Olha, pode ser que não seja algo assim TÃO drástico e, claro, não tão a curto prazo — mas o argumento de Bob Layton, icônico artista do Homem de Ferro, pro futuro faz um sentido danado, viu?
Entre o final dos anos 70 e a metade dos anos 80, a dupla David Michelinie e Bob Layton (que, além de desenhar, também dava uma força nos roteiros) marcou época à frente dos gibis do Homem de Ferro — não apenas por introduzir personagens como o fiel parça James “Máquina de Combate” Rhodes e o rival Justin Hammer, mas também por escrever pelo menos dois dos arcos mais icônicos do Cabeça de Lata: Demônio na Garrafa, sobre a luta de Tony Stark contra o alcoolismo, e A Guerra das Armaduras, sobre a venda ilegal dos planos de suas tecnologias para criminosos que o força a ir atrás de todos que possam estar usando seus modelos de armaduras...incluindo a SHIELD.
Durante a recente ComiCONN, que rolou em Connecticut, nos EUA, Layton foi convidado a comandar o painel I am Iron Man!, no qual, entre outras coisas, explicou porque acredita que Homem de Ferro 3 não funcionou (o que prova, obviamente, que ele não assistiu ao filme com a devida atenção). De qualquer maneira, os caras do site AIPT! aproveitaram a chance pra bater um papo com ele, com a chegada de dois outros personagens criados sob sua gestão aos cinemas: Scott Lang e o Fantasma.
Além de dizer que amaria ver o Hércules, o fanfarrão herói mitológico grego que ele também escreveu pra Marvel durante um tempão, nas telonas em algum momento — e numa pegada meio Guardiões da Galáxia, preferencialmente — ele ainda apostou que o Robert Downey Jr. deve se aposentar do papel do Ferroso nos cinemas em breve e que a Casa das Ideias, sabendo bem que ele se tornou uma espécie de visão definitiva do herói para toda uma geração, vá mesmo seguir o que a boataria diz e colocar alguém mais jovem no lugar. “Porque a armadura permanece, sabe?”, opina.
Uma destas opções podia ser “uma Riri sei lá como é o nome dela”, diz o autor, com um certo desdém. “Eu não acompanho os quadrinhos mas sei sobre a existência dela porque, quando fazem algo escandalosamente ruim, todos os meus fãs começam a me escrever imediatamente. Então eu sei tudo de ruim que já aconteceu com o Homem de Ferro, porque os fãs odeiam o gibi dele”, afirma, complementando. “Parece que eu sou o único capaz de escrever o personagem apropriadamente, sabe?”.
Bão, digamos aqui que, além de arrogante PRA CARALHO nesta pegada besta de “os fãs odeiam o gibi do Homem de Ferro” (que, bom, se fosse verdade já teria sido devidamente cancelado), a postura do Layton é de quem desconsidera não apenas a ótima fase de um cara como Brian Michael Bendis à frente do personagem, criando uma substituta maravilhosa e igualmente carismática como a Riri Williams, mas também de sujeitos como Warren Ellis (que fez a boa fase do Extremis) e Mark Millar (que criou a versão Ultimate do herói no gibi dos Supremos e que, muito cá entre nós, influencia beeeem mais a versão dos cinemas do que a versão do próprio Layton).
Ao ler isso, confesso que me bateu um bode danado, mas segurei e continuei, chegando na parte que realmente importava do papo: a atual situação dos quadrinhos americanos como indústria e sua relação com as outras mídias. Para ele, a Marvel está completamente focada na marca e não nos personagens propriamente ditos. “Os artistas estão tomando a frente e se tornando mais importantes do que os gibis. Não deveria ser assim, não deveria ser sobre nós, nós não poderíamos ECLIPSAR os personagens ou a história”, afirma, com foco em toda uma nova geração de roteiristas/desenhistas superstars negociando seus passes exclusivos a peso de ouro. “Mas esta é só parte do problema pra mim, porque este se tornou um modelo de negócios insustentável. Cedo ou tarde, Marvel ou DC, Warner ou Disney, vão olhar para este braço de publicação conforme o retorno vai diminuindo”.
Para Layton, as duas gigantes dos gibis de super-heróis têm as maiores bibliotecas de reimpressões do mundo — o que significa, portanto, que ganhariam dinheiro de fato com novas edições de seus grandes clássicos do passado. “Pensa nisso: quando foi a última vez que você viu um gibi do Mickey Mouse? Mickey é o personagem mais popular do planeta, o mais conhecido. E não fazem mais gibis do Mickey. Depois de subir todos os degraus da escada e se tornar parte da história, você empurra a escada pra ninguém mais subir — porque você está no topo”. Talvez a comparação com o Mickey faça mais sentido pro mercado dos EUA do que pra gente, aqui no Brasil, já que graças ao trampo da Editora Abril conhecemos bem a produção frequente dos gibis Disney na Europa, mas dá pra entender onde o Layton quer chegar com isso: o personagem cresceu tanto em outras mídias que, de fato, não precisa mais das HQs.
“Pô, o Homem de Ferro vende o quê, umas 20.000 cópias por mês ou algo assim?”. O chute talvez não esteja tãããããããão longe assim, já que segundo os últimos relatórios da distribuidora Diamond Comic, de maio/2018, a edição 600 de Invincible Iron Man, que marca a despedida de Bendis do título, registrou pouco mais de 50.000 unidades vendidas, lembrando sempre que o mercado de lá funciona de um jeito bastante diferente. De qualquer jeito, o que ele quer dizer é que o preço da impressão continua aumentando, a distribuição também... “Você acha que a Marvel tá fazendo lucro com isso? E os preços vão ficando cada vez mais altos. Agora tamos competindo com o Netflix. Quando os gibis chegarem em US$ 7, eles estão mortos, porque vai ser mais barato assinar o Netflix e ver todas as coisas do universo cinematográfico da Marvel. E não é como se eu não amasse os gibis”.
Aqui no Brasil, vale lembrar, o pacote mais básico do Netflix custa R$ 19,90, enquanto o gibi mensal do Homem de Ferro sai por R$ 7,50. Pensa aí na relação custo-benefício da coisa. E, conforme o Layton disse, EU também amo gibis! ;)
Ele ainda menciona uma OUTRA relação que geralmente se faz quando se pensa na Marvel dos cinemas: a de que um público novo, seja ele mais jovem ou mais velho, vai ver os filmes, pirar com os personagens e naturalmente migrar pros gibis, de onde eles vieram. Pra Layton, infelizmente, não é tão simples assim. “Você leva sua mãe pra ver um filme dos X-Men. Ela ama e quer mais daqueles personagens. Aí você pega os quadrinhos e nenhum dos personagens do filme estão naquela formação da equipe. E eles nem ao menos se parecem com os personagens do filme. E não tem nem uma introdução no começo sobre os personagens, porque não é algo escrito para as massas como era quando eu fazia estes gibis. É focado hoje numa audiência nichada que apenas lê gibis dos X-Men, então você de fora pega aquela parte 6 de uma história em 12 partes e não faz a menor ideia do que tá acontecendo”.
O roteirista relembra que, antigamente, era ensinado que cada número do gibi devia ser tratado como o primeiro número, como se alguém estivesse pegando naquilo pela primeira vez. “A televisão faz isso, sabe, as séries mandam pelo menos uma introdução básica sobre o personagem ou a história, porque tem sempre um potencial espectador novo. Isso é escrito pra massa. É por isso que os filmes falam de maneira mais abrangente que os gibis. Porque você não tem que ver TODOS os filmes da Marvel pra entender o que tá rolando”.
E então, quando diz que a indústria dos quadrinhos se tornou uma parada mais HERMÉTICA e que não é mais acessível deste jeito, ele vai pro terceiro e derradeiro ponto: o local de venda, uma questão ainda mais grave nos EUA mas que, de alguma forma, começa a se desenhar lentamente por aqui. “A gente nem está mais nas bancas”, diz. E voltando ao exemplo da mãe que curtiu X-Men depois de ver um bom filme dos mutantes, Layton diz que o desafio aí vai ser encontrar uma boa comic shop. “Boa sorte com isso. Porque quando você entra numa, geralmente é como uma pequena loja pornô feita por um cara usando uma caixa de charutos como caixa registradora – a maioria delas, quero dizer, nem todas são assim, mas você sabe do que eu estou falando. A maioria deles é aquele tipo de lugar sem uma boa reputação...”.
O Comic Book Guy entendeu exatamente o que ele quis dizer.
Pra fechar, o roteirista e desenhista gosta de destacar em comparação o mercado francês. “Você já foi numa loja de quadrinhos na França? Elas são incríveis. Diversos títulos autorais de capa dura, daquele tamanho de livro de arte. E tudo garantido por contratos pagando royalties como qualquer livro do James Patterson (um dos mais reconhecidos escritores do mundo, autor best-seller norte-americano especializado nos gêneros suspense e policial). É um modelo totalmente diferente mas que os franceses mantiveram sustentável por 30 anos”. Claro, claro, tamos falando de um mercado menor do que o americano e, bom, de certa forma, menor até do que o brasileiro. Mas ainda assim, dá pra entender o conceito.
“A indústria nos EUA não mudou nada nos últimos 75 anos. Ainda estamos imprimindo este panfleto que você tem que guardar em plástico para não apodrecer”, finaliza ele.
Olha, vale DEMAIS a reflexão, tanto lá quanto cá.