Nova edição do crossover da Marvel é um eco do mundo no qual vivemos
SPOILER! Queria escrever apenas sobre uma história em quadrinhos. Um gibi com um embate enorme entre heróis e vilões, como é tão comum todos os anos acontecer na indústria dos Estados Unidos. Contar aqui no JUDÃO se é legal ou não, se vale a pena, se é divertida. Queria poder falar apenas sobre uma mídia que gosto tanto – e, se você está lendo isso aqui, deve gostar também.
Mas hoje não é, absolutamente, dia pra isso. Não dá para ignorar o resto do mundo. Está tudo conectado.
Secret Empire, a edição 2017 da mega saga anual da Marvel, é extremamente política. Assim como eu não posso simplesmente ler um gibi e pensar em mais nada, Nick Spencer não pode escrever algo como se não acontecesse mais nada. Por isso, o gibi é centrado naquela que seria a versão REAL do Capitão América. Aquela que, antes, ninguém queria aceitar.
Mas aí, nessa edição #2, publicada nesta quarta-feira (17), Spencer mostrou um outro twist, o que deixa toda essa metáfora mais profunda e interessante.
A revista, basicamente, lida com as implicações das edições #0 e #1. Steve Rogers, como chefe da SHIELD AND da HYDRA, assumiu o controle dos Estados Unidos. O país vive uma espécie de estado de sítio, com a maior parte dos heróis fora de combate. Nova York está dominada pela dimensão negra, com quem vive lá lutando para sobreviver. Já Las Vegas foi bombardeada para acabar com a resistência heroica que existia por lá.
Um possível primeiro ponto de virada foi deixado pelo Rick Jones, morto por Steve Rogers na edição 1, mas que conseguiu enviar alguns arquivos secretos para a Resistência. Neles, ele detalha como a HYDRA teria manipulado a mente do Bandeiroso e que, agora, Kobik foi retornada ao estado de LASCAS de Cubo Cósmico – pedaços esses que são necessários para os heróis “restaurarem” a verdadeira personalidade do herói.
O que Rick ignora – ou ignorava – é que, pelo que vimos no número 0, ESSE é o verdadeiro Steve Rogers, um agente da HYDRA sempre infiltrado nos EUA. E tem mais: Rogers está realmente querendo usar novamente o Cubo Cósmico, mas para reestabelecer a VERDADEIRA timeline do Universo Marvel, uma na qual ele ajudou os Nazistas a vencerem a Segunda Guerra Mundial.
Há, ainda, uma terceira via: a Viúva Negra, junto com os Campeões, querem MATAR o Capitão, da mesma forma que fora prevista em Civil War II.
Perceba aí que temos dois grandes projetos: um de reestabelecer o que as pessoas achavam que era verdade, mesmo sendo uma mentira; a outra de mudar completamente o mundo a partir das suas bases; e, a terceira, de acabar com o que não querem/gostam por todos os meios possíveis, incluindo matar alguém. Metáforas da divisão do mundo em extremos, tal qual temos hoje do outro lado da quarta parede.
No entanto, esse não é o ponto mais chocante de Secret Empire #2. No final da edição encontramos Steve Rogers. Não aquele da HYDRA, mas sim outro, barbudo, com um antigo uniforme que está todo rasgado. Oi?!
Há algumas possibilidades aí. O Steve Rogers que manda no país poderia ser falso – mas esse seria o caminho mais fácil, e ele não teoricamente conseguiria levantar o Mjölnir, como vimos no especial do Free Comic Book Day. Também pode ser o verdadeiro Steve, que ficou preso “por anos” na Dimensão Z. Mas também seria algo fácil.
Como eu gosto de teorias, tenho cá a minha: este é o Capitão América do finado Universo Ultimate, que acabou recentemente e teve alguns de seus elementos incorporados ao Universo Marvel principal – incluindo aí o Miles Morales e um outro Mjölnir. Aquele Steve desapareceu durante a saga Cataclisma, quando atirou um jato pilotado por ele no Galactus. Nunca ninguém achou o corpo, então é justo imaginar que ele estava por aí e poderia ter sido “puxado” para a nova realidade da Casa das Ideias.
Seja qual foi a origem desse Capitão, é justo imaginar que ele seja mais próximo daquele que todo mundo conhece: o cara que lutou pela liberdade na Segunda Guerra Mundial, que luta pelos “ideais americanos” tão sonhados e tão pouco vistos na prática. Dessa forma, temos tudo para ver um embate entre ideal e realidade. Entre “fascismo” e “liberdade”. Entre extremos.
Estamos lendo, de alguma forma, sobre o que somos. E o que está lá não é bonito.
E aí eu paro de ler o gibi. Entro em algum site noticioso da internet. Ligo a TV. Vejo a CNN. Nos EUA, Trump está na parede, acusado de obstrução de justiça num caso sobre o envolvimento da Rússia nas eleições. No Brasil, Temer está na parede, acusado de fazer parte de um esquema para calar o cara que sabe todos os pobres do governo. Os extremos se afloram. Ficamos entre o sonho e o uso da força, a vontade de chutar o pau da barraca e ver o circo pegando fogo. Entre o sonho e a realidade.
Mas não acreditem num salvador da pátria. Nem se ele for o Capitão América. Até porque o Ultimate Steve Rogers foi presidente dos EUA – sem lavagem cerebral ou versão da HYDRA, era ele mesmo. Manipulado, o herói se viu obrigado a renunciar ao cargo.
Consigo entender porque as pessoas não estão gostando de Secret Empire – no Free Comic Book Day, teve leitor queimando a edição especial. Estamos lendo, de alguma forma, sobre o que somos. E o que está lá não é bonito.