Como a revisão de um acordo de 60 anos se tornou um rompimento litigioso e um processo legal
Hollywood é a ~terra das oportunidades, mas elas não aparecem magicamente. Qualquer jovem cheio de sonhos que queira se aventurar por Lalaland precisa encontrar um agente que o direcione para os melhores trabalhos, enquanto serve pessoas em algum restaurante por lá. Mas o que acontece quando um sindicato inteiro decide desistir desses valiosos profissionais?
Depois de reuniões cada vez mais acirradas, acabou oficialmente o contrato entre o Writers Guild of America (WGA, o sindicato dos roteiristas) e a Association of Talent Agent (ATA) colocando o mundinho do cinema americano em águas turbulentas. Mas o que exatamente aconteceu?
O assunto é complexo, então vamos por partes.
Durante décadas, as agências de talento ganhavam exclusivamente uma comissão fixa de 10% de cada contrato dos seus clientes. Então, a conta era simples: quanto mais o profissional trabalhava, mais o agente ganhava e um não sobrevivia sem o outro. Há cerca de 60 anos, a prática mudou e as principais agências dependem de “taxas de embalagem” pagas pelos estúdios de televisão que empregam seus clientes. É nesse ponto que a situação se torna mais complexa e didática.
Atualmente, as principais agências de talentos de Hollywood (CAA, WME, ICM e UTA) juntam um showrunner, um roteirista que fará o piloto e um ator/atriz ou um diretor em pacotes – em alguns casos, mais de uma agência compartilha o mesmo pacote – e oferecem aos estúdios de televisão. Segundo o sindicato dos escritores, 87% das séries escritas em 2016 e 2017 foram empacotadas pelas agências, sendo que 79% dos envolvidos eram de uma das agências citadas acima.
Vou dar um exemplo bastante brasileiro para exemplificar.
Você é um ator ou uma atriz que fechou com a minha agência de talentos e me tornei seu agente. Consigo para você e mais dois clientes um contrato para uma novela na Globo e, pelo pacote que ofereci, minha agência ganha pelo contrato que fiz para vocês entrarem na novela. Isso significa que, em vez de comissionar seus clientes, as agências são pagas pelos próprios estúdios e faturam duas vezes: pelo contrato que já têm com o agenciado e pelo contrato com o estúdio, já que as agências acabam se comportando como produtores.
Com programas cada vez mais lucrativos, essas taxas de pacotes são altamente rentáveis porque as agências continuam ganhando mesmo se o cliente delas DEIXAR o programa ou até mesmo a agência, porque elas faturam enquanto o programa ainda existir. E, pra piorar, recentemente as agências CAA, WME e UTA criaram empresas de produção afiliadas que concorrem diretamente com os estúdios, oferecendo não apenas profissionais, mas participações em conteúdos.
Para o sindicato, existe um claro conflito de interesses, já que os agentes são pagos pelos empregadores dos seus clientes e não existe incentivo para negociarem melhores salários para os escritores porque os agentes simplesmente não precisam. Sem as tais taxas de embalagem, o sindicato afirma que esse dinheiro poderá ser direcionado para um pagamento maior para os escritores. Em contrapartida, as agências argumentam que nunca ganham mais do que seus clientes e que eles devem escolher entre pagar comissão para os agentes ou ter seu projeto “empacotado”.
Após o final do contrato entre o WGA e o ATA, o sindicato orientou seus membros a se afastarem das agências que não assinarem seu novo Código de Conduta — aprovado por 95,3% dos integrantes, é bom dizer — que renuncia à prática das taxas de embalagem. Nenhuma das quatro maiores agências assinou o código, claro, e algumas das agências do baixo clero seguiram o mesmo caminho, deixando milhares de escritores prestes a demitirem seus agentes pouco antes do início da nova temporada de produção televisiva.
Mais de 800 profissionais, incluindo roteiristas como Vince Gilligan (Breaking Bad), Damon Lindelof (The Leftovers) e Amy Sherman-Palladino (The Marvelous Mrs. Maisel), assinaram uma declaração de apoio afirmando que apenas serão representados como escritores por agências aprovadas pelo sindicato – repare o uso da palavra “escritores, no entanto. Isso significa que contratos como showrunners podem ser mantidos pelas agências atuais.
Tudo indica mesmo que uma tempestade se aproxima de Hollywood
No Twitter, surgiu um número considerável de roteiristas compartilhando suas histórias e apoiando o sindicato, apesar de ainda demonstrarem respeito ao seus representantes individuais e alguns inclusive afirmarem que não vão demití-los.
Agora, o objetivo do WGA é provar que os escritores podem sobreviver sem os agentes ao criar uma base de dados que os showrunners possam usar para encontrar roteiristas interessados nos trabalhos.
Além de uma base de apoio direta, o WGA também está incentivando agentes a se retirarem das agências, assinarem o novo código e se tornarem MANAGERS para continuarem fazendo negócios para seus clientes – e o sindicato também está recrutando advogados para assumirem os contratos dos escritores que demitiram seus representantes.
Em uma carta aos seus membros, o WGA afirmou que pagará os empresários/managers e advogados pelo trabalho, já que esses serviços são proibidos para agentes ou representantes que não sejam licenciados.
Além de se tornar um processo legal contra as agências de talento e o ATA, conforme informa o THR, esse rompimento pode significar uma mudança na forma da indústria americana fazer negócios, principalmente porque o Directors Guild of America e o SAG-AFTRA sugeriram que também podem entrar em guerra com os agentes no próximo acordo.
Tudo indica mesmo que uma tempestade se aproxima de Hollywood.