“Aftershock” faz a gente pensar: meu, por favor, que o Lemmy viva pra sempre!
Chega a ser triste escrever estas linhas justamente no momento em que pipocam notícias a respeito do estado de saúde debilitado do lendário Lemmy Kilmister, uma das mais icônicas figuras do rock pesado em todo o mundo, herói de legiões de bangers devotados. Mas é impossível deixar de falar de Aftershock, o 21o álbum de estúdio do Motörhead e que traz a banda fazendo o que sabe fazer de melhor, afiadíssima, em forma, poderosa como sempre.
Você pode até dizer que o trio está fazendo rigorosamente o mesmo tipo de música que há, sei lá, 30 anos. Pode ser, arrisco dizer, que você esteja certo. Mas, no caso deles, não chega a ser demérito algum. Se Aftershock não é o Motörhead inovando, pelo menos é o Motörhead se renovando – o que é muito difícil de ver acontecer com determinadas bandas veteranas. É uma banda que se mostra ainda relevante o bastante para ter tesão em fazer (e tocar) músicas inéditas, anos após ano.
O disco abre com Heartbreaker e fecha com Paralyzed, dois exemplares típicos do bom e velho Motörhead: faixas do tipo cacetada, sujas, pesadas, aceleradas, nervosas, metal transbordando atitude e urgência herdadas do punk. Só isso (aliado ao baixo certeiro de Queen of the Damned, uma espécie de herdeira direta de Ace of Spades) já seria o suficiente para definir Aftershock – mas o legal é que tem um temperinho ainda mais ardido neste jantar.
Dust and Glass e Lost Woman Blues são dois momentos mais melódicos, mais blues, explorando um Lemmy diferente – mas igualmente sacana, leia-se. Sacana também é a guitarrinha que Campbell desfila ao longo de Silence When You Speak to Me, um pouco mais encorpada e grooveada. Já Crying Shame e Do You Believe? têm um sabor de rock clássico salpicado nas cordas do guitarrista, estilo anos 50, do tipo que dá até para arriscar – pasme! – uns passinhos de dança pra acompanhar. E eu desafio você a resistir ao charme da deliciosa Keep Your Powder Dry, que é um combo ideal para bater cabeça e mexer os quadris.
Tudo isso, insisto, em um único disco do Motörhead, que dura inacreditavelmente menos de uma hora de audição contínua. Pense nisso.
Quando a gente ouve um disco como Aftershock, ficamos secretamente rezando aos nossos deuses (sejam eles quem quer que sejam) para que um sujeito como Lemmy seja, de fato, tão imortal quanto sempre pensamos que ele fosse. Sabemos que anos de repetidos copos de Jack Daniel’s e infindáveis maços de cigarros iriam cobrar tributo em algum momento. Mas não precisa ser agora. Porque o cara vai fazer uma falta e tanto. E não por uma espécie de saudosismo barato. Mas porque ele continua ativo, produzindo e entregando música boa. A gente merece. E ele também.