Iniciativa editorial que ajudou a reformular muito do que se conhecia como Casa das Ideias nas últimas décadas vai soprar as velinhas retomando as atividades começando numa edição especial, tudo agora sob o comando de Donny Cates
O ano era 1998. A Marvel não estava, nem de longe, no melhor de seus momentos — mas vinha, aos pouquinhos, se recuperando do pedido de concordata (uma forma mais leve de falência) com o qual se deparou dois anos antes, ao arriscar comprar a Fleer, um dos maiores nomes do mercado de cards colecionáveis dos EUA, encarar uma baixa nas compras de cartões esportivos graças a uma greve dos times de beisebol e acumular dívidas na casa dos US$ 600 milhões.
Com empréstimos não-pagos pedidos a bancos como o Chase Manhattan, o controle da empresa passou a ser disputado por tubarões do mercado financeiro, mas a dupla formada por Avi Arad (é, ele mesmo) e Ike Perlmutter, sócios-proprietários da Toy Biz, empresa de brinquedos da qual a Marvel tinha aproximadamente 40% do controle acionário, começaram a ajudar a dar um jeito na coisa com a fusão das duas empresas, no comecinho de 1996. Legal. Mas e agora? O que diabos eles fariam pra alavancar novamente os seus gibis?
Ainda eram os anos 90, a concorrência dos gibis radicais, violentos e cheios de adrenalina da Image da época era BEM forte, e a Casa das Ideias pensou: pô, talvez a gente pudesse experimentar algo neste caminho. Aí, criaram um selo que estava cronologicamente fora da continuidade oficial da editora, o Marvel Knights, e “licenciaram”, com total liberdade editorial, pra Event Comics de Joe Quesada e Jimmy Palmiotti. Originalmente, tavam nas mãos deles Demolidor, Justiceiro, Pantera Negra e Os Inumanos.
No fim, a Marvel acertou NO ALVO. Tá bom, não é como se eles tivessem acertado TODAS as iniciativas (afinal, por exemplo, antes de Garth Ennis chegar ao Justiceiro, eles se permitiram lançar AQUELA fase do Frank Castle matador celestial que pelamadrugada). Mas vejam o caso de O Diabo da Guarda, a passagem do cineasta Kevin Smith pelo Demolidor — além de ser uma história maravilhosa, ajudou a revitalizar o interesse do público pelo Homem Sem Medo e trouxe uma nova leva de jovens fãs pro personagem. O mesmo vale pra linda pegada que Christopher Priest deu ao Pantera Negra.
O fato aqui é que estas histórias, mais livres da cronologia opressora da Casa das Ideias, um pouco mais sombrias e violentas, passaram a ser interessantes válvulas de escape e tubo de ensaio para personagens maiores. Bastava aplicar o selo Marvel Knights em cima e, pronto, tava liberado. A coisa toda durou lindamente até 2013, com mais de 300 números publicados, com experimentações que se estenderam para uma série de outros medalhões da casa (como o Homem-Aranha, que ganhou um thriller de ação pelas mãos de Mark Millar).
O Universo Ultimate só existiria graças aos Marvel Knights, provando que dava pra ousar um pouco mais fora dos GRILHÕES OPRESSORES da tradicional cronologia do universo 616. E com todo o prestígio que ganhou lá dentro, Quesada virou editor-chefe da editora e, mais tarde, tornou-se o atual e popular Chief Creative Officer da Marvel Entertainment.
Agora, 20 anos depois, mais do que apenas celebrar durante a edição 2018 da San Diego Comic-Con, a editora anunciou, dentro de um pequeno evento fechado apenas para distribuidores, que a linha deve voltar ainda este ano. Ou, bom, quase isso. “Eu vou ser o showrunner desta nova coisa que estamos fazendo”, revelou o roteirista Donny Cates, elogiado recentemente por seus trabalhos à frente dos gibis do Venom e do Thanos (no qual, aliás, lançou a versão cósmica/futura do Motoqueiro Fantasma da qual os fãs gostaram tanto que acabou ganhando HQ própria) e que, segundo consta, está ampliando seu contrato de exclusividade com a empresa justamente pra cuidar deste projeto.
Embora tenha sido recebido, no evento, como uma “ressurreição” da linha, não deve ser nada tão radical — pelo menos, não agora. Tudo começa em novembro, modesto, com o lançamento da edição MK20 #1. A imagem de divulgação, sob o traço do nosso Mike Deodato Jr., indica que teremos o retorno dos quatro personagens originais da linha (pra quem não sacou, o sujeito do lado direito, bem abaixo do Justiceiro, é o Karnak, dos Inumanos, em seu visual mais recente e “arrojado”), naquela pegada bem “somos das ruas e vamos meter a bica na bandidagem”.
Coates está pessoalmente reunindo os times criativos, começando inicialmente por ele (claro) e mais três nomes confirmados: Tini Howard (Hack/Slash), Matthew Rosenberg (Multiple Man) e Vita Ayala (Supergirl).
Mais detalhes ainda serão revelados em breve. ;)