Conheça a história do grupo britânico que chegou ao Netflix no último domingo (15)!
Em 1969 surgiu o grupo que mudou a forma de se fazer comédia na TV e no cinema: o lendário Monty Python. O sexteto inovou o tema com um humor visual, mas ao mesmo tempo textual e crítico. Ridicularizações às diversas instituições inglesas (e ocidentais), como a Igreja, os executivos engravatados, a polícia, o exército e até mesmo a realeza Britânica, andaram lado a lado com o nonsense comandado por puro besteirol.
Depois deles o humor nunca foi o mesmo, uma vez que influenciaram gerações de comediantes dos quais destacamos o pessoal do Saturday Night Live e do Kids in the Hall. O grupo chegou ao Netflix no último domingo (15), com O Sentido da Vida, Flying Circus, Em Busca do Cálice Sagrado e A Vida de Brian, com diversos outros títulos prometidos pra algum outro momento.
Aproveitando esse momento que é nosso, vamos adentrar, através do JUDAO.com.br, no abilolado mundo dos Pythons ou, então, falaremos Ni pra você!
John Cleese, Graham Chapman, Michael Palin, Terry Jones, Eric Idle e Terry Gilliam. Estes são os nomes dos indivíduos que se tornaram conhecidos pelo grupo humorístico que começou a ser formado na época de faculdade de seus integrantes. Cleese e Chapman eram colegas na Universidade de Cambridge; o primeiro estudou direito e o segundo, medicina. Palin, estudande de História, e Jones encontraram-se em Oxford. Além das atividades relativas aos respectivos cursos, eles detinham o gosto em comum por escrever e pela comédia.
O tempo passou e não demorou muito para que os futuros membros do Monty Python se encontrassem, se conhecessem e começassem a produzir textos cômicos que de tão bons levaram-os além da universidade, como o lendário programa de TV The Frost Report – entre 1966 e 1967 – para o qual escreveram sketches humorísticas. O comediante Eric Idle, aliás, conheceu alguns de seus futuros companheiros naquela fase.
Terry Gilliam foi o único estrangeiro a fazer parte do grupo. Americano que era, conheceu John Cleese em Nova York numa turnê humorística do inglês, oportunidade em que o trabalho artístico do yankee lhe foi mostrado. No início do Monty Python, Cleese soube que Gilliam estava de mudança para a Inglaterra por causa de outros trabalhos e logo o contratou para criar os famigerados desenhos e vinhetas do programa, que eram colagens das mais diversas, com os quais estamos acostumados.
Houve ainda uma mulher no grupo — e que mulher! Trata-se de Carol Cleveland, considerada como o sétimo integrante do Python, uma inglesa que punha os homens na linha e fazia o contraponto nos episódios.
Juntos ainda produziram, após o cancelamento de The Frost Report, alguns programas memoráveis nos anos que se seguiram: At Last The 1948 Show, Late Night Line-Up, Complete and Utter History of Britain, How to Irritate People, The Magic Christian e outros. Em 1969 o grupo decidiu por lançar um novo show criado exclusivamente por eles e para o qual os próprios escreveriam ao bel prazer, mas, o mais importante, também atuariam nos diversos papéis que surgissem. A idéia agradou ao produtor Barry Took, que os ajudou a concretizar o sonho.
Na primavera de 1969 foi ao ar, pela primeira vez, o programa Baron Von Took´s Flying Circus, em agradecimento à ajuda que lhes foi dada, recheado de sketches humorísticas produzidas por eles. Foi um tremendo sucesso e logo ganhou um horário fixo na grade de programação da BBC, ocasião em que teve o nome alterado para Monty Python´s Flying Circus, uma co-autoria de Eric Idle e de John Cleese. Cleese sugeriu o nome Python (espécie de cobra), talvez pela sonoridade, ao que Idle sugeriu Monty (um nome próprio), pois se lembrou de um sujeito gordo e desengonçado que, sempre ao chegar a um determinado pub, perguntava ao barman se Monty havia estado ali.
Todos gostaram do nome e eis que o programa foi rebatizado.
A trupe escrevia e atuava simultaneamente. Chapman e Cleese bolavam sketches em conjunto, ao passo que Palin e Jones também. Eric Idle, futuro compositor das músicas do grupo e escritor solitário, tinha dificuldades para fazer seu material ir ao ar, porque estava sempre em minoria. O programa era dirigido pelo ator-produtor-diretor Ian MacNaughton.
Um dos charmes da trupe reside no fato de se travestirem e de se disfarçarem dos mais diversos personagens, especialmente de mulheres, para que atuassem em seus quadros humorísticos. O episódio em que vemos o supervilão Mr. Neutron, por exemplo, mostra engraçadíssimas velhinhas fofoqueiras vividas pelos próprios e é simplesmente hilário.
Terry Gilliam, por sua vez, mostrava-se um dos mais desmiolados do grupo. Não duvidem! Vejam, por exemplo, a sketche da Inquisição Espanhola — no one expects the Spanish Inquisition!– e comprovem.
O material de trabalho do grupo lançava farpas aos quatro ventos. O pioneirismo do Python estava, em grande parte, no ataque aos convencionalismos e às tradições britânicas, muitas das quais forjadas na época Vitoriana. A Igreja, a polícia, os banqueiros, a medicina, o sexo, a pompa inglesa, o imperialismo norte-americano e até mesmo a rainha Elizabeth eram sumariamente massacrados por eles.
Outra parte do humor, porém, ADVINHA de puro material nonsense, o famoso besteirol, como no episódio em que se mostra ao espectador o Ministério do Andar Tolo (Ministry of Silly Walks), ou aquele em que Michael Palin, apresentador de um programa sobre ciência cerebral, o It’s the Mind, discorre sobre o tema do Deja-Vú e, de forma inédita, acaba por sofrer do fenômeno ali mesmo durante a apresentação.
Os quadros do grupo, hoje antológicos, foram muito bem aceitos durante as duas primeiras temporadas. No período que se situa entre a segunda e a terceira, importante comentar, lançou-se o primeiro longa-metragem, Monty Python’s And Now For Something Completely Different, que foi, na verdade, uma grande refilmagem de alguns sketeches já vistos no seriado. Por incrível que possa parecer, o filme aportou primeiro nos Estados Unidos, ao passo que a série apareceu depois. Os americanos, especialmente os jovens, aceitaram bem o humor do Python, apesar do sotaque e das diferenças sutis do inglês britânico para o inglês yankee.
Durante a terceira temporada, em 1973, uma bomba explode: John Cleese, um dos cabeças do grupo, decidiu abandonar a trupe para partir para trabalhos solos, além de achar que o material humorístico se repetia.
Embora a notícia os tenha abalado, o restante do Python decidiu continuar, e a quarta temporada é, então, produzida. Infelizmente, a ausência de Cleese é visível, e não apenas como um trocadilho de minha parte, porque as piadas já não apresentam a mesma graça e parecem, n’alguns casos, arrastarem-se demasiadamente.
Nessa ocasião eles lançaram um especial para a TV, o Monty Python’s Fliegender Zirkus, que consiste de duas aparições dos ingleses na TV alemã, gravadas em 1971 e em 1972.
Após 45 episódios, um especial e um longa-metragem, o grupo se separou em dezembro de 1974.
Não demorou muito e a turma novamente se reuniu para a realização do segundo filme do bando: Monty Python e o Cálice Sagrado, que foi lançado em 1975. Repleto de nonsense de cabo a rabo, o longa-metragem fez sucesso ao destruir a maior das lendas britânicas, a do Rei Arthur.
Os Cavaleiros da Távola Redonda, que cavalgam cavalos imaginários, o valente Cavaleiro Negro, que não se dá por vencido depois de ser esquartejado, o inóspito resgate encabeçado pelo bravo Lancelot, Sir Galahad e a tentação vivida no Castelo Anthrax, A Besta Negra de Aaaarrghh a la Gilliam, a Santa Granada de Mão, os franceses de sotaque terrível, e diversos outros personagens hilários compuseram um dos filmes mais engraçados da história do cinema.
Em 1979, o grupo se reúne novamente para o lançamento do terceiro filme: A Vida de Brian. Uma sátira à história de Jesus Cristo, o longa-metragem está cheio de referências bíblicas que acontecem, de maneira inusitada, com Brian (Graham Chapman), um judeu que teve a sorte (ou o azar?) de nascer num local próximo ao de Jesus e na mesma data. Resultado: pelo resto da vida, Brian é confundido com o filho de Deus.
Há passagens espetaculares na película: um Pôncio Pilatus (Michael Palin) que fala errado, extraterrestres que salvam Brian de uma queda fatal, a esmola para um ex-leproso, o voto de silêncio do ancião, bem como todo o tipo de bagunça com a qual estamos acostumados. A Vida de Brian, um filme genuinamente ateu, recebeu severas críticas à época, especialmente oriundas de fanáticos religiosos.
Em 1982 o grupo se reuniu de novo e se apresentou ao vivo no famoso Hollywood Bowl. Foi uma loucura, com lotação esgotada e mulheres atirando calcinhas para os integrantes. Nessa apresentação, o Monty Python realizou algumas sketches ao vivo e apresentou outras previamente gravadas. O quadro do jogo de futebol entre os filósofos alemães e gregos é formidável; a performance da canção do Lenhador é outro dos pontos altos do show. A apresentação foi gravada em vídeo e lançada sob o título de Monty Python: Live at the Hollywood Bowl.
No ano seguinte, 1983, o Python reuniu-se mais uma vez para a realização do quarto longa-metragem. Trata-se do ótimo O Sentido da Vida, uma coleção de sketches nas quais o grupo questiona com o espectador o motivo de nossa existência na Terra. De onde viemos? Aonde iremos? Qual o motivo da vida?
As piadas iniciam-se no momento do nascimento, passam pelo ingresso na escola, pela maturidade, pela morte e vão ao post mortem. A cena do nascimento, inclusive, é PÂNDEGA; a doação de rim com o sujeito ainda vivo é o must noutro dos sketches. Alguns números musicais também compõem esse longa-metragem que selaria a união do grupo para sempre.
Infelizmente, no dia 4 de Outubro de 1989 aconteceu o que os membros do Monty Python chamaram de piada de mau gosto: a morte prematura de Graham Chapman aos 48 anos de idade, por conta de um câncer. O derradeiro trabalho do ator, o piloto da série de TV Jake´s Journey, datou de 1988. Homossexual declarado e ex-alcóolatra, Chapman deixou órfão um dos maiores grupos humorísticos da história (qui cabe um trocadilho mais do que infame, pois a maioria dos membros da trupe eram altíssimos – John Cleese, por exemplo, mede 1m95!)
Ocorrida a separação, cada qual foi para o seu canto, como bem sabemos. A maioria continuou — e continua — até hoje nos meios cinematográfico-televisivow, tendo como exemplos de maior sucesso o comediante John Cleese (participando de papéis memoráveis em filmes como Um Peixe Chamado Wanda, além de participações especiais em filmes como 007: Um Novo Dia Para Morrer e Harry Potter) e o diretor Terry Gilliam (que dirigiu obras primas como Brazil – O Filme, Os 12 Macacos e há anos tenta colocar nos cinemas a sua versão para a história de Don Quixote).
O Monty Python, através de seu humor ferino e nonsense, deixou a própria marca nos anais do cinema e da TV. Eles, os seis, são a maior prova de que se pode fazer humor de alto nível sem que haja a necessidade de recorrer-se às baixarias tão sedutoras. Provaram ser possível parodiar a História, de forma inteligente e maluca.
Só posso imaginar o que mais teriam produzido se Chapman não morresse. Pelo menos sabemos que, nesse exato momento, o Céu — ou o Inferno! — está de cabeça para baixo. :)
Artigo originalmente publicado em 02 de Outubro de 2003, n’A-ARCA