Inumanos é ruim demais... Mas podia ser BEM pior. | JUDAO.com.br

A estreia da nova série da Marvel, com dois episódios na sequência, não chega a ser tão vergonhosa assim. Mas quando você meio que torce pelo vilão e tá cagando pros protagonistas, é sinal de que tem algo de muito errado no conceito.

E então chegou aquele momento em que finalmente pudemos assistir à tal série de TV dos Inumanos. Aquela mesma que estava nos fazendo sofrer terrivelmente antes mesmo de estrear, aquela que carregava consigo um cheirinho bastante característico de cocô, como se o Raio Negro tivesse pisado na pedra do Dentinho e ninguém tivesse tido coragem de avisar o cara.

Só que, estranhamente, a maior de suas cagadas, aquela que faz a gente pensar “mas gente, quem foi que teve a ideia de fazer isso aqui mesmo?” não está na canastrice do elenco ou mesmo nos efeitos especiais da mais pura tosqueira.

Até que os atores entregam bem, se esforçam, parte deles chega mesmo a convencer de que tá levando aquilo a sério – talvez com exceção de Anson Mount, cujo monarca de Atillan não tem presença, não tem força no olhar (aqui, a máscara que reforça os olhos na versão das HQs faz TODA a diferença pra um sujeito que não fala) e parece governar meio no piloto automático. Falta a imponência, falta o mistério, falta aquele clima de tensão que ele deveria deixar no ar toda vez que entra na sala. Em determinado momento, quando Blackagar Bolton foge pra Terra, acaba se tornando alívio cômico da parada, com diversas sacadas “engraçadinhas”, o que acaba, OK, dando uma sensação de vergonha alheia.

Fora isso, os uniformes em movimento são funcionais e mesmo o cabelão da Medusa, quando em ação, tá bem longe de ser uma experiência vergonhosa de assistir. A primeira grande questão, contudo, é muito menos estética e mais de TIMING. Porque tudo acontece tão, mas tão rápido, para tentar colocar logo as peças no tabuleiro, que você simplesmente não tem tempo de conhecer como deveria cada integrante da Família Real ou mesmo de sentir como foi feita a articulação do golpe do Maximus (Iwan Rheon). O excesso de didatismo, “olha, isso é ISSO mesmo tá, viu, tá me acompanhando?” chega a incomodar MUITO mais do que um cabelo ruivo que se mexe sozinho e que dá porrada na galera.

Pra uma série que chegou a ter paralelos traçados com Game of Thrones, todas as tramoias, politicagens e a porra toda, Inumanos (nitidamente inspirada na fase de Paul Jenkins & Jae Lee à frente do gibi) tenta acelerar tudo e, no fim, o impacto parece ser menor do que deveria. Não tem a grandiosidade, o tamanho, o aspecto ÉPICO tão prometido. Talvez O GOLPE devesse ter acontecido, de fato, só no finalzinho do segundo episódio. A gente devia ter visto mais dos planos sendo traçados nos bastidores, dos sussurros nas ruas da cidade oculta na Lua... Dá tempo ao tempo, galera.

Só que, quando os episódios acabam, vem a maior de todas as cagadas relacionadas a essa série: você realmente se pega pensando que “cara, eu quero mais é que a Família Real de Attilan se foda”.

Acompanha aqui comigo: é claro que a escolha de Iwan Rheon pra ser o Maximus foi por causa de seu papel como Ramsay Bolton — pra você olhar pra ele e, de imediato, já imaginar que o sujeito é um manipulador maquiavélico. Maximus é SIM um babaca, basta ver o papinho “você devia ter me escolhido e não o meu irmão” que ele joga pra cima da Medusa. Mas ele não parece, nem de longe, o maníaco em busca de poder que é sua contraparte nas HQs, quase um psicopata. Na real, depois de assumir o trono do irmão, quando ele discursa para a população, de verdade Maximus parece fazer bastante sentido. Claro que a ideia é essa. Mas vejam, Maximus NÃO tem poderes. Ele é apenas humano. Não é um dos escolhidos. E todo mundo esfrega isso na cara dele o tempo todo. Ele só não tá lá, na parte de baixo da metrópole, porque é irmão do Raio Negro.

Attilan é uma cidade em crescimento constante (ainda mais depois de tudo que rolou em Agents of SHIELD nos últimos anos), com recursos finitos e governada por um rei que faz questão de manter um sistema de castas – depois da Terrigênese, como rito de passagem, os escolhidos ganham um papel de destaque e o restante da galera, com habilidades menos “nobres” e mais físicas, é mandado pra cuidar das minas, trabalhando em condições bastante questionáveis. Além disso, os cidadãos são julgados como aptos ou não por um certo Conselho Genético, o que é uma parada bem nazista. Como se opor, portanto, a um golpe que praticamente não derruba uma gota de sangue e promete acabar com tamanha injustiça de merda?

Que porra de herói é mesmo o Raio Negro, então? Como caralhos eu vou torcer pra ele, esse puta babaca opressor?

No texto de Jenkins, na HQ, estas questões existem, mas são tratadas com tons de cinza que deixam o leitor confuso, meio na pegada do que Alan Moore faz com o brilhante ESTRATAGEMA de Adrian Veidt, alter-ego de Ozymandias, ao final de Watchmen. Seria Raio Negro um monarca benevolente ou um ditador? Aqui na série, no entanto, a impressão que fica é que Attilan, no fim das contas, pode se tornar um lugar melhor sem ele, Medusa, Karnak, Gorgon, Triton, todos pisando na cabeça do povo. Pelo menos até o momento.

Maximus é um populista, que promete que tudo vai ser melhor, que é hora de levar os inumanos para assumirem seu lugar de direito na Terra, onde terão mais espaço, mais recursos, uma vida melhor. Isso pode ser uma mentira deslavada, talvez ele tenha a sua AGENDA oculta. Mas que nitidamente isso parece uma oportunidade bem melhor do que ficar rachando pedra nos subterrâneos enquanto o Raio Negro é servido com todo o luxo e sofisticação no palácio real, ah parece.

No fim, como era de se esperar, você só consegue sentir alguma empatia pelo Dentinho, o bulldog teleportador gigantesco (que é uma imensa explosão de fofura), e pela Cristalys, a jovem irmã da Medusa e dona do cachorro, a única que tem coragem pra encarar de frente as ordens de Maximus e suas tropas. E até ela, no fim, começa a pensar, sozinha e trancada no quarto, que talvez faça sentido repensar este sistema aê — ainda mais ELA, filha de pais que se opunham veemente ao regime desde a época dos pais de Maximus e do Raio Negro.

Tudo indica que, a partir do episódio 3, a ação vai quase que inteiramente se passar na Terra, a Família Real separada e tentando se encontrar enquanto é caçada pelos homens de Maximus. Mas se o roteiro não der um jeitinho de fazer com que o rei silencioso entenda que as coisas por lá funcionavam de um jeito bem imbecil e que é, sim, hora de fazer mudanças, as chances são de que o público comece ativamente a torcer pelo vilão.

E nem adianta gritar e espernear, ô seu Raio.