Retrato fantástico de como o ser humano ultrapassa limites merecia uma vaga entre os indicados como Melhor Filme
Há algum tempo, li uma notícia sobre um adolescente que foi preso após comprar um PlayStation 4 por £ 8 pesando a caixa em uma balança de frutas. Acontece que ele foi preso na SEGUNDA tentativa, porque descobriu que a primeira deu certo e decidiu repetir a façanha. Óbvio que o menino estava cometendo um crime e fazendo algo moralmente – e legalmente – errado, mas o ponto é que o garoto não se contentou em se dar bem uma vez: tinha que fazer de novo.
A trama do filme Poderia Me Perdoar? segue uma linha muito parecida, contando a história de Lee Israel, uma autora best-seller de biografias que passou os anos de 1970 e 1980 fazendo perfis sobre Katherine Hepburn, Estée Lauder, Tallulah Bankhead e Dorothy Kilgallen. Quando o mercado literário perdeu o interesse nesse tipo de material, Lee se tornou incapaz de publicar qualquer um dos seus novos trabalhos, mas descobriu um mercado cheio de interesse em cartas originais de escritores famosos.
No entanto, sem ter esse material em mãos, Lee decidiu forjar papéis de pessoas como Noël Coward e Dorothy Parker. Durante seu período como falsária, ela vendeu cerca de 400 cartas para colecionadores ingênuos com seu parceiro Jack Hock (Richard E. Grant) antes de receber uma visita do FBI.
Dificilmente você torce por Lee ou espera que ela se livre por suas ações no longa co-escrito por Nicole Holofcener e Jeff Whitty e dirigido por Marielle Heller, mas a entrega de Melissa McCarthy aproxima a personagem de nós – principalmente sua devoção apaixonada ao seu gato nos poucos momentos em que a personagem mostra alguma afeição por alguém. Com uma personalidade facilmente irritável, Lee carrega desprezo pelos seres humanos que, segundo ela, a desapontaram ou a impediram de continuar uma carreira de sucesso.
Não é fácil fazer o público entender alguém como alguém pode ser reconhecidamente desagradável e de moral seriamente duvidosa, mas Poderia Me Perdoar? consegue essa proeza.
Isso se deve ao cuidadoso roteiro de Holofcener e Whitty e à compreensão de Heller, que se preocupam em mostrar empatia com a história de Lee, apesar dos seus – muitos – erros. Mesmo nos momentos em que a personagem é detestável, a produção evita manipular a narrativa e torná-la emocional demais ou até mesmo justificar suas ações.
Colocando uma lupa em figuras marginalizadas, Poderia Me Perdoar? reflete muito bem a realidade sobre como nós somos passíveis de erros e tomamos atitudes pensando unicamente em nos dar bem. Independente se esse “se dar bem” é feito em um momento de necessidade ou por pura ganância.
Fazendo ponderações sobre solidão e invisibilidade, essa história mostra a importância de criarmos conexões, nos encorajando a acreditar que a vida de Lee – e de Jack – poderia ser diferente. Por sinal, as cenas entre McCarthy e Grant são fascinantes e cada um dá o tom certo necessário para seu personagem funcionar dentro dessa relação.
Enquanto Grant conseguiu maravilhosamente mostrar o equilíbrio entre a vulnerabilidade e um confiante charme para se livrar dos problemas criados por ele mesmo, McCarthy entrega a quantidade certa de sua habilidade cômica para a personagem.
Assim como a grande maioria das histórias reais adaptadas para o cinema, a história de Lee recebeu diversas adaptações para se adequar à narrativa que os roteiristas e a diretora queriam contar. Mas, diferente de outras histórias de 2018 indicadas ao Oscar – como Bohemian Rhapsody e Green Book: O Guia -, este Poderia Me Perdoar? acrescenta elementos humanos e sinceros que tornam essa história irresistível ao acertar no tom da emoção, apesar da cruel realidade.
E se o mundo fosse MESMO justo, esse filme entraria na disputa no lugar de algum dos outros dois.