Preacher: até o fim do mundo e também da série | JUDAO.com.br

A quarta e última temporada da série mais louca e profana atualmente no ar chega mal-educada do jeito que se esperava, em clima de guerra — mas não do jeito que você pode imaginar depois do último season finale

SPOILER! Uma série como Preacher não apenas pode se dar ao luxo de fazer o que bem entender mas, também, e ainda bem por isso, de não necessariamente entregar aquilo que os espectadores e fãs da HQ original aparentemente estão esperando. Vejamos, por exemplo, o combo que foram os dois episódios inaugurais desta quarta e última temporada, exibidos neste domingo (4) na TV americana.

A coisa toda, obviamente, não alivia em nada nas piadas ácidas com a religião — e não apenas a cristã/católica, é bom que se diga. Claro que o grande antagonista continua sendo Herr Starr, ele próprio agora o Allfather da organização religiosa militarizada conhecida como Grail. Mas Masada, o quartel-general de um dos vilões mais interessantes da TV contemporânea, fica em pleno Oriente Médio e, no final da última temporada, como bem nos lembramos, ele capturou o vampiro Cassidy e se enclausurou por trás de fortificados portões e um tremendo arsenal esperando Jesse Custer aparecer para o resgate. No meio do caminho, portanto, era de se esperar que o pastor desse de cara com alguns muçulmanos. Mas Deus é Deus, né? Ou talvez deus é deus, não dá pra saber direito. ENFIM. ;)

Só que você, querido espectador, já podia imaginar, portanto, que parte da temporada justamente se passaria ao longo das muitas tentativas de Custer — que volta a ter o seu poder divino, a dádiva da Voz de Deus — e da cada vez mais irascível Tulipa para invadirem o local, certo? Pois é, mas tá errado. Porque antes dos 20 minutos do PRIMEIRO episódio eles já estão lá dentro, subvertendo completamente o que se esperava do caminho de uma série tradicional e provando que as surpresas e as loucuras nem sequer começaram.

O mesmo rola, por exemplo, quando Custer pega uma carona dentro de um caminhão de galinhas que serve de abastecimento para um centro de entretenimento cujo nome lembra um dos momentos mais bizarros dos gibis de Preacher e que deve ter feito os leitores entrarem em REGOJIZO: Jesus de Sade — o milionário excêntrico que comanda festas / orgias com todos os tipos de depravações sexuais possíveis.

Muito fã da obra de Garth Ennis estava esperando por este momento. E, depois de algumas idas e vindas, acaba que Jesse Custer vai MESMO parar lá no tal lugar. E chegamos MESMO a ver Jesus de Sade, em seu visual tão peculiar, pela janela do casarão para ricaços pervertidos (“pecadores são bem-vindos”, diz a placa que recepciona os visitantes). A porta se abre... e pronto. O que acontece lá dentro é APENAS sugerido pelas novas botas que o pastor usa (assista ao episódio e você vai entender que isso faz um sentido danado).

Eles PODIAM ter mostrado tudo que rola lá dentro? Claro que poderiam. Seria, no entanto, beeeem pesado, com zoofilia e até sugestão de pedofilia — para a TV, para a emissora e mesmo para a construção que a série vinha fazendo até o momento, com toda a liberdade possível. E um pesado, contextualmente, até meio gratuito, sem contribuir da forma que poderia para o todo. Então, os roteiristas simplesmente transformaram aquilo num pequeno easter egg, com uma sutileza surpreendente pros padrões rinocerônticos da série.

E tá tudo legal. Funciona. Caso queiram, podem voltar a ele em algum momento. Mas, honestamente, não precisa. O caminho é este, é só seguir que a coisa tá funcionando bem direitinho.

Os dois episódios iniciais deixam claro que ainda tem muita coisa pra acontecer, muito mais interessante do que um duelo final épico e repleto de metralhadoras e helicópteros. O Santo dos Assassinos tá de volta e, carregando o Cara de Cu a tiracolo, tá na busca por Jesse Custer. Lembra que o inferno tem um novo comandante — no caso, o Hitler, que na série é, junto de Herr Starr, um dos personagens mais interessantes e ao mesmo tempo deliciosamente patéticos da trama? E o próprio Starr, que quer vingança pela marca peniana permanente em sua careca, tem um parceiro bastante importante do seu lado na missão de fazer o pastor sofrer: no caso, Deus em pessoa, aquele que sumiu e que vai claramente aparecer mais ativamente nesta reta final.

Mas, pesar deste brilhante elenco de coadjuvantes, Preacher chega nesta última temporada se focando no melhor ativo que tem em mãos: o trio de protagonistas. O foco está ali. A guerra principal não é entre o céu e o inferno, mas sim entre um pastor que não sabe bem se busca redenção ou não, uma assassina com problemas familiares que encontrou o seu caminho à bala e um desajustado vampiro que só queria viver a vida do seu jeito bastante peculiar e irlandês. O segredo de Preacher é nunca esquecer, mesmo com toda a loucura que gira ao redor, que a química poderosa entre Jesse, Cassidy e Tulipa faz TODA a diferença.

Jesse e Cassidy começam a tretar por causa da Tulipa. Cassidy se recusa a ser resgatado. Tulipa insiste. Cassidy parece querer provar algo a si mesmo. Jesse confronta Tulipa sobre ela ter transado com Cassidy. Tulipa nega. Jesse volta a ser conclamado a seguir sua jornada em busca de Deus. E acaba abandonando Tulipa à própria sorte. Sendo que o que ela quer é resgatar um Cassidy que parece não querer resgatado, por mais que tenha seu pênis fatiado praticamente todos os dias durante uma aula de tortura avançada (!!!).

A tensão entre os três é que vai, de verdade, fazer a diferença aqui.

O episódio 2 termina com Jesse Custer, vejam vocês, dentro de um avião indo pra Austrália. Podemos estar diante de um dos momentos mais ICÔNICOS do gibi, que a abertura desta nova temporada brevemente sugere. Quem já leu, pode imaginar do que se trata e ter juntado 2 + 2. Mas, no fim, é o tipo de situação na qual a gente tá longe de querer ver os caras transcreverem a passagem literalmente dos gibis pra telinha. Caguei pra isso. Mas sim, uma situação na qual queremos DEMAIS é ver a releitura que os caras vão dar pra este episódio. Do jeito DELES. E que ajude a contar a história DELES, do tipo que nos permite ver a ira do Todo-Poderoso com um dinossauro de animação comendo a própria bosta, o que o teria levado a convocar o meteoro que extinguiu os grandes lagartões.

Pera. Deus? Dinossauros? Oi? É, isso mesmo.

Porque eles tão cagando pra tradição, pra família, pra religião, pro presidente alaranjado sentado na cadeira da Casa Branca e, principalmente, tão cagando pra você e pra mim, querido ~fã.

AINDA BEM.