados Unidos – aquele das comic shops, que determina o que é fracasso ou sucesso nos gibis e dita os caminhos escolhidos por Marvel e DC. Há opções que vão além da questão do “copo meio cheio” e do “copo meio vazio”, inclusive.
Pra começar, o mercado teve uma queda em Abril. Nos números divulgados semana passada pela distribuidora Diamond, que tem o monopólio desse setor, o tombo geral nas vendas de revistas mensais e graphic novels em Abril foi de mais de 5%, quando comparando ao mês passado. Considerando os dólares movimentados, a queda foi maior, de quase 10%.
Quando comparamos Abril de 2017 com o mesmo mês de 2016, dá pra ficar um pouco mais assustado: o mercado diminuiu 5,62% em unidades vendidas, faturando menos, cerca de 13%.
Na clássica disputa entre editoras, a Marvel Comics chegou bem próximo dos 35% dos dólares gastos, contra pouco mais de 30% da DC Comics. Em unidades, foi mais de 38% para a Casa das Ideias contra pouco mais de 34% para a Distinta Concorrência.
Mas aí, antes de estampar a manchete “crise no mercado de quadrinhos dos EUA”, há outros detalhes. De acordo com o Comichron, que DEPUROU os dados da Diamond, a maior parte da indústria cresceu em Abril. Tirando a Marvel Comics da jogada, as outras editoras subiram 2,5%. Não é “oh que incrível”, mas é um crescimento.
Tá, então você já deve estar pensando em outra manchete fácil: “a Marvel está em crise”. Nem tanto. Abril de 2016 foi um ano de vendas excepcionalmente boas, com a editora emplacando o primeiro blockbuster da temporada, Black Panther #1. Isso não se repetiu em 2017, inclusive com o crossover Secret Empire sendo bastante criticado. Ainda assim, não é motivo para desespero: em toda a década, normalmente as vendas começam fracas no ano, melhorando justamente a partir de Maio, que é quando acontece o Free Comic Book Day e os filmes estreiam nos cinemas.
Então, de certa maneira, 2017 ainda tá começando — e olha que não dá pra falar que este ano, em geral, tá sendo ruim. Até agora, todas as editoras venderam 7% a mais em gibis do que nos quatro primeiros meses do ano anterior.
Alguém pode culpar a “diversidade” da Marvel, mas já falamos por aqui que isso não é, nem nunca será, o problema. E, se fosse assim, a DC estaria disparada na frente. De qualquer maneira, a Editora do Superman tem motivos para sorrir: Batman #21 e Flash #1 foram os mais vendidos no mês, com, respectivamente, 219 mil e 174 mil cópias indo para as mãos dos lojistas (as estimativas também são do Comichron). As duas revistas são parte da saga The Button, que está investigando o envolvimento de Watchmen com as tretas cronológicas do Universo DC.
O curioso é que, ainda assim, Secret Empire #0 ficou no topo do Top 10 da Diamond. Nesse caso, uma questão CONTÁBIL ajudou a Casa das Ideias: as revistas do Homem-Morcego e do Corredor Escarlate saíram em duas versões, com capa normal e lenticular, que foram consideradas edições diferentes com vendas separadas para a Diamond. Com isso, por mais que não tenha sido a revista mais vendida no mês, Secret Empire #0 foi a EDIÇÃO mais vendida no mês.
Só que a FACE problemática desse mercado, neste começo de ano, não é a de revistinhas. Na realidade, o problema acontece mesmo nos encadernados e graphic novels. Esse setor da indústria, sozinho, caiu 6% em unidades comercializadas em relação ao mês anterior. Em dólares, a retração foi de 10,77%. Em um ano, o tombo foi bem expressivo: -15,46% em unidades, -17,18% em doletas. Quase um quinto do faturamento virou fumaça.
E isso, obviamente, joga tudo pra baixo. Algo que está acontecendo durante todo o ano.
Para a Marvel, mês passado foi ainda pior: a graphic novel mais vendida da editora foi um encadernado do Pantera Negra, em 14º. O segundo título da Marvel na lista de mais vendidos foi, olha só, Old Man Logan, em 19º. Ou seja, um CATÁLOGO que ganhou novo gás por causa do filme.
Mas há, claro, algumas justificativas. Uma é que esses são números de vendas das editoras para os lojistas. Gibi mensal sai toda semana e vende que nem pão quente, mas encadernado é mais caro e é uma venda que se concretiza no longo prazo. Se os volumes anteriores estão empacando, o revendedor adquire menos. Ou se ele torceu o nariz pra revista mensal, algo que acontece bastante, ele vai apostar menos quando sair em encadernado.
A vendas nas livrarias estão crescendo, o que pode ter enfraquecido as comic shops.
Uma das teorias para explicar essa queda é que, cada vez mais, os leitores estão procurando as livrarias para comprar graphic novels. Elas são mais facilmente encontradas que as comic shops, há menos motivos para rolar alguma situação embaraçosa e ainda dá pra comprar online, se for o caso. Em 2015 – os números de 2016 ainda não saíram – o faturamento desse canal com encadernados foi de US$ 350 milhões, contra US$ 185 milhões das mesmas publicações nas comic shops. Um crescimento de 23% pras livrarias, bem mais que os 10% do TOTAL do mercado de quadrinhos.
Se a tendência continuou nos últimos 16 meses, as livrarias devem estar estraçalhando as comic shops.
O dilema, mesmo, é que não existem respostas fáceis para a queda da Marvel, ou para os números de mercado de quadrinhos. Isso tudo é, na realidade, parte de um processo de desgaste das fórmulas das editoras – principalmente da Casa das Ideias – com grandes sagas, reboots e relançamentos. E também parte da mudança do mercado como é hoje, diga-se. É importante, sim, olhar para o que está acontecendo, evitando que isso tudo realmente se torne realmente um problema.
Um olhar pro conteúdo, mas também para o FORMATO de publicações, lojas e etc.
De qualquer maneira, muito se andou nos últimos anos e, mesmo com eventuais tropeços, hoje se vende 12% a mais de quadrinhos no mercado direto do que era feito nos quatro primeiros meses de 2012. Em 15 anos, o aumento é de 24% em relação ao mesmo período de 2002. Isso sem contar, claro, ao já citado crescimento nas livrarias.
“Ah, Renan, você comparou com cinco e 15 anos atrás, por que pulou dez anos atrás, 2007?”. Bom, porque aquele foi o ano de uma PEPITA DE OURO chamada Guerra Civil, que estraçalhou as vendas. Só o encadernado da saga, lançado em abril daquele ano, faturou US$ 500 mil no primeiro mês – algo que é estratosférico para esse setor. Já Captain America #25, com a morte do Steve Rogers, passou da marca de UM MILHÃO de faturamento em março.
Só que hoje não adianta fazer mais Guerra Civil pra alcançar a mesma marca. Ou mexer com o Capitão América. Acredite, a Marvel tá tentando. Os problemas são outros. E é algo que eles vão tentar resolver no já anunciado Legacy, a próxima nova fase da Casa das Ideias.
Sem neuras, agora é hora de voltar para a prancheta.