RESENHA! Mulher-Maravilha é o filme que a cultura pop precisava

Um filme pra definir o gênero dos super-heróis e mudar a cultura pop que só poderia ter sido dirigido por uma mulher e ser baseado em personagem da DC

Circula pelas internets nos últimos dias uma foto de uma criança, usando uma fantasia de Mulher-Maravilha bailarina, com a cabeça levantada, olhando para a Mulher-Maravilha de um painel enorme do filme da Liga da Justiça. É uma imagem que diz muito mais sobre representatividade, da importância daquela criança se ver na tela e do quanto esse tipo de coisa é necessário. Mas, depois de assistir a Mulher-Maravilha, aquela passa a ser também uma imagem que representa o significado e a necessidade dos super-heróis para a humanidade nesse mundo em que vivemos.

Representa o significado que o filme da Mulher-Maravilha tem para a cultura pop.

Dizer que é o melhor do DCEU até o momento não é exatamente um elogio, nem mérito. É mais ou menos como aqueles “não fez mais que a obrigação” que as mães professoras comentam quando se tira uma nota máxima na prova. Ser melhor que Homem de Aço, Batman VS. Superman e Esquadrão Suicida é o mínimo que se espera de tudo o que estrear dentro desse universo estendido da DC a partir desse ano.

Ser o melhor desde Batman: O Cavaleiro das Trevas, bom, aí você diz isso e já repara em algumas sobrancelhas se levantarem. Não que, novamente, seja muito difícil levando em consideração o que é que veio depois. Mas colocar o filme de Christopher Nolan, que é bom pra caralho independente de gênero ou o fato de ser ou não uma adaptação de história em quadrinhos, nessa equação, já deixa bem claro que não se trata de só mais um filme de super-herói, gibi, HQ, lutinha.

Mulher-Maravilha é sim o melhor filme do DCEU e o melhor baseado em personagem da DC desde Batman: Cavaleiro das Trevas. Mas Mulher-Maravilha é também um dos melhores “filmes de super-heróis” já feitos.

Mulher-Maravilha é um filme que vai definir todo esse gênero daqui pra frente.

Nos cinemas, estamos acostumados a histórias de pessoas que nasceram com um DNA diferente num mundo intolerante, que sofreram algum tipo de acidente transformador ou traumatizante, que por conta de uma moral absolutamente questionável resolviam aproveitar seus poderes, ainda que resumidos a “dinheiros”, pra impor a sua visão de mundo — dentro e fora das telas.

Diana, Princesa de Themyscira, filha de Hipólita, Rainha das Amazonas, desde criança sabia que o propósito da sua existência era proteger o Mundo, “um lugar tão lindo”. Sua mãe, Hipólita (vivida pela poderosíssima Connie Nielsen), inicialmente quer que ela seja só uma criança, enquanto sua tia Antíope (vivida pela poderosíssima Robin Wright) gostaria que ela, pelo menos, soubesse se proteger caso Ares, o Deus da Guerra e razão da criação das Amazonas, ressurgisse.

Diana também gostaria. Em momento algum ela reluta sobre o que deve ou quer fazer. Não há nenhum tipo de questionamento pra ela — o que é, essencialmente, heroico, SUPER-heroico, e responsável por algumas das grandes imagens da cultura pop, daquelas de te fazer chorar pela beleza, importância, imponência... e nunca mais esquecer.

Patty Jenkins e Gal Gadot no set de Mulher-Maravilha. Obrigado, duas.

Mulher-Maravilha está longe de ser um filme perfeito e tem alguns problemas de roteiro e edição que não fazem sentido algum, mas que também não atrapalham em nada o resto da narrativa. Não é só porque o diálogo com o vilão do filme é parado pra que ela vá até ali buscar sua espada antes de continuar que vamos chorar de ódio, afinal de contas.

Vilão, aliás, que serve mais pra ressaltar algumas coisas da Mulher-Maravilha do que realmente pra antagonizar alguma coisa. Pra uma estreia, além de tudo bem, é até bom que tenha sido assim — o que me faz, cada vez mais, ter certeza de que esse deveria ter sido o primeiro filme DCEU, assim como Batman Begins e Homem de Ferro, que inauguraram com histórias focados nos heróis, ao invés de suas tretas.

É esse o tom e ideias que deveriam ditar os rumos daquele universo que, não, infelizmente não parece ter um futuro melhor. Mulher-Maravilha já tinha sido a melhor coisa de Batman VS. Superman e tudo leva a crer que ela será a melhor coisa de Liga da Justiça também... Possivelmente até pelos mesmos motivos.

É uma pena que a Warner tenha ficado tanto tempo presa a um playboy com problemas mentais.

Por falar nisso, é claro que você encontra marcas dos dedos de Zack Snyder por todo o filme — dos slowmotions ao terceiro ato na escuridão –, mas é Patty Jenkins que faz esse filme ser tão maravilhoso (com trocadilho, sem vergonha nenhuma). Assim como Corra! é um filme que só poderia ser feito e protagonizado por um negro, Mulher-Maravilha conta uma história que só poderia ser contada e protagonizada por uma mulher.

Ainda que toda a sua HETERONORMATIVIDADE incomode um pouco (Menalipe, a amazona vivida por Lisa Loven Kongsli, tem obviamente uma relação mais íntima com Antíope, o que o filme se nega a retratar), em nenhum momento o casal formado por Diana e Steve Trevor incomoda. Não se trata de um homem e uma mulher que se pegam porque ÓBVIO que isso aconteceria e deveria acontecer, já que os dois são lindos e não há nada no Universo que impeça. Os dois tem ideais parecidos e, principalmente, uma química absurda. É natural que aconteça e, mesmo quando acontece, é de uma maneira que somente uma mulher poderia dirigir — o que, no mínimo, oferece um ponto de vista inédito.

Vingadores? Liga da Justiça? QUEM?

Chris Pine está nada menos do que perfeito no papel do capitão Steve Trevor, lembrando um pouco o Capitão América e sua relação com Agent Carter. A dupla de vilões vivida por Danny Huston e Elena Anaya em alguns momentos parecem mais caricaturas, com risadas e pausas dramáticas que destoam um tanto de todo o resto, mas conseguem compensar em diversos outros momentos.

Lucy Davis e Lilly Aspell, que interpretam Etta e a pequena Diana, são dois destaques de encher o coração; mas o sorriso vem mesmo com o trabalho de Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner e Eugene Brave Rock, os “reforços” Sameer, Charlie e Chief, respectivamente. Se olhamos pra cima pra conseguir enxergar a Mulher-Maravilha, é com esses três personagens que os mortais que assistem ao filme se identificam, olho no olho.

Mas colocar um sorriso no nosso rosto, deixar o coração cheio de amor e esperança e aquele brilho no olhar quem consegue fazer é Gal Gadot. Ela é a Mulher-Maravilha. Se a primeira imagem que vem às nossas cabeças quando pensamos em Superman é Christopher Reeve ou pensamos em Robert Downey Jr. como Tony Stark da mesma maneira que rezamos pensando em Morgan Freeman, vai ser impossível dissociar a atriz israelense da (semi) Deusa, que inclusive tem o seu próprio sotaque, uma decisão no mínimo MÁGICA de Patty Jenkins.

Gal Gadot é a Mulher-Maravilha, da mesma maneira que Christopher Reeve é o Superman e o Robert Downey Jr. é o Homem de Ferro

Por abraçar o seu destino e por toda a ingenuidade da personagem — que ao invés de se sentir perdida no “mundo dos homens” simplesmente se surpreende com suas regras e convenções absurdas — Gal Gadot transparece toda a coragem, otimismo, benevolência e superioridade que os super-heróis deveriam ter. Com um carisma surpreendente, basta um sorriso pra que a gente saiba que, se ainda não está, vai ficar tudo bem. Treinada e muito bem estudada nas mais diversas áreas, é sempre óbvio que ela sabe exatamente o que está fazendo a todo momento, está fazendo o certo e, ufa, ainda bem que está com a gente.

Essa é, aliás, a grande vantagem que o Universo DC tem sobre o Universo Marvel: enquanto um coloca os próprios humanos como heróis, cheios de defeitos que, no fim, geram uma empatia com o público, o outro faz com que seus heróis sejam entidades para as quais só conseguimos enxergar se olharmos pra cima. Seres que dão esperança, que mostram que o Mundo pode sim ser um bom lugar.

Era disso que a gente precisava...

Aqui no JUDÃO nós sempre defendemos a ideia de que o gênero “super-herói” não existe. São filmes dos mais diversos tipos — aventura, ação, drama, policial, comédia — que, por acaso, tem personagens surgidos em histórias em quadrinhos protagonizadas por super-heróis. Capitão América: Soldado Invernal, por exemplo, é um grande thriller político, enquanto Guardiões da Galáxia segue a linha space opera de George Lucas e Batman: O Cavaleiro das Trevas é um filme policial.

Só que até então não existia um filme como Mulher-Maravilha — ou até existia, mas ele foi feito há 40 anos e muita gente nem sequer lembra que ele existe e, não curiosamente, também é um filme baseado em personagem da DC.

A cultura pop precisava de um filme como esse. E, putaquepariu, não tinha hora melhor pra aparecer

A partir de 01 de Junho de 2017, podemos sim dizer que existem filmes de super-heróis. Podemos, aliás, repensar tudo o que dissemos sobre filmes minimamente parecido com esses, porque é óbvio Mulher-Maravilha chega sendo uma das melhores coisas já produzidas nessa onda de adaptações de gibis — inclusive melhor que MUITA coisa feita pela Marvel.

Muito se dizia que Mulher-Maravilha poderia ser o filme que o DCEU precisava e que “agora vai”. Não acredito que as coisas mudarão num futuro tão próximo, embora quisesse. O fato é que quem precisava de um filme como esse era a própria cultura pop.

E putaquepariu, não tinha momento melhor pra vir.