Em gibi lançado esta semana nos EUA, o Cabeça de Teia abre o coração como Peter Parker para alguém muito especial, em uma trama que faz todo o sentido do mundo na atual cronologia do herói.
SPOILER! Como acontece com todo bom super-herói que tenha identidade secreta e preze por ela, o lance da revelação de quem se esconde por trás da máscara sempre foi tema recorrente nas tramas do Homem-Aranha. Não foram raras as vezes em que ele foi desmascarado ou então acabou se desmascarando por conta própria, nas mais diferentes situações. Em Peter Parker: The Spectacular Spider-Man #6, que acaba de ser lançada nos EUA, o herói resolve confiar em mais alguém para saber do seu segredo mais íntimo. Mas é alguém que ao mesmo tempo que odeia profundamente o Homem-Aranha, se tornou tão próximo de Peter Parker nos últimos anos a ponto de poder ser chamado de “família”.
Portanto, estamos falando de uma situação absolutamente pessoal — e em uma história íntima, que se passa dentro de um apartamento, focada essencialmente nos diálogos ao redor de uma mesa de jantar. Pois é, tamos falando de J.Jonah Jameson.
Tudo começa quando o Teioso procura Jameson para saber mais informações sobre Teresa Durand, a suposta irmã de Peter, agente secreta treinada pela SHIELD e que está envolvida com o roubo de um imenso banco de dados com informações sobre super-heróis e supervilões. E aí JJ faz uma proposta: ele vai dizer tudo que sabe. Desde que o mascarado se sente para uma hora de entrevista exclusiva. Sem frescura, sem delongas, sem mistérios. Dois caras e um gravador ligado. E é basicamente sobre isso que este gibi trata.
Desde que o Homem-Aranha surgiu — afinal, Jameson estava literalmente na plateia da lutinha no qual o herói se mostrou para o mundo pela primeira vez, antes da morte do Tio Ben — o obstinado jornalista faz uma sucessiva campanha para mostrar que o Escalador de Paredes é uma ameaça para Nova York. Como editor-chefe do Clarim Diário, dedicava seus dias a criar manchetes que de alguma forma o retratassem como um inimigo do cidadão comum, sempre ligando-o aos criminosos que prendia. Se isso já não fosse exagero o suficiente, Jameson ainda ajudou a financiar o surgimento de maníacos fantasiados como o Escorpião e até o exército de aberrações robóticas conhecido como Esmaga-Aranha. Tudo pra apagar o aracnídeo da face da Terra.
Quando o Homem-Aranha revelou sua identidade secreta pro mundo durante a saga Guerra Civil, Jameson literalmente caiu da cadeira. Depois de uma reação divertida (afinal, tem muito de humor no relacionamento entre os dois), a porra ficou séria. Peter trabalhou pro Clarim durante muitos e muitos anos, vendendo fotos exclusivas de si mesmo, um baita problema ético, que deixou o cara do bigodinho putaço, a ponto de ameaçar processar o antigo prestador de serviços. Só que ele agora estava registrado pelo governo e, portanto, devidamente protegido com uma espécie de imunidade diplomática.
Obviamente esta situação durou pouco — porque aí veio o acordo com o Mefisto, o estalar de dedos que apagou grande parte da cronologia do Homem-Aranha, e também a providencial ajuda do Doutor Estranho para fazer com que todo mundo que sabia até aquele momento que Peter Parker era o Homem-Aranha tivesse este pedaço de sua memória apagado em definitivo.
Mesmo assim, não, a relação entre eles não voltou a ser a mesma, até porque o mundo ao redor dos dois mudou bastante e muito rapidamente. Jameson saiu do comando do Clarim e se tornou prefeito de Nova York. No comando da cidade, claro, não demorou até criar seu próprio esquadrão oficial de caçadores de Aranha. Mas foi no momento em que um certo Otto Octavius ocupava o corpo de Pete e, diante do Homem-Aranha Superior, muito mais agressivo e cheio de táticas pouco sutis, cometeu erros que acabaram forçando-o a sair do cargo.
Não parou por aí: sua segunda esposa, Marla, acabou assassinada por Alistair Smythe, filho de Spencer, o cientista que criou os Esmaga-Aranha. JJJ não conseguiu voltar para o Clarim que tanto amava e, rejeitado, se viu forçado a arrumar um emprego como colunista do televisivo Fact Channel. Só que o retorno do Chacal virou mais uma vez a sua vida de cabeça pra baixo e, no arco de histórias Dead No More, Marla é trazida de volta como um clone — que dura pouco e se torna pó. Ele perde a mulher que ama mais uma vez em tão pouco tempo.
Atualmente, portanto, depois de uma coleção de tragédias em série, Jameson se dedica mais uma vez a expor as ameaças mascaradas como o Homem-Aranha em seu recém-lançado blog, threatsandmenaces.com. Justamente no momento em que o Aranha viaja o mundo combatendo o crime, ao mesmo tempo em que é garoto-propaganda das Indústrias Parker, numa pegada bem mais Homem de Ferro em começo de carreira, garantindo-lhe um apoio da opinião pública que nunca teve antes. Ou seja: parece que o Cabeça de Teia se tornou um alvo ainda mais difícil.
Mas o grande segredo do encontro dos dois neste jantar à base de lasanha é que Peter, o homem por baixo da máscara, já enxergava Jameson de um jeito diferente. E foi aí que o nosso herói acabou tomando esta decisão. May Parker, a tia amorosa, se apaixonou pelo pai de JJJ, o Sênior, e ambos se casaram.
A contragosto, Peter e Jonah se tornaram família. Apesar dos momentos hilários que isso gerou, a relação entre eles se estreitou. Entre amor e ódio, entre as discussões idiotas e a decisão difícil e dolorosa sobre o rumo do tratamento do paizão em sua reta final, eles passaram de fato a se gostar.
Quando a tal “entrevista” acaba se tornando uma sessão de terapia, uma imensa lavagem de roupa suja, Jameson não tem outra escolha a não ser se desarmar e desabar. Em lágrimas, depois de dizer inúmeras vezes que é a máscara, justamente ela, que o incomoda tanto (“você é um covarde”, grita, ironicamente acusando o Aranha de fugir da responsabilidade com sua metralhadora giratória de piadinhas), ele confessa que o ódio foi a única coisa que lhe sobrou.
“Você é tudo que me resta. Pra provar que não foi tudo em vão”. Peter fica igualmente despedaçado. “Estou cansado deste nosso jogo. Ele durou tempo demais”, diz o Aranha. “Você é família. Você acha que ninguém se importa? Eu me importo. Você não está sozinho”. E então tira a máscara.
A conclusão é bem forte, intensa, emocionante. O roteiro de Chip Zdarsky prova que seu passado como quadrinista autoral/independente é a escolha ideal para este novo gibi que assumiu em junho deste ano, com uma abordagem mais “de volta ao básico” pro Homem-Aranha enquanto Dan Slott desenrola suas tramas mirabolantes em The Amazing Spider-Man. Não por acaso, o título carrega o nome “Peter Parker” na frente. Ficou claro desde o primeiro momento que Chip sacou muito bem que uma boa história do Homem-Aranha tem que ser, antes de tudo, uma boa história de Peter Parker. E que ela pode transcorrer sem que um único soco seja trocado e mesmo sem que um único vilão fantasiado dê as caras.
Estamos diante de mais um daqueles gibis que, inesperadamente, se tornam itens obrigatórios na nossa lista de leituras daqui pra frente. Ainda bem.