Quadrinista deu uma genial entrevista para a Playboy gringa e falou sobre a Marvel Studios, a criação dos super-heróis, vida sexual, parceria com Jack Kirby e Steve Ditko…
Stan “The Man” Lee vive um caso de amor e ódio com os fãs de quadrinhos. Uma parte o idolatra como o cara que nos deu o Universo Marvel. O resto aponta o dedo, afirmando que ele se aproveitou da genialidade de outros quadrinistas para ganhar dinheiro e fama. Porém, a verdade é que Stan nunca fugiu de ser sincero em suas entrevistas e fala abertamente dos erros e acertos, pontos que fazem esses papos serem habitualmente geniais.
Junte isso à Playboy gringa, que sabe fazer boas entrevistas ping-pong. Pronto, temos um papo no qual podemos (pelo menos EU posso) ouvir a voz do The Man em cada palavra.
Entre as perguntas, o repórter questionou o quadrinista sobre o papel dele na Marvel atualmente. Nenhum, você sabe, mas ele pacientemente respondeu. “Basicamente, eu sou apenas um rosto bonito para o público... Eu não tenho nenhuma posição na Marvel na qual eu decido quais os projetos vão ser feitos ou quem será contratado, e certamente nenhum na Disney, que agora é dona da Marvel. Eu sou um cara que eles contratam como um roteirista ou produtor e também vou a convenções e coisas assim”.
Lee também confirmou que está bem animado para Os Vingadores: A Era de Ultron, “mas eu tenho que ser honesto. Eu não tenho ideia de quem diabos é Ultron. Ele foi um personagem desenvolvido depois que eu parei de estar envolvido com as histórias dos Vingadores. Eu estava perguntando pra alguns caras do escritório quem é o Ultron, mas aí meu telefone tocou e eu fiquei ocupado e nunca descobri. Marvel introduziu tantos personagens em situações estranhas que é difícil seguir todos eles”.
Apenas pra registro: Ultron foi criado em 1968 por Roy Thomas e John Buscema. Lee ainda era editor-chefe da Casa das Ideias (cargo que ocupou até 1972, quando foi ser Publisher AND cuidar das produções de TV). TEORICAMENTE ele deveria conhecer o Ultron, mas quem tá preocupado, né?
De qualquer forma, é inegável o atual sucesso do universo que ele começou a construir nos anos 60. É claro que o motivo disso também foi abordado durante o papo, com Stan mostrando seu lado mais filosófico para explicar a razão. “É uma extensão dos contos de fada que lemos quando somos crianças. Ou das histórias de monstros ou as histórias sobre bruxas e feiticeiros. Você fica um pouco maior e não pode mais se preocupar mais com contos de fada e histórias de monstro, mas eu não acho que você supera seu amor por coisas que são fantásticas, que são maiores do que você é [...]. O recurso adicionado a muitos desses personagens é o que faz deles extraordinários, mas ordinários ao mesmo tempo. Isso os faz deles relacionáveis. O Quarteto Fantástico tinha poderes incomuns, mas eles eram também um tipo de família com manias. [...] E o Homem-Aranha era como muitos adolescentes – confuso, perturbado. [...] Então você tinha o Demolidor, que era cego, mas podia fazer coisas que a maioria das pessoas que enxergam não fazem. Eu não criei o Capitão América, mas tentei fazer dele mais de um homem forte que lutava contra caras malvados. Eu tentei dar a ele personalidade e seus próprios medos, complexos e frustrações. E sobre o Doutor Estranho? Eu amo aquele cara, o cirurgião que tem as mãos quebradas em um acidente. Ele tem que lutar pelo seu caminho e eventualmente aprende a magica em uma antiga tradição mística. Ele se torna o mago mais poderoso que o cosmos já conheceu. Eles não fizeram um filme do Doutor Estranho ainda, mas eles vão fazer”.
Assim, Lee resume as histórias em quadrinhos como conto de fadas para gente crescida. Bons personagens que são como nós, ao mesmo tempo que são maiores que nós. “Fim da aula de filosofia. Isso devia ser esculpido em pedra”.
Ao mesmo tempo que o quadrinista eleva suas criações – com toda a razão, vamos concordar – ele também mantém os pés no chão. É uma dicotomia em pessoa, assim como seus próprios personagens. “Pra ser honesto, eu podia ter feito [os personagens] antes; eu poderia ter feito depois. Foi apenas porque meu chefe me pediu. Por exemplo, depois que eu fiz o Quarteto Fantástico, Martin [Goodman], meu Publisher, disse ‘dê-me um outro punhado de heróis’. Ele também estava preocupado porque nossa concorrente, a DC Comics, tinha a Liga da Justiça. Então eu sabia que o que tinha que fazer. Eu criei um outro grupo de personagens”.
De resto, foi tudo fluindo. Todos vivem em Nova York simplesmente “porque eu vivia lá”, explica Lee na entrevista.
Se, por um lado, os heróis da Marvel vão viver eternamente, como contos de fada, não se pode dizer o mesmo do quadrinista. Com 91 anos de idade, mas ainda bem ativo, Stan também falou sobre a morte pra Playboy. “Eu sei que [o meu obituário] já tá escrito. Está lá em algum lugar dos computadores do New York Times. Tá tudo pronto. Você não pode parar isso. Eu tive uma vida feliz. Eu não quero que ninguém pense que eu tratei Kirby e Ditko injustamente. Eu acho que tivemos um relacionamento maravilhoso. O talento deles era incrível. Mas as coisas que eles queriam não estavam em minhas mãos para dar a eles”.
Ele continua: “Eu estou sempre olhando pra frente, mesmo nesta idade. Você sabe, meu lema é ‘Excelsior’. É uma velha palavra que significa ‘pra cima e pra frente para a glória maior’. Está no selo do estado de Nova York. Continua em frente, e se é hora de ir, é hora de ir. Nada dura para sempre. Diabos, estou com 91 anos. Se eu tiver que ir enquanto falo com você, eu terei tido uma vida longa o bastante. Eu odiaria deixar minha mulher e minha filha, mas o céu sabe que isso está além de mim. E eu nem acredito no céu”.
O papo tem outros pontos interessantes (e/ou curiosos), como o Lee afirmando que nunca fumou maconha, que nunca colecionou os próprios gibis (o que faria dele ainda mais rico atualmente, diga-se), afirmando que se casou com a garota certa (Joan, com quem está há quase 70 anos), que nunca se preocupou com alguém arruinando seus personagens (“eu os deixei ir há um bom tempo, em 1972, quando me tornei Publisher”), a amizade com Bob Kane (criador do Batman), o manual de sexo que fez para o Exército (“eles não queriam que os homens alistados pegassem doenças”)... É um papo bacana e, se você quiser ler na íntegra (e em inglês), é só conferir aqui.
No final das contas, você vai perceber que Stan Lee é realmente O Cara. Simples como nós, maior que todos nós.