Mas fica tranquilo aí porque, não, ele NÃO é o Frank Miller :)
A gente tá falando pra caramba da DC nos cinemas por estes dias, né? Bom, também pudera: teve toda a coisa do filme das Aves de Rapina, com a Cathy Yan na direção e roteiro da mesma Christina Hodson que vai escrever a adaptação da Batgirl (que também estará no filme das heroínas, ao lado da Arlequina, vejam vocês). Tem o Spielberg em pessoa cuidando da versão cinematográfica do Falcão Negro. Tudo bastante promissor, claro.
Mas aí vem a notícia de um outro filme da DC que, vejam vocês, não vai sair pela Warner — mas sim pela Blumhouse, com produção do próprio Jason Blum. E que é uma história com super-heróis mas que tá longe de ser uma história de super-heróis no sentido tradicional. Aliás, nem é uma parada dentro da cronologia tradicional da editora, sendo publicada originalmente pelo selo Wildstorm e com uma continuação que saiu mais de uma década depois, aí já via Vertigo. Tamos falando aqui de The American Way.
E quer saber a coisa mais foda? A adaptação deve ser escrita e dirigida pelo próprio autor do gibi, John Ridley (a arte é de Georges Jeanty). Ridley que, apenas por acaso, é também roteirista de cinema, devidamente premiado com o Oscar por seu trabalho em 12 Anos de Escravidão. E tudo isso dentro do mesmo estúdio que deu total liberdade criativa pra um cara como Jordan Peele fazer um filme como Corra!. Se isso não te arrancou um UAU QUE FODA dos lábios no exato momento em que terminou de ler esta frase, talvez você não tenha prestado a devida atenção.
A primeira série, publicada em OITO edições lá em 2006, se inspirou no desejo do presidente americano Lyndon Johnson de incluir um afro-americano no Mercury Space Program, primeira etapa do projeto espacial americano, que rolou entre 1958 e 1963 e cujo objetivo era, ainda nos primeiros passos da Corrida Espacial, colocar um homem na órbita da Terra e trazê-lo em segurança de volta pra casa. Preferencialmente, claro, ANTES da antiga União Soviética fazer o mesmo.
Na trama do gibi, em plenos anos 40, o governo dos EUA criou seus próprios super-heróis, um time chamado Civil Defense Corps controlado por um departamento chamado FDAA (Federal Disaster Assistance Administration). Os justiceiros uniformizados e superpoderosos combatem supervilões igualmente coloridos, invasões alienígenas e, que dúvida, os malditos comunistas!!!!, Tudo pra fazer a diversão da tradicional família americana diante da televisão. O grande caso é que as ameaças que os heróis combatem são todas igualmente criadas pelo governo, gerando nada mais do que um bando de atores e atrizes com habilidades fora do comum. Mas aí corta direto pros anos 60, quando o Old Glory, uma espécie de Capitão América/Comediante do Watchmen, a EPÍTOME dos ideais do Tio Sam, morre de ataque cardíaco durante uma batalha. E agora, quem segura esta batata quente?
Eis que surge seu substituto, o tal New American. Submetido a uma série de tratamentos para dar-lhe superforça e invulnerabilidade, o jovem Jason Fisher usa um capacete e uma roupa que lembra a de um astronauta. E tudo ia indo bem demais até que, ao longo de uma luta com o Wanderer, colega de equipe que pirou e matou a família toda com seus poderes telecinéticos, o capacete se quebra e ele acaba desmascarado. E os EUA enfim descobrem que Jason é um homem negro.
Lembre-se, estamos no começo dos anos 60, os EUA explodindo em questões raciais, Martin Luther King, Malcolm X, Movimento dos Direitos Civis. Claro que o país se divide e parte dele não aceita este herói, incluindo parte de sua equipe, os sulistas, que se separa e forma o Southern Defense Corps.
Pra tentar distrair o país deste “infeliz” acontecimento e poder voltar a usar seus super-heróis de mentira como, bom, distrações para questões mais importantes como a guerra pelo petróleo e paradas do gênero, eles então libertam um novo vilão de nome Hellbent. Era a isca perfeita, coloca os heróis pra combater este cara e beleza. Mas o caso é que estamos falando de um supervilão DE VERDADE, um sociopata homicida com gosto especial pelo sangue de minorias. O caldo então entorna de vez.
Mas quer saber por que esta história da adaptação fica ainda melhor? Porque o Ridley não vai adaptar ESTE pedaço da história. E sim a sua continuação, The American Way: Those Above And Those Below, série em seis edições lançada em 2017 mas que se passa exatamente uma década depois da história original, agora em 1972. E a escolha não poderia ser mais acertada, justamente por ela não apenas colocar o New American numa posição diferente, mais de acordo com todo o sucesso de um personagem como o Pantera Negra nas telonas, mas também reflete de maneira ainda mais incisiva a atual situação dos Estados Unidos e do mundo.
“Eu amo a série original”, explica Ridley, em entrevista ao io9. “Mas tenho que dizer que, nos últimos 10 anos, esta história de ‘filme de lançamento contando a história de origem’ ficou meio ultrapassada”.
A história mostra um mundo que descobriu todo o esquema do CDC, devidamente exposto como uma tentativa barata de propaganda para a Casa Branca. E aí acompanhamos, ao mesmo tempo, as histórias de três personagens da série original. Ole Miss, que tinha o poder de retroceder períodos curtos de tempo, abandonou a trajetória heroica e se tornou apenas Missy Devereaux, primeira-dama do Mississippi, popular o suficiente para ambicionar o cargo de governadora ela mesma. Aí temos a Amber Eaton, outrora Amber Waves, que gera campos de energia e outras formas de força tipo o Lanterna Verde — e acabou se transformando numa terrorista, usando suas habilidades para se infiltrar nos principais centros de poder do país.
E temos, claro, o New American. Que continuou um combatente do crime, agora sem esconder o rosto, tentando ajudar a população marginalizada do centro de Baltimore — que, do seu lado, teme que o sujeito seja apenas uma ferramenta da força policial local. Agindo com seu próprio código ético, o vigilante enfrenta os soldados brancos mas também quer, a todo custo, evitar que os ativistas negros tomem armas para fazer valer seus argumentos.
As três histórias se entrecruzam pra falar daquele racismo que não é tão direto mas que, devidamente institucionalizado, é sutil e se infiltra nas vidas de cada um de nós. Essencialmente, portanto, quer esfregar na cara de todo mundo que, por mais que a gente não queira admitir, sim, o ódio ESTÁ aqui. Além disso, a ideia do autor é também desafiar um pouco destas noções tão binárias de “bem” e “mal” que as HQs acabam tomando como fixas desde, sei lá, 1938, quando um certo kryptoniano saiu saltando prédios por aí.
Ele explica, no entanto, que a melhor coisa de já ter tido a chance de trabalhar com esta história em formato gibi é ter podido olhar todas as peças do quebra-cabeças de um ponto de vista privilegiado. “Agora, espero poder fazê-las se encaixar com clareza”. Isso significa até a chance de criar uma NOVA peça, por exemplo, como ele diz que fez com uma personagem que não existia nos gibis e que, uma vez que pintou no roteiro, acabou se tornando elemento-chave pra trama. Preocupado com a claríssima característica da Blumhouse em trabalhar com orçamentos mais apertados? Nem de longe. “O Exterminador do Futuro original, por exemplo, performou excepcionalmente bem com pouca grana”, relembra ele.
Aliás, o diretor também parece bem pouco preocupado em ver aquela galera do “parem de colocar política nos meus gibizinhos” fugir de sua obra. “Enquanto série de quadrinhos, The American Way intencionalmente existe em um tipo de espaço mais politizado e talvez isso seja uma barreira para certos espectadores”, opina. “Mas, ao mesmo tempo, não existiria e não teria atraído o seu público se não fosse algo político. Eu digo que, pra mim, The American Way não é uma história política. É uma trama histórica. Tanto quanto Esquadrão Red Tails (com roteiro dele), Jimi: Tudo a Meu Favor (a cinebiografia do Hendrix, dirigida por ele) ou 12 Anos de Escravidão. E completa: “Eu não inventei os movimentos dos direitos civis ou a resistência urbana”.
Justo. :)
Temos Ridley feliz, DC feliz, Blumhouse feliz e, bom, a gente do lado de cá também BEM feliz em ver isso acontecendo. A única que não deve estar lá muito feliz mesmo é a Marvel. Porque o tal projeto secreto que o cineasta tinha preparado com personagens da Casa das Ideias pra TV e que estamos esperando virar alguma coisa há anos vai se tornando cada vez mais distante conforme este tipo de anúncio vai surgindo...