Novatos e veteranos do humor abrem o coração e revelam o que os faz gargalhar
É inevitável que, ao ter a espetacular oportunidade de estar frente a frente com um mestre em sua respectiva área, a gente queira escancar os bastidores para entender como eles reagem no dia a dia como espectadores comuns de seu campo de maestria. O que diabos figuras tão díspares como Bruce Springsteen, Neil Young, Bruce Dickinson, Mr.Catra ou Latino escutam em seus respectivos iPods? Aliás, eles têm paciência para ouvir música depois de trabalhar com isso o dia inteiro? E senhores de seu ofício como Kid Bengala e Ron Jeremy, quando chegam em casa, ainda têm pique para curtir a arte do rala e rola? É preciso algum artifício especial – ou eles simplesmente não se importam com sexo e ficam sozinhos, sob um abajur de luz solitária, lendo Bukowski enquanto baixam os novos episódios de Game of Thrones?
Esta foi a nossa curiosidade exploratória ao tentar entender, dos comediantes, o que faz rir o outro lado dos caras, o lado de espectador comum. De que situações eles acham graça? “Comediantes são chatos, está no nosso DNA. Fazer-nos rir é um desafio”, confessa o apresentador e radialista Paulo Bonfá, ex-MTV e idealizador do festival de humor Risadaria. “Tendemos a ficar o tempo analisando o conteúdo. Se eu gosto de algo, me pego rindo e pensando: ‘esta é uma ideia que eu gostaria de ter tido'”. Bruno Motta, comediante e roteirista com passagens pela MTV e pela Rede Globo, concorda, mas deixa claro que tem alguns amigos com a risada solta. “É até bom ter eles de plateia ou pra testar um material – te dá uma certa segurança falsa, mas dá. O comediante enquanto plateia está analisando a piada, antes de rir. Como ele faria, como ela seria melhor, se tem algum erro, se tem algum acerto, e se achar bom, ele começa a analisar como aquilo está bom, como foi construído”.
Marcelo Mansfield, comentarista do programa “Agora é Tarde” ao lado de Rafinha Bastos, faz coro. “O bom comediante não ri de muita coisa. A própria profissão o transforma em alguém exigente demais”. Fábio Rabin, outro egresso da boa sofra de comediantes da MTV, deixa claro que, no dia a dia, não é lá o cara mais bem-humorado do mundo. “Mas quando tô assistindo alguém, um comediante novo, creio que eu dê mais risada até do que a platéia, mesmo que a piada não seja a melhor. Rio da técnica, das observações que esse novato fez, então me divirto”, revela.
Existe outro ponto no qual todos eles parecem concordar: para poder se inspirar, mais do que ficar em casa sentado em berço esplêndido, tentando criar, é preciso botar o pé na rua, ouvir as pessoas, conhecer cada vez mais gente, dos mais diferentes perfis. “Tem duas certezas que me guiam como comediante. Uma é que enquanto o mundo girar existirá comédia, e o mundo não para, está sempre acontecendo alguma coisa”, opina Motta. O mestre Mansfield também gosta de ver as pessoas, além dos “estabelecimentos e seus nomes absurdos, cafonas. Gente fora do contexto social comum me inspira a criar personagens”.
E Rabin completa: “Preciso viajar, me ferrar, ir ao médico, fazer terapia, ver amigos, viver algo novo pra poder escrever. A rotina não me inspira e sim o caos de uma nova experiência”, diz Rabin, que ainda ressalta. “Dou risada também de gente caindo, gente dando mancada, quando as coisas dão errado, sabe? Como todo e qualquer ser humano rio da desgraça e boa parte da comédia se trata disso, rir da desgraça, dos outros, da sua, do mundo!”. Mas Motta faz, no entanto, uma advertência: “o meu trabalho como comediante é criar mais rápido do que as pessoas copiam – porque uma boa piada é sempre repassada”.
[one-half]Já Calone Hoffmann, conhecido na web como O Metaleiro, aquele que faz paródias de diversos hits pop em ritmo de heavy metal, prefere o humor espontâneo. “No meu caso, é muito fácil me fazer rir, porque sou do tipo de pessoa que esqueço fácil das coisas, então daqui dois meses estou rindo da mesma piada que ri dois meses atrás. Minha mulher me cutuca às vezes, e pergunta: ‘por que tu tá rindo tanto disso? Tu já riu dessa piada antes, sabia?'”.[/one-half]
Mauricio Cid, criador do blog Não Salvo, não se considera comediante, nem humorista, mas apenas um cara que tem um blog e gosta de dar risada. No entanto, assim como Calone, ele também prefere o riso solto, espontâneo, aquele filmado de webcam, com o foco errado, sem ator, sem roteiro e no qual qualquer coisa pode acontecer. “Aquele tipo de video que você vê dez vezes e ri todas as elas”. Este é, aliás, o foco de sua seleção de conteúdo, que é justamente tentar passar algo que ele mesmo tenha dado risada. “Procuro leitores que tenham o mesmo tipo de humor que eu. Se a pessoa acha pesado, sem graça ou o que for, pode procurar outro lugar mas eu não mudo minha linha de humor pois antes de agradar ao público, eu quero entrar no meu próprio blog e dar risada dele”. E carimba: “Tenho certeza que sou a pessoa que mais dou risada com o Não Salvo”.
[one-half]Bruno Motta é daqueles caras que confessa que dá risada de muita coisa por aí (“não gosto de pegadinha, mas videocassetada é um ponto fraco meu”), de sitcoms (“principalmente dos tradicionais, com plateia mesmo”) a Saturday Night Live (“é bastante irregular, mas quando me faz rir compensa todo o tempo perdido”), sem esquecer os clássicos, aqueles que nunca importa se são eternas reprises: Os Simpsons, Chaves, Pica-Pau...
Já Rabin diz que adora ver e rever Charlie Chaplin e se confessa fã de Seinfeld e do grupo britânico Monty Phyton – o que parece ser uma adoração em comum de todos que foram ouvidos pelo JUDÃO, aliás. Mansfield cita também o norte-americano Jack Benny (sucesso nos anos 1940 com filmes como “Dois Bicudos Não Se Beijam” e “Romeu a Cavalo”) e o francês Jacques Tati (“Meu Tio”, “As Férias do Sr.Hulot”), deixando claro que gosta de humoristas inteligentes. “Acho graça mais no que se passa na cabeça do comediante do que na ação que ele está fazendo em cena”.[/one-half][one-half last=”true”]
Bonfá cita como preferências, além dos irmãos Zucker (dos clássicos “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu” e “Corra Que a Polícia Vem Aí”), o trabalho dos grandes imitadores do rádio na atualidade: Beto Hora, Alexandre Porpetone e Rudy Landucci. Assim como Rabin, que se diz muito orgulhoso de sua geração, Bruno revela que seus contemporâneos são uma grande inspiração para que ele continue nesta carreira. “Quando vejo trabalhos como os do Melhores do Mundo, do Marcelo Adnet e da Calabresa, dos Barbixas, eu tenho a certeza de que dá pra seguir carreira sem se sujar, só fazendo coisas bacanas com gente boa”.
Afinal, os nossos queridos comediantes acham que, nos dias de hoje, está mais difícil ou mais fácil fazer as pessoas rirem – em comparação, por exemplo, com o que faziam nomes como Os Trapalhões? Bonfá afirma que cada época tem suas particularidades e assim o comediante evolui e se adapta. “Sempre haverá espaço para quem for engraçado, pois sempre haverá pessoas ávidas por liberar suas gargalhadas”, completa. A opinião de Bruno Motta é semelhante – porque, segundo ele, o mundo muda, o riso muda, muda a inspiração, muda a geração, mudam comediantes e muda o público. “Muda o objeto, muda o espelho, e claro, muda o reflexo. Não está mais fácil nem mais dificil, mas está sempre diferente. Entender que as coisas mudam as vezes dói. O cerébro está lá confortavel com o padrão que entende. E no final das contas, como ensinava o Chico, que aprendeu com o Zé, que aprendeu com o Abbot e Costello: só existem dois tipos de humor, o engraçado e o sem graça”, fecha.
Mansfield, no entanto, acredita que não está mais difícil fazer comédia, mas sim mais difícil o público tolerar a comédia. “Parece que as pessoas vão ao teatro ou ligam a televisão pensando ‘vamos ver se ele fala alguma coisa que possa render processo pra gente ganhar dinheiro e fama rápido'”, provoca. O publicitário paulistano Thiago Ruivo, entusiasta do stand-up comedy, reforça que agradar o público está se tornando mais complicado, em especial pelo excesso de humoristas ou aspirantes, que teria tornado a audiência seletiva – então, para valer a pena o riso, é preciso de muito esforço e muita força. “Não basta ser engraçado ou inteligente, é preciso chegar até o cérebro e o coração da platéia ao mesmo tempo. Se a piada demorar pra processar, perde a graça”, diz. “Admiro aqueles que se apresentam aos domingos, não existe gente mais séria do que uma platéia aos domingos. Me sinto o Cid Moreira sem Jabulani e Mr. M para entreter. Malditas segundas-feiras”.