No dia em que um dos desenhos animados que mais marcou gerações no Brasil completa 35 anos de seu lançamento, a gente relembra o FINAL da parada
Como todo moleque que nasceu no final da década de 70 e que, portanto, passou sua infância nos anos 80, eu fui um verdadeiro viciado nos desenhos clássicos que infestaram a nossa televisão. Eram Transformers e Comandos em Ação pra cá, He-Man e Thundercats pra lá... até que apareceu este tal de Caverna do Dragão.
Era uma série diferente de tudo que eu já tinha visto: apesar dos momentos bem-humorados, tratava-se de uma aventura fantástica com um tom um pouco mais sério daquele que já tinha sido apresentado pelos desenhos da época. E eu me tornei um viciado nas peripécias de Hank, Diana, Sheila, Bobby e, principalmente, nas de Eric e Presto. Tinha também o pequeno unicórnio Uni. Mas quem se importa com ele? ;)
Produzido pela Marvel Productions (que depois se tornou a New World Animation, finada subsidiária de TV e cinema da Marvel Entertainment Group) em associação com a TSR Inc., tudo com animação da Toei Animation, o desenho Caverna do Dragão teve três temporadas, sendo exibido originalmente a partir do dia 17 de setembro de 1983 — completando nesta segunda-feira, portanto, 35 anos de seu lançamento.
Foram 27 episódios, ao longo de três temporadas, sob a tutela do produtor executivo Gary Gygax – simplesmente um dos criadores do RPG Dungeons and Dragon, no qual foi baseada a série e do qual ela herdou inclusive o nome original em inglês.
A aventura começa quando cinco amigos (carregando a tiracolo o irmão caçula-mala de Sheila) estão visitando um parque de diversões e ficam alucinados com a nova atração: uma espécie de montanha-russa sinistra chamada...Dungeons and Dragons.
Quando os seis jovens sobem nos carrinhos do brinquedo e entram num túnel escuro, são magicamente transportados para um mundo diferente do seu. Na verdade, trata-se de uma terra tipicamente tolkieniana, um ambiente de fantasia medieval com dragões, duendes, elfos, dragões, ogros e todo tipo de criatura que com certeza você veria num livro de Senhor dos Anéis (ou, adivinha só, numa partida de D&D).
Lá chegando, eles são recebidos pelo pequenino e misterioso Mestre dos Magos. Embora ele não seja de muita ajuda (já que fica falando por meio de metáforas e, quando menos se espera, simplesmente desaparece sem deixar vestígios), os moleques sabem que o diminuto poço de sapiência será um aliado de grande valia.
Ele presenteia os jovens com armas místicas, que fazem deles um típico grupo de RPG de fantasia: Hank recebe um arco místico e vira o arqueiro; Eric ganha um escudo e se torna o cavaleiro; Presto leva de bandeja um chapéu mágico e incorpora o mago; Diana ganha um bastão que aumenta magicamente de tamanho e agora é a guerreira; Sheila recebe um manto de invisibilidade e assume o papel de LADINA e, por último, Bobby ganha uma clava mágica (chamada no desenho de “tacape”) e completa o grupo como o bárbaro.
Nesta terra sinistra, estes rapazes e moças ganham como mascote Uni, um filhote de unicórnio pentelho pra cacete – quem assistia obviamente lembra do grito fininho do Bobby gritando “Uniiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!” e o pequeno bichinho respondendo “Béééééééééééééééééé” do outro lado.
O inimigo mais presente é o Vingador, cavaleiro das trevas que monta um cavalo alado estiloso e que trama dominar esta terra destruindo o Mestre dos Magos. Ao seu lado ele tinha um fantasma sombrio e ardiloso conhecido como Demônio das Sombras. Mas seu único temor era Tiamat, o temível dragão de cinco cabeças – que, como todo dragão, não pode ser considerado bom ou mau, já que é apenas e tão somente uma força da natureza.
O maior problema do grupo era realmente voltar para casa. Caceta, quantas vezes eles não tentaram retornar à nossa terra e acabaram impedidos por este ou aquele motivo? Um hora era o Vingador, outra hora eram as armas místicas (que teriam que ser deixadas para trás e poderiam cair nas garras do vilão) e, na maioria das vezes, a coisa descarrilhava por causa do Uni. Pois é: o desgraçado do chifrudinho também não poderia sair daquela terra mágica e, na última hora, o Bobby se arrependia de ter que deixar seu bichim pra trás e fodia tudo.
E é aí que vem a pergunta que não quer calar: afinal, Caverna do Dragão teve um final, no encerramento de sua terceira temporada? Isso deu origem a uma enorme lenda urbana, que durou ANOS na ainda nascente internet brasileira.
Todo mundo tinha um danado dum primo ou um amigo ou até um sobrinho do papagaio da cachorra da vizinha que dizia ter assistido ao episódio final da série, que era exibida na Rede Globo. Uma versão bastante popular contava o seguinte: no final, os moleques descobririam que tudo não passou de uma enorme aventura de RPG. Na verdade, eles estariam sendo usados pela Mestre dos Magos, que era secretamente o mestre do jogo (em inglês, o nome do personagem é Dungeon Master, logo...). Por sinal, ele e o Vingador seriam a mesma pessoa – afinal, o cavaleiro sombrio não passava de um NPC e quem interpreta os NPCs é o Mestre.
No entanto, a teoria que mais apavorou os fãs nos últimos anos foi um final no mínimo tétrico que se espalhou como verdade absoluta: o que eles descobririam no final é que estavam MORTOS, vagando pelo inferno, funcionando como brinquedos nas mãos do diabão.
E quem seria Lúcifer em pessoa? Claro: o Mestre dos Magos! Surpreso? É, e que tal se eu dissesse que, segundo esta teoria, o Vingador seria um anjo caído tentando avisar os garotos do perigo? E que o Tiamat seria apenas uma mesma faceta deste anjo? E que o Uni seria um pequeno demônio que servia para prender a molecada àquele mundo?
Sinistro o suficiente pra você?
Então... esqueça. Nada disso é verdade. Simplesmente porque não existe uma porra dum episódio final. Ele realmente chegou a ser escrito, mas nunca foi animado porque a CBS (que exibia o desenho nos EUA) repentinamente cancelou o seriado em 85. Os motivos alegados foram a baixa audiência — conforme a terceira temporada se desenrolava, a atração foi perdendo a força — e uma birra, por conta de um suposto nível elevado de violência, que a organização chamada National Coalition on Television Violence insistia em ver. Thomas Radecki, o psiquiatra que fundou o grupo, chegou inclusive a participar, como especialista, de um processo movido contra o D&D, o jogo.
O que aconteceu? Bom, o garoto Irving Lee Pulling II, estudante da Virginia, se suicidou em 1982. O caso é que ele era jogador de D&D e sua mãe, Patricia A. Pulling, culpava o jogo, chegando inclusive a formar o grupo Bothered About Dungeons and Dragons. Dois anos depois, os problemas relacionados ao RPG voltaram à tona quando uma adolescente do Missouri, Mary C. Towey, foi estrangulada por Ronald G. Adcox e Darren Lee Molitor... dois jogadores de RPG. Daí pra conectar o D&D de mesa com o D&D que passava na TV foi um pulo. E por mais que nenhum dos processos tenha dado em nada, a CBS sentiu a pressão. Deu no que deu.
No entanto, a Marvel e a TSR tinham encomendado ao distinto roteirista Michael Reaves (escritor costumeiro do desenho) o episódio Requiem, um desenho com final ambíguo – em suma, teria que deixar um gancho caso as duas empresas conseguissem vender a ideia de produzir mais uma temporada para a CBS. Assim, o final de Requiem daria a entender tanto que 1) eles voltaram para casa quanto que 2) eles ficaram no reino mágico. O grande destaque deste desenho que nunca foi animado é a revelação de que o Vingador é filho do Mestre dos Magos (TA-DAAAAAAAAAA!).
Também descobrimos a verdadeira missão da molecadinha naquele mundo sinistro. Segundo o próprio Sr.Reaves explicou, Requiem seria mais ou menos como a parte 3 de uma história maior – as duas primeiras são The Dragons’ Graveyard (O Cemitério dos Dragões) e Dungeon at the Heart of Dawn (O Portal do Amanhecer). Um detalhe: em Requiem, vê-se claramente a tensão entre Hank (o mauricinho bonitinho metido a líder) e Eric (egocêntrico, o personagem mais tridimensional e cheio de defeitos da série – o meu favorito). Quase como uma Guerra Civil em Caverna do Dragão.
Mas embora o episódio jamais tenha sido rodado, seu roteiro vazou na internet em um determinado momento. E foi aí que o quadrinista brasileiro Reinaldo Rocha resolveu tomar a tarefa em mãos e transformar a história num gibi. Resultado? Tá aqui, no portfólio dele, pra ser lido na íntegra — já que o gibi nunca foi de fato lançado comercialmente.