Uma das coisas mais maravilhosas da história do cinema — algo que Guillermo Del Toro também faz questão de lembrar o quão legal é.
“Eu vi que me sentia fora de lugar desde muito novo, com tipo 2, 3, 4 anos. Eu vi aquelas criaturas e pensei ‘eu sou como aquilo. Eu sou aquilo’. Num Natal, apareceu uma cicatriz na minha testa e eu não queria que ela sarasse completamente, pra ter minha cicatriz de Frankenstein”, disse Guillermo Del Toro à AP, durante o Festival de Toronto do ano passado, assim que A Forma da Água foi exibido pela primeira vez. “Quando o ator é bom — como no caso de Boris Karloff, que trouxe tanta vulnerabilidade para aquele papel — você tem esse paradoxo de que a coisa da qual você devia ter medo, na verdade te faz sentir compaixão e amor. E é essencialmente isso o que eu faço”.
“Eu amo monstros do mesmo jeito que as pessoas adoram imagens sacras. Pra mim, eles realmente se conectam de uma maneira fundamental pra minha identidade”, resumiu o diretor, em uma outra entrevista, dessa vez ao Guardian.
Não dá pra assistir a filmes do Guillermo Del Toro sem conhecer pelo menos um pouco de quem ele é e como ele chegou até aqui. Um cara absolutamente apaixonado pelo que faz, que costuma se jogar de cabeça com uma violência invejável em todos os seus filmes, especialmente nos monstros que cria. É por essas e outras que o cara fica realmente mal quando não consegue tirar algo do papel, como foi com O Hobbit e, especialmente, Hellboy III. E, no caso de A Forma da Água, é importante conhecer a sua relação com os tais monstros, tanto quanto saber o que é empatia.
Porque é só assim que A Forma da Água funciona do jeito que precisa funcionar. É um filme pessoal o suficiente pra que a primeira coisa que eu tenha pensado depois de assistir foi agradecer ao cara pelo que fez. Não só pela história que contou, como pela maneira que contou e, principalmente, por me lembrar, num momento da vida em que a minha cabeça resolve me sabotar e dizer coisas como “pra que cê vai pro cinema, cara? Fica em casa, não gasta dinheiro não”, o quão bom esse negócio de filme pode ser.
A Forma da Água é uma das coisas mais maravilhosas que eu já vi na minha vida. É um filme LINDO. Emocionante. Profundo... E é como um abraço de Del Toro em todos aqueles que, por qualquer razão, não se sentem parte do Mundo — e uma das homenagens mais legais ao cinema que o próprio cinema já fez.
A Forma da Água é a obra prima de Guillermo Del Toro.
Boas histórias devem sempre ser contadas, infinitas vezes, de infinitas maneiras. O mito do monstro que seduz a mulher existe em diversas culturas — no Brasil, você talvez conheça como a história do Boto Cor-de-Rosa, mas até Pequena Sereia ou Bela e a Fera contam isso — mas o que Del Toro fez com A Forma da Água é diferente. Seu monstro em momento algum se humaniza e, na verdade, ele que acaba seduzido por Elisa, em uma interpretação maravilhosamente humana (em diversos sentidos, literalmente até) de Sally Hawkins.
Acaba se formando uma conexão invejável entre a moça muda e aquele ser que nem humano é, sem que qualquer tipo de diferença entre os dois exista, sem que nada faça falta em um e no outro. É o que, dizem por aí, se chama amor — que, como definiu Del Toro, é como água e assume as mais diferentes formas. :)
Cheio dos mais diversos simbolismos (preste atenção no verde e no vermelho... e qual cor falta no monstro), o roteiro, escrito por Del Toro e Vanessa Taylor, é propositalmente linear, com poucas reviravoltas e conflitos, o que pode fazer com que muita gente demore a entrar na história, ainda que seja impossível tirar aquele olho vidrado e o sorriso idiota do rosto por toda a projeção.
É um filme pra ser assistido no cinema (como, bom, praticamente todos os filmes, mas você sabe muito bem por quais motivos, razões e circunstâncias eu tou dizendo isso) por toda e qualquer pessoa que esteja precisando sentir algumas coisas boas, ainda que por apenas duas horas. É um filme leve, tranquilo e bonito, mas que toca de maneira ridiculamente profunda quem se abre pra ele.
É preciso entender sobre o que o filme fala e exercitar a empatia pra encontrar a beleza no absurdo que Guillermo Del Toro faz questão de mostrar. Porque cinema é isso, né? Um negócio mágico e que muito pouca gente consegue explicar, mas todos podem sentir. :)