A treta acabou? Os Kinks vão mesmo se reunir mais de 20 anos depois! | JUDAO.com.br

Talvez uma das bandas mais importantes do rock clássico inglês e também uma das mais subestimadas, eles não tiveram a mesma sorte de contemporâneos como Beatles, Stones e Who, mas o que não falta é figurão se dizendo influenciado por eles

Ok, vamos lá, de fato por esta REALMENTE ninguém esperava. Porque, nos últimos anos, todas as vezes que uma banda clássica retorna às atividades, é aquele deus nos acuda de anúncios cheios de pompa e circunstância pra bombar as vendas de ingressos da vindoura turnê, muitas datas, muitas entrevistas, o pacotão completo de assessoria de imprensa. Mas digamos que é meio inimaginável nos dias de hoje que este tipo de anúncio acabe “vazando” assim, quase que casual, com um ZAP marcando um goró no meio de uma entrevista sobre OUTRO assunto.

No final da semana passada, Ray Davies, um dos mais PROLÍFICOS compositores de sua geração, aquele que inclusive já foi objeto de uma invejinha declarada de ninguém menos do que Paul McCartney, tava dando uma entrevista pra rede de TV britânica Channel 4 sobre seu recém-lançado disco solo Our Country – Americana Act II quando, no intervalo, rolou uma ligação. “Mick, te vejo no pub mais tarde”, foi a despedida de Ray, pra encerrar a ligação rápido e voltar ao papo. O apresentador, Krishnan Guru-Murthy, não perdeu a chance e teve a confirmação: era mesmo Mick Avory, o batera que mais durou na formação da banda original de Davies. “Estamos nos reunindo para fazer um novo disco dos Kinks“.

E claro que a entrevista do Channel 4 mudou COMPLETAMENTE de rumo.

“Pera, cê tá brincando comigo? Os Kinks estão realmente se juntando mais uma vez?”, o jornalista quis saber. Afinal, o último disco deles saiu em 1993 (Phobia), o último show juntos foi só lá em 1996... E todas as muitas tretas e discussões lendárias de Ray com o outro membro fundador do grupo, o guitarrista e seu irmão Dave Davies, que os tornaram a semente para a treta dos Gallagher no Oasis? “Oficialmente, estamos. No bar mais tarde”, brincou.

Depois, o músico de 74 anos explicou melhor o que tá rolando, dizendo-se inspirado pelos Rolling Stones, que são contemporâneos dos Kinks e ainda tão por aí, firmes e fortes. “Mick faz um incrível trabalho de relações públicas. É meio que inspirador vê-los tocando nestes lugares enormes. Os Kinks provavelmente vão tocar num boteco local”, afirma. “Eu tenho este monte de canções que escrevi pra banda. Creio que é a hora certa de fazermos isso”.

Gozado é que, ao Channel 4, Ray não fala sobre suas brigas com Dave (“Eu amo meu irmão, mas só não consigo ficar na mesma sala que ele”, teria dito o guitarrista em entrevista ao Telegraph), mas sim sobre um assunto não resolvido entre Mick e Dave, que inclusive chegaram a trocar porrada em pleno palco — chegando ao ponto, inclusive, em que o baterista meteu um uma das hastes de seu kit de bateria na cabeça do companheiro de banda, que desmaiou e foi levado às pressas ao hospital durante um show em Cardiff, no País de Gales. “Os dois nunca se deram muito bem. Mas eu fiz isso dar certo no estúdio. Foi preciso para fazer eles tocarem ainda mais forte”, afirma Ray.

Formada em 1964, em Muswell Hill, distrito da Norte Londres, a banda dos irmãos Davies surgiu no mercado fonográfico britânico no mesmo ano que um certo quarteto de apresentações incendiárias conhecido como The Who, e apenas quatro anos depois daqueles tais garotos de Liverpool acharem que podiam dominar o mundo. Mas, apesar do inegável talento de Ray como compositor, talvez o grande trunfo criativo deste combo, os Kinks nunca explodiram de fato como seus contemporâneos.

A canção You Really Got Me, que consta do disco de estreia da banda, Kinks (1964), não apenas virou uma das primeiras influências de qualquer banda mais pesada, do punk ao metal, por seu riff distorcido de guitarra, mas também se tornou líder das paradas de sucesso na Inglaterra e ajudou a abrir as portas dos caras para o mercado americano, como um dos primeiríssimos nomes da chamada “invasão britânica” nos EUA, nos anos 60. Mas, no auge da história toda, talvez por seu comportamento ERRÁTICO nos palcos, eles acabaram sendo banidos de tocar na Terra do Tio Sam por quatro anos, cortesia da American Federation of Musicians. Há quem diga que talvez tenha sido por causa de um soco na cara de alguém da produção do programa Where The Action Is, do icônico apresentador Dick Clark, depois de ouvirem uma série de comentários anti-britânicos para justificar seu atraso.

Qualquer que tenha sido REALMENTE o motivo, o fato é que eles acabaram não tendo a chance de explodir como seus comparsas. Rolou até um momento de baixa para a banda nos anos 70, mas eles continuaram insistindo e, no finalzinho da década e ao longo de boa parte dos anos 80, acabaram sendo redescobertos por nomes como The Jam, The Knack, The Pretenders e The Fall, que regravaram suas músicas e ajudaram a reacender o interesse pelo grupo e seus discos, que continuavam saindo. A versão do Van Halen para You Really Got Me, aliás, virou favorita entre os fãs da banda do frontman David Lee Roth.

Já nos anos 90, eles foram mais uma vez redescobertos, já que a explosão do chamado britpop fez bandas como Blur, Pulp e Oasis se declararem abertamente influenciadas por eles. Mas nem esta terceira chance conseguiu impedir, de fato, que depois de mais de 20 álbuns de estúdio em cerca de 36 anos de carreira, a banda simplesmente acabasse. Ou melhor, acabar mesmo eles nunca acabaram porque nunca aconteceu também um anúncio de rompimento. Os irmão Davies apenas foram se afastando, dando importância aos seus projetos paralelos, os resultados comerciais foram piorando... e FUÉN. Os Kinks foram parar no limbo.

“Eu tento nem pensar muito nestes dias”, disse Dave, sobre os 36 anos de atividades da banda, entre 1964 e 1996, uma verdadeira montanha-russa comercial e criatividade repleta de altos e baixos. “Quando eu escuto a gente tocando no rádio, acho legal, até que penso no jeito que as coisas realmente eram, os contratos ruins, as brigas, batendo nas pessoas, apanhando das pessoas, toda aquela merda”. Fato: as coisas ali eram bem caóticas — basta lembrar que, em 1966, Ray teve um colapso nervoso e ficou afastado e hospitalizado por meses. O baixista original, Pete Quaife (falecido em 2010), vazou no ano de 1969 porque tava “cansado dos conflitos constantes”, o mesmo motivo que levou Mick Avory a abandonar as baquetas em 1984, sendo substituído por Bob Henrit.

Mas os próprios Davies afirmam que talvez fosse este sentimento esquisito de caos e desordem que dava ao som deles o sabor único. “Gostávamos quando alguém saía um pouco do controle, adicionava mais cor e dimensão”, afirmou Dave. Para Ray, esta zona toda era um reflexo da arte deles em si. “Se você escutar com atenção, tem um monte de coisa acontecendo. É o caos organizado. Tem mudanças de tempo, de tom, acordes estranhos, e os Kinks podiam fazer isso tudo em apenas uma tomada”.

Depois de MUITOS anos de provocações pela imprensa, dizendo tanto de um lado quanto do outro que uma reunião seria praticamente impossível, a partir de 2011 os irmãos Davies começaram a suavizar o discurso aqui e ali, Ray chegou a participar de alguns shows solo de Dave, teve até uma história de comporem juntos umas 4 ou 5 faixas para um tal álbum conceitual que nunca rolou...

E teve até, no ano passado, o tal convite para que eles se juntassem e fossem headliners do tradicional festival de Glastonbury. Obviamente, não aconteceu. “Eles acenam com os cheques pra você mas a realidade é que você tem que estar confortável com as pessoas com quem vai subir no palco. Eu simplesmente me afastei da tentação”.

Bom, enfim, parece que a hora é agora. Ainda que seja uma coisa mais sussa, pequena, sem grandes pretensões. Mas Ray, cavaleiro condecorado da Coroa Britânica, dá a entender que a sua principal preocupação aqui, mais do que apenas desovar novas canções compostas especialmente pros Kinks, é com o tal do legado. “Um monte de pessoas conhecem as nossas músicas. Mas não sabem qual é a banda que as toca”.