Sepultura Endurance, documentário sobre a história da banda brasileira é repleto de bons momentos, mas deixa um imenso buraco narrativo sem Max e Iggor para falarem de sua passagem
Chega a ser curioso que o resultado de seis anos de trabalho do diretor Otávio Juliano, o documentário Sepultura Endurance, reflita rigorosamente o oposto do que vem sendo a carreira da banda nos últimos quase 20 anos. Se em termos musicais o quarteto não ficou parado no tempo, lamentando pelo tal do “passado perdido” – e justamente por isso a palavra “endurance”, a tal da “resistência” do título, faz um puta sentido aqui – e se reinventou e provou que podia fazer música foda sem se preocupar com a sombra onipresente dos Cavalera e seus fãs míopes, num filme como este a ideia é BEM outra e, portanto, o produto final também.
Como detentores de 50% dos direitos autorais, as músicas icônicas que Max e Iggor proibiram de tocar no filme (que baita decisão cagada, aliás) não fazem, com toda a honestidade, falta alguma. Justamente porque a parte musical, os trechos de apresentações ao vivo e outras porras assim não são o grande destaque de Sepultura Endurance. Caguei. Isso não é o registro de um show ao vivo, mas sim a HISTÓRIA da banda. Fazem a diferença aqueles momentos por trás da fundação do Sepultura, os bastidores das turnês, das gravações dos álbuns.
Não, este não é um documento da tal da “era de ouro” da formação clássica – e, ufa, ainda bem que o cineasta não seguiu por este lado. É o Sepultura de ontem e também o de hoje, com ótimas passagens revelando um pouco do que rolou nas composições de Kairos (2011) e The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013), por exemplo. Só que, por mais que não se trate de um registro saudosista, este é o momento em que mergulhamos de cabeça na trajetória destes caras que tiveram que conquistar o mundo para depois conquistar o Brasil. E, caralhos, em certo momento, Max e Iggor foram parte fundamental desta trama. Sepultura Endurance, enquanto história, enquanto cinema, sofre com a ausência deles.
Max e Iggor Cavalera fazem uma falta tremenda e deixam um buraco enorme em Sepultura Endurance
Os dois podem, obviamente, ser vistos em cenas antigas, de arquivo, seja na tribo dos xavantes para o momento histórico que se tornaria o álbum Roots, no estúdio para compor Chaos A.D., dando entrevistas para a antiga MTV Brasil. E, sem pudores, são amplamente mencionados tanto pelos quatro atuais integrantes quanto por caras como Jairo Guedez, guitarrista original pré-Andreas Kisser, que conta com muito bom-humor como Wagner Lamounier (que, mais tarde, integraria o Sarcófago, banda que até hoje é uma espécie de “rival” do Sepultura na cena de BH) saiu do grupo porque “cantava mal demais”.
Só que um dos melhores momentos do filme, que é quando Andreas e o baixista Paulo Xisto dão um rolê por Belo Horizonte, relembrando os lugares onde ensaiaram, onde encheram a cara, onde escolheram os nomes dos álbuns e ainda visitam a nova casa da Cogumelo Records, sua primeira e ancestral gravadora, poderia ficar ainda mais humano, forte, intenso se fosse ENTRECORTADO com as lembranças do próprio Max, por exemplo. Teria mais corpo e seria ao mesmo tempo mais emocionante.
O mesmo vale para AQUELA hora, da treta com a empresária Glória Cavalera na época do Roots, quando eles estavam prontos para explodir e ser “o novo Metallica”, que o diretor corajosamente aborda, porém mostrando apenas UM ponto de vista. É só o Andreas que fala sobre como ela priorizava o Max e queria transformar o Sepultura na sua banda-solo. Idealmente, faria sentido expor ambos os lados. Seria mais justo, até. Com o espectador principalmente.
Não, não é culpa de nenhum dos envolvidos aqui porque, afinal, os créditos finais explicam que Max e Iggor se recusaram a participar do documentário. Logo, sem remédio aqui. Só que, pra quem assiste, esta recusa em nada muda, não faz a menor diferença e certos trechos têm um gostinho amargo que fica nítido, como se fosse um corte brusco na narrativa. A experiência cinematográfica é que fica, infelizmente, prejudicada.
Mas Sepultura Endurance tem lá seus grandes momentos a se apreciar, com ou sem a presença da dupla Cavalera. Basta ver a fofice da audição de Eloy Casagrande, o atual baterista, muito mais jovem do que seus companheiros de banda e fã do Sepultura desde moleque, nitidamente emocionado por minimamente ter a chance de ser ouvido por eles.
Embora os depoimentos de caras como o amigo João Gordo e ainda nomes estelares do metal como Scott Ian (Anthrax), Corey Taylor (Slipknot) e Lars Ulrich (Metallica) signifiquem bastante, a graça toda se concentra mesmo na repentina entrada de um Vinnie Paul, ex-batera do Pantera, alteradíssimo, bêbado que ele só, nos bastidores de um show do Sepultura. “Cara, eu ainda não sei quem você é, mas você toca pra caralho”, admite ele para Jean Dolabella, na época dono das baquetas da banda, provocando os risos da galera.
Jean, aliás, protagoniza outro ponto altíssimo, este mais triste, em pleno busão de turnê, quando o baterista, morrendo de saudades da família e incomodado pelos muitos meses de viagens longe do Brasil, começa a manifestar sua vontade de abandonar o barco. É um papo duro sobre o mundo da música, sobre ralar até dizer chega, sobre família, sobre envelhecer. Uma espécie de terapia em grupo que coloca o Sepultura num patamar bem gente como a gente.
Também é louvável a coragem do diretor em retratar a rejeição que a gravadora e seus executivos manifestaram abertamente quando eles escolheram Derrick Green para a vaga de Max. Ninguém aceitava (e Monte Conner, da Roadrunner, deixa claro que AINDA acha a escolha equivocada) um sujeito com um perfil completamente diferente do Godfather Cavalera para os vocais. A banda bancou a aposta, insistiu e acertou na mosca. E conforme o próprio Derrick vai comentando o assunto, na dele, carismático mas sempre humildão, é inevitável que você sinta vontade de entrar na tela e dar um abraço de urso no frontman. <3
Para ser MAIS corajoso ainda, só faltou Otávio Juliano dar lá um tantinho mais de espaço para o Paulo Xisto enquanto personagem, que pouco fala mas é protagonista eterno de uma polêmica sem fim a respeito de sua participação efetiva nos discos inaugurais do Sepa, com todo aquele papo de que o Max é que teria registrado os baixos. Merecia a abordagem.
Por falar em merecimento, uma banda como o Sepultura merece um filme como Sepultura Endurance, isso tá claro. Uma banda com coragem ainda de meter as caras depois de tanto tempo e me sair com um disco como Machine Messiah não é pouca merda, não. Mas, ao mesmo tempo, uma banda como o Sepultura merecia ter sua história passada a limpo por completo, sem frescuras, sem disfarces e sem esse eterno e pegajoso papo de reunião. Apenas um olhar para trás enfim sem mágoas, rancores, sem farpas e cutucadas, já seria sensacional.
Porque, vamos lá, Sepultura Endurance não é o documentário ideal sobre a banda. Mas, infelizmente, por enquanto é o único possível.