Em um mundo que grita o tempo todo, a gente precisa aprender a ficar em silêncio, mesmo que só de vez em quando, e praticar o respeito pelo nosso prazer.
Isso é disanimante. Outro dia ouvi o termo no mercadinho aqui do lado de casa, vindo de um senhor que comentava a situação do Brasew. Sei lá, me pareceu mais do que desanimador, deprê mesmo, e não é à toa. Desde 2016 a gente tem vivido numa daquelas montanhas russas de parque de diversões de praia, que os caras montam meio às pressas visando a clientela de verão, que parecem não ter algumas peças, que chacoalham mais do que deviam e que, vira e mexe, deixam os passageiros sentados por um tempão em carrinhos travados a dez metros de altura do chão.
Nessas horas, alguns sorriem seus sorrisos amarelos, outros, caçoam de quem sente medo de uma forma mais visível, embora também estejam cagando nas calças de seus superegos. Tem os que emudecem e entram em modo de espera, os MacGyvers que começam a traçar planos de descida que, neste caso, rimam com suicida, e tem os que berram pedindo ajuda, que são os mesmos que, quando descem dessa jornada de merda, falam que vão processar o parque, mas depois veem a PM passeando pela brinks e percebem que a treta não ia mesmo dar em porra nenhuma, daí catam um cachorro quente de origem duvidosa e segue o jogo.
O mundo sempre teve problemas, mas desde que as redes sociais mostraram seu lado antissocial, a coisa parece ter ganhado contornos dramáticos, de guerra, de debates se Star Wars é de esquerda ou de direita, se você deve chupar sua mina em trens, se o YouTuber pode trocar a cocaína pela endorfina, se as Kardashian são vazias ou uma parada socrática, e por aí vai. É uma vida onde você precisa ter opinião sobre tudo, inclusive sobre coisas que nunca te interessaram, mas que tu vai se sentir um bosta se não se manifestar. Parece aqueles sonhos de adolescência, quando nos vemos pelados no meio da sala de aula, do shopping, da nossa rua ou em um almoço de família, é como se todo mundo estivesse olhando. Na real, no entanto, eis que você publica e ninguém olha, ou quem importa para você nem dá bola, e seu vazio aumenta ainda mais.
É um mato sem catioro. A mãe de todas as tretas. Essa brincadeira da gente tentar desenhar nossa imagem no espelho está dando errado e indo por um caminho de dor e solidão silenciosas. As pessoas pagam para as selfies delas aparecerem em timelines de gente que elas nunca viram. Não é sobre o sucesso ou se sentir bonito(a), mas sobre A SENSAÇÃO de sucesso e das pessoas DAREM AVAL para você se sentir bem. Se seu desejo de feliz ano novo veio acompanhado de uma selfie, você sabe do que eu estou falando.
É claro que existe também a sensação de comunidade, de tirar uma onda, de mostrar onde e como você está para seus amigos e que se sentir meio(a) gostosinho(a) no meio do processo é daora, mas basta uma geral na timelaje pra ver que a coisa deu uma descambada, que tá osso pra muita gente encarar a própria cara sozinho, mesmo quando tem mais gente na foto. Num momento em que a desconstrução é tão importante, CONCOMITANTEMENTE a gente tem praticado essa parada de uma maneira invertida.
Uma das poucas grandes verdades da vida é que a partir dos 14, 15 anos, fodeu. Vamos conhecer o amor, e ele rima pra caralho com dor, em alguns momentos; todas as conjugações do verbo trabalhar passam a frequentar nossos ouvidos; os adultos que sempre estiveram disponíveis para você, começam a ficar cansados; a casa onde tu sempre morou vai deixando de ser seu lar e você precisa fazer um desses pra você. Olha, eu nem vou avançar aos temas casa própria, filhos e casamento, porque este é um Guia de SOBREVIVÊNCIA.
Eu só quero dizer que a gente precisa ficar mais tempo sozinho. Não falo necessariamente de dias, semanas, talvez nem mesmo de horas. De qualquer forma, eu insisto: é preciso um beijar a solidão, de quando em vez. O celular precisa respirar, as coisas precisam mudar ali dentro, precisamos dar a oportunidade delas se moverem sem a gente, e daí acho que vamos acabar nos mexendo um pouco também. Conversar com quem a gente gosta, ficar deitado, ver um filme inteiro sem planejar o que vamos escrever sobre ele, isso vale também para livros, séries e tudo mais.
Talvez lembrar que dá para assistir a coisas que a gente gosta sem matar tudo em uma noite, que podemos nos relacionar com aquilo de um jeito mais saudável, dando tempo para estabelecer uma relação real, sem metas, sem amarrar uma bola de ferro no próprio pé.
Talvez lembrar que dá para assistir a coisas que a gente gosta sem matar tudo em uma noite, que podemos nos relacionar com aquilo de um jeito mais saudável, dando tempo para estabelecer uma relação real, sem metas, sem amarrar uma bola de ferro no próprio pé. Dá para aplicar isso daí também para a pornografia, o McDonald’s, as dietas, os exercícios, a bebida, a maconha, as amizades, os doces e, claro, para o sexo, e, o mais importante, amar.
Em um mundo que grita o tempo todo, a gente precisa aprender a ficar em silêncio, mesmo que só de vez em quando, e praticar o respeito pelo nosso prazer. Isso já é uma meta de sobrevivência e tanto para 2018.